terça-feira, 26 de agosto de 2014

Com cinco mortos e 25 feridos, termina rebelião em Cascavel

Motim acabou às 3h40, quando último agente feito refém foi liberado. Secretaria de Justiça não descarta que presos tenham fugido pelo sistema de esgoto da Penitenciária Estadual durante a rebelião

Presos rebelados foram ocupam o teto da penitenciária desde o início do movimento
Terminou na madrugada desta terça-feira (26) a rebelião na Penitenciária Estadual de Cascavel (PEC). Com um saldo de 5 mortos e 25 feridos, o motim durou aproximadamente 45 horas e foi dado como finalizado às 3h40, depois que o último dos dois agentes penitenciários feitos reféns foi liberado pelos presos. A liberação, por sua vez, aconteceu quando o último comboio de detentos incluídos no acordo de transferência deixou o local.
Ao todo, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) realizou entre a noite desta segunda (25) e esta madrugada 851 transferências. Em viaturas, ônibus e carros fechados do Departamento de Execuções Penais (Depen-PR), os presos foram levados para penitenciárias em Foz do Iguaçu, Guarapuava, Francisco Beltrão, Cruzeiro do Oeste, Maringá e Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.

Durante cerca de uma hora desta segunda, das 20 às 21 horas, as transferências chegaram a ser suspensas pela PM por "questão de segurança". O fato gerou protesto dos presos, que queimaram colchões e fizeram gestos em protesto para demonstrar que estavam insatisfeitos com o "descumprimento do acordo". O transporte de presos foi reiniciado às 21h e a situação voltou a ficar como estava antes da interrupção.

A Seju estima que 187 presos não foram transferidos e ocupam hoje as quatro galerias da unidade que não foram danificadas durante a revolta. Juntos, estes espaços têm capacidade para 144 pessoas. Contudo, o número dos que permaneceram na penitenciária será confirmado ao longo do dia porque a secretaria não descarta a possibilidade de fuga pelo sistema de esgoto do local.

A secretaria, por meio de sua assessoria de imprensa, disse também que a Polícia Militar iniciou nesta manhã uma nova operação e buscas por outros possíveis corpos e feridos que podem não ter sido encontrados nas primeiras vistorias, iniciadas logo após o fim da rebelião.

Outras vistorias serão realizadas durante esta terça-feira para analisar os estragos causados na unidade. Se for constatada a chance de que algumas celas sejam rapidamente recuperadas – como apenas com limpeza, por exemplo – parte dos presos que foram transferidos podem voltar à penitenciária de Cascavel.

Mortos e feridos

Dos cinco mortos durante a rebelião, pelo menos dois deles foram decapitados. De acordo com a Seju, por volta das 7h15 desta terça-feira (26) os corpos permaneciam no interior da Penitenciária Estadual de Cascavel porque as perícias ainda eram realizadas neste período. Contudo, viaturas do Instituto Médico Legal (IML) do município já aguardavam pela liberação dos corpos.

Nenhum dos assassinados havia sido identificado até o momento. Contudo, em entrevista à rádio CBN Cascavel nesta segunda-feira, o preso Alessandro Meneghel disse que as vítimas fatais são estupradores e um deles é Gilmar de Lima -- condenado por ter matado sua enteada, a menina Rafaela Trates, de apenas cinco anos.

Os feridos – que somaram 25, sem contar os dois reféns – foram socorridos pelo Siate. Oito deles, que tiveram ferimentos mais graves foram encaminhados a hospitais da região. Os demais foram atendidos no local e liberados logo em seguida.

Quanto aos dois agentes penitenciários feitos reféns, a secretaria informou que eles foram liberados com bastante escoriações pelo corpo. Eles foram levados a um hospital em Cascavel onde passam por tratamentos físicos e psicológicos.

A Seju disse não saber para quais hospitais os detentos e os reféns foram levados.

Início do motim

A rebelião teve início por volta das 6h30 do domingo (24), no momento em que um agente começou a entregar café da manhã aos detentos. Boa parte dos rebelados, que usavam capuzes para esconder os rostos, estava concentrada no telhado da penitenciária. Eles também usavam identificações do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que domina presídios em vários estados do país.

Pelo menos cinco presos foram atirados do teto do presídio. Eles caíram de uma altura de cerca de 15 metros e permaneceram no chão por cerca de três horas até as equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar conseguirem entrar no pátio em segurança. Ainda no domingo saiu a confirmação e quatro presos assassinados. Várias pessoas foram espancadas pelos detentos e mostradas para quem acompanhava a rebelião pelo lado de fora.

Também no primeiro dia do motim, cerca de 145 presos que não aderiram à rebelião, e eram ameaçados pelos rebelados, foram transferidos, sendo que 77 deles foram para a Penitenciária Industrial de Cascavel (PIC), que fica no mesmo complexo que a Penitenciária Estadual. O restante foi encaminhado para a Penitenciária de Francisco Beltrão.

Durante a rebelião, galerias foram incendiadas. Colchões usados pelos detentos também foram queimados. Já na noite de domingo, a luz e a água da unidade penitenciária foram cortadas para forçar uma negociação.

A Seju informou que cerca de 60% da penitenciária chegou a ser tomada pelos presos.

Comissão considerou presídio o pior do estado

Os fatores que levaram presos da Penitenciária Estadual de Cascavel a se amotinarem na rebelião mais sangrenta dos últimos quatros anos no estado não são novidade. Eles já haviam sido detalhados em 2012 pela seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Na ocasião, o presídio foi considerado a pior unidade penal do estado.

Entre os principais problemas relatados pela Ordem estavam falhas estruturais “seríssimas” – como celas sem manutenção e infiltração –, falta de agentes penitenciários e alimentação estragada e insuficiente. Outro ponto detectado era a falta de condições à ressocialização: menos de 10% dos detentos trabalhavam e não havia acesso adequado a assistência jurídica e médica.

“É uma tragédia anunciada”, resume a advogada Isabel Kügler Mendes, que presidia a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR na época das vistorias. “Não foi uma briga entre facções. A motivação [da rebelião] foi que aquilo [a PEC] é uma panela de pressão”, completa.

Além disso, os detentos denunciavam torturas e punições coletivas e excessos cometidos por agentes penitenciários durante as revistas íntimas, para que familiares pudessem visitar os presos. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa confirmou que, nos últimos dois anos, os casos de violência contra os internos continuaram.

“A PEC já tem um histórico de tortura. No último ano, tivemos pelo menos três presos mortos por agressão no presídio. Tem vários processos administrativos abertos contra agentes por causa de abusos”, diz o presidente da comissão, deputado Tadeu Veneri.

“Quando uma unidade rompe o tripé alimentação, visitas e tem tortura, o sistema se desequilibra”, acrescenta. Alerta O Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) também havia alertado quanto às condições da PEC. Vinte dias atrás – quando o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR) transferiu mais de cem presos àquela unidade – o sindicato denunciou “o perigo e a irresponsabilidade” de se alocarem mais detentos na PEC.

“Tanto os presos como os agentes penitenciários são vítimas do descaso e da falta de investimento público adequado no sistema penitenciário”, diz o advogado do sindicato, Jairo Ferreira Filho. Em julho de 2013, os presos chegaram a enviar uma carta à presidente Dilma reclamando das condições do presídio. Para as autoridades, a rebelião de Cascavel serve de alerta à deterioração do sistema carcerário.

Há preocupação que outras unidades – também consideradas em situação delicada, como a Penitenciária Central do Estado (PCE) e a Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu II – sofram motins. “É só um aviso do que pode acontecer em outros presídios”, pontua Veneri. “Já há ameaças. Temos levado ao conhecimento do Depen-PR que outras penitenciárias podem passar pela mesma situação em muito breve”, afirma Isabel Kügler.

Familiares revoltados

Apreensivos e revoltados com a falta de informação sobre o que acontecia dentro da penitenciária, familiares dos presos bloquearam em protesto por três vezes a BR-277, próximo à unidade prisional. Eles reivindicaram por informações sobre a situação dos detentos, que estão rebelados.

Gazeta do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário