domingo, 9 de novembro de 2014

Eleições e integração latino-americana


Por Emir Sader, na Rede Brasil Atual:

Quando a continuidade dos governos do PT esteve em risco, ao longo da campanha eleitoral – pelo menos em dois momentos dela –, foi possível avaliar consequências que essa mudança poderia ter também no plano internacional. A apreensão permitiu avaliar a importância que o Brasil passou a ter partir do primeiro governo Lula, ao se imaginarem impactos de uma eventual mudança radical da nossa política exterior.

Quando Marina Silva chegou a abrir vantagem sobre Dilma Rousseff no primeiro turno, suas propostas de política internacional vieram à tona e causaram espanto: rebaixamento do perfil do Brasil no Mercosul, acordos bilaterais e um elogio à Aliança para o Pacífico, o bloco formado por Chile, Colômbia, Peru e México. Seria uma mudança brusca e radical. A começar porque acordos bilaterais – e se poderia supor que o primeiro e mais importante seria com os Estados Unidos – são incompatíveis com a presença no Mercosul. 

O Uruguai, no primeiro governo de Tabaré Vásquez (2005-2010), se propôs a assinar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, permanecendo no Mercosul, e recebeu uma resposta taxativamente negativa. Significaria, portanto, a saída do Brasil do bloco sul-americano, com reflexos diretos nos outros processos de integração regional, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

A referência favorável à Aliança para o Pacífico permitia deduzir uma consequência coerente com a visão delineada: privilegiar o acordo com os países da região que assumem as políticas de livre comércio e tratados bilaterais com os Estados Unidos, em detrimento dos que fazem parte do Mercosul – Argentina, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Equador, Suriname e Guiana. Seria difícil imaginar as consequências para os Brics e os acordos recém-assinados em julho em Fortaleza, que se chocam diretamente com a política internacional norte-americana.


Mais adiante, na campanha eleitoral brasileira, com o lugar de candidato principal da oposição reassumido por Aécio Neves, com possibilidades de vitória, os mesmos raciocínios poderiam ser feitos. Afinal, o tema política externa de sua era coordenado por ex-diplomatas do governo de Fernando Henrique Cardoso, que tinham participado da articulação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).


A reeleição da Dilma, junto ao começo do governo de Michelle Bachelet no Chile, à reeleição de Evo Morales na Bolívia e e ao favoritismo de Tabaré Vásquez no Uruguai, ao contrário das ameaças anteriores, projeta um cenário distinto para a integração latino-americana. Bachelet coloca em prática o que havia anunciado: perfil mais baixo do Chile na Aliança para o Pacífico e aproximação com os processos de integração regional. Evo Morales dará continuidade ao ingresso da Bolívia no Mercosul, enquanto o Uruguai dará continuidade na sua participação dos projetos de integração regional. O momento é favorável também porque, depois de longa acefalia, foi designado Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia, como novo secretário-geral da Unasul. Isso se dá ao mesmo tempo em que a Aliança para o Pacífico perde relevância.


A dimensão mais importante da política externa brasileira no segundo mandato da Dilma deve girar em torno da regulamentação e implementação dos acordos dos Brics. Colocar em prática o Banco do Desenvolvimento, para financiar projetos dos países do sul do mundo, deve demandar um prazo de cerca de dois anos para poder funcionar plenamente.


O mesmo deve acontecer com o fundo de reservas para atender a países com dificuldades – como é o caso da Argentina, atualmente. Os acordos desenham um mundo econômica e financeiramente multipolar, independentemente dos acordos de Bretton Woods, que constituíram o mundo centrado no FMI e no Banco Mundial. Não por acaso, os acordos assinados este ano em Fortaleza foram chamados de Bretton Woods do sul do mundo.

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