Durante os dias 21, 22 e 23 de agosto, a Associação
Brasileira de Rádios Comunitárias realizou seu 8° Congresso. As dificuldades
que as emissoras enfrentam para apresentar um modelo de comunicação mais plural
e democrático foram a linha principal dos debates no evento.
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As dificuldades enfrentadas no Brasil não são muito diferentes daqueles que as comunitárias de outros países da América Latina enfrentam, |
Em um momento do país em que a mídia promove de forma
irresponsável um quadro de caos econômico e social, representantes de rádios
comunitárias de diversas regiões brasileiras se reuniram em Brasília para
discutir estratégias que visam fortalecer a comunicação democrática e a atuação
dessas emissoras como contraponto à manipulação da informação. Mas os caminhos
não são fáceis.
Coordenador da associação até o Congresso, José Sóter,
defendeu a necessidade de alterar a regras urgentemente, entre elas, as que tratam
da publicidade. Por lei, as emissoras não podem veicular espaço publicitário de
forma mais detalhada. "A propaganda da padaria não pode falar que o pão é
gostoso, nem seu preço", exemplifica. O único formato permitido é o
chamado apoio cultural, pelo qual só se divulga o nome do estabelecimento.
Criminalização
Outro ponto destacado foi a descriminalização do setor que
enfrenta regras impostas pela Lei 9612, de 1998, responsável por regulamentar a
radiodifusão comunitária no país e dificultar a tramitação dos documentos.
Para a Secretária Nacional de Comunicação da CUT, Rosane
Bertotti, é fundamental a prioridade para as rádios comunitárias nas políticas
públicas de comunicação, eliminando a burocracia e as restrições impostas
atualmente. “O fim da criminalização é fundamental para garantir a anistia aos
milhares de comunicadores perseguidos e condenados pelo exercício da liberdade
de expressão e do direito à comunicação”, definiu.
Como resposta à pressão da Abraço, o coordenador-geral de
Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações, Samir Nobre,
apresentou novas regras, que valerão a partir do Plano Nacional de Outorgas, a
ser lançado em breve. Segundo ele, as mudanças representam o início de uma nova
relação entre as emissoras e o governo e diminuirão a quantidade de documentos
necessários para outorgas.
Conforme já destacado na abertura do Congresso, o controle
de veículos de comunicação por políticos e religiosos não está somente no
circuito comercial. Ocorre também nas comunitárias. Samir relatou casos em que
as autorizações de emissoras não foram renovadas por serem controladas por
políticos ou pastores de igrejas, situação que foge dos princípios básicos de
radiodifusão comunitária, apontou.
Para José Sóter, as propostas apresentadas representam um
avanço, mas não suficientes ainda para desenvolver o setor de forma justa. Um
primeiro passo, segundo ele, seria as comunitárias assumirem a manutenção da
estrutura da Abraço para que a entidade reforce sua voz. A associação oferece
apoio, inclusive jurídico, para que as rádios entrem no ar sem receber nada por
isso.
Segundo o dirigente, o financiamento é ponto crítico. “Com
cinco mil rádios no ar graças à atuação da Abraço, é hora das emissoras
assumirem o protagonismo da entidade. Mas para isso a captação de recursos deve
avançar. Seja por meio do espaço publicitário, seja por meio de recursos
públicos. Se tem recurso para salvar banco de quebradeira, nós queremos
benefícios também”.
Outro ponto que Sóter questiona é a exigência da representatividade.
Para que a autorização seja concedida, é necessário que a associação apresente
uma lista de assinaturas, a chamada lista de apoio. José Sóter explica que o
correto é verificar o quadro de associados da entidade que pleiteia a
autorização. “Fica fácil para igrejas, por exemplo, passarem uma lista em seus
cultos ou qualquer um ir até um local público e colher assinaturas,
aleatoriamente”, explica.
Diálogo
Para que as questões que envolvem o relacionamento entre
poder público e comunitárias avancem, um dos caminhos é a "participação
social", defendeu o secretário nacional de participação social da
Presidência da República, Renato Simões. “Rádios comunitárias são parte da
política de participação social e o governo tem como prioridade a participação
por intermédio de meios digitais. O Congresso da Abraço é o espaço para uma
reflexão sobre novos passos a serem dados no futuro, com a atuação das
comunitárias”, afirmou.
O que vai ao ar
O encontro tratou ainda da produção do conteúdo. A ideia
defendida pelos participantes foi a criação de uma rede a partir da qual o
material seria compartilhado pelas emissoras não necessariamente sendo
veiculados nos mesmos horários, mas estabelecendo uma linguagem comum às
comunitárias.
Essa seria uma forma de driblar a falta de orçamento ou
dificuldades técnicas e de equipe para produção de reportagens. A proposta é
utilizar material público e de outras entidades como CUT, TVT, EBC, Ministérios
da Educação e da Cultura, entre outras fontes.
América latina
As dificuldades enfrentadas no Brasil não são muito
diferentes daqueles que as comunitárias de outros países da América Latina
enfrentam, Isso ficou evidente na intervenção do jornalista Beto Almeida,
conselheiro da Telesur, rede de televisão pública multiestatal.
Ele apresentou casos em que as comunitárias exercem um papel
importante em processos democráticos, como a cobertura alternativa de processos
eleitorais em países como Venezuela, Bolívia e Equador.
Beto Almeida ainda citou a questão do financiamento como
fator fundamental para a sobrevivência das comunitárias: “A Veja tem 14 páginas
de patrocínio da Petrobrás, ou seja, dinheiro público. Com o valor investido em
uma publicação como essa, que ‘avacalha’ com o governo, muitas comunitárias
poderia ter sua produção incrementada, em prol de uma comunicação mais
democrática e plural”.
Mulheres nas rádios comunitárias
Outro momento de destaque do Congresso foi o 2° Encontro do
Coletivo de Mulheres da Abraço. Com o objetivo de debater e fortalecer a
atuação das mulheres na gestão das emissoras, o econtro contou com a
participação de Rose Scalabrin, secretária de articulação institucional e ações
temáticas da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República.
Em sua apresentação, ela afirmou que "a participação das mulheres na
política deve começar na própria comunidade". Ressaltou que uma Reforma
Política que acabe com o financiamento privado de campanha é o caminho mais
curto para o empoderamento das mulheres. Ela citoui que o "perfil
masculino" de candidatos é o preferido dos financiadores de candidatos.
Nova coordenação:
Em eleição no último dia do Congresso, Valdei Borges, de
Goiás foi eleito novo coordenador executivo da entidade. José Sóter prossegue
como coordenador da Agência Abraço , que tem a função de assessorar e prover
conteúdo às emissoras associadas e como consultor da entidade.