domingo, 20 de setembro de 2015

Povos de terreiro exigem respeito à sua religião em audiência no Senado

Participantes de audiência denunciam atos de intolerância religiosa, exigem respeito e pedem políticas públicas em defesa das religiões de matriz africana.


Por Iris Pacheco*

“Religião prega ódio ou o amor e a fé?”. Esse questionamento do babalorixá Pecê de Oxumaré foi apenas um dos muitos realizados durante a audiência pública realizada nesta quarta-feira (16) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, para debater perseguições contra praticantes de religiões de matriz africana.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) presidiu a audiência e lamentou a intolerância religiosa no Brasil. O parlamentar salientou ainda que a realização daquele espaço público cumpre a função de dizer ao povo brasileiro que a intolerância contra grupos religiosos, especificamente os de matriz africana, não é aceita.

Realizada no dia da semana dedicado à Xangô, a audiência foi aberta com uma cantiga em saudação ao Orixá do fogo e da justiça cantada por Mãe Railda Rocha Pitta.

O babá Adailton Moreira Costa, que nasceu e se criou dentro do Candomblé, exigiu respeito à tradição religiosa de matriz africana e questionou a impunidade dos grupos que promovem a intolerância no Brasil.

“Eu exijo que respeitem minha tradição religiosa. A intolerância religiosa vem travestida de racismo às nossas religiões de matriz africana, de machismo, de homofobia, de violência de gênero... É um projeto político econômico de destituição de identidade cultural religiosa muito bem arquitetado. O Estado tem que se responsabilizar por nós porque somos cidadãos. Por que essa naturalização da violência e da violação dos direitos humanos? A liberdade religiosa é um direito constitucional”, apontou o babá.

Intolerância em números

Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), entre 2011 e 2014, o Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos – registrou 462 queixas desse tipo.

Somente no estado do Rio, entre julho de 2012 a dezembro de 2014, foram registradas 948 queixas envolvendo intolerância contra religiosa, destas 71% envolviam as religiões afro-brasileiras. Os dados são do relatório preliminar da organização não governamental Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), divulgado em audiência pública no dia 18 de agosto desde ano na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Nascida na religião dos Orixás, Mãe Railda Rocha Pitta, compartilha sua concepção ancestral de religião como uma manifestação de respeito ao mais velhos, amor às crianças e a convivência em comunidade.

“Nós que somos do candomblé muito cedo aprendemos a clamar por justiça ao grande senhor dos trovões, Xangô. E confesso que nos últimos tempos tem sido preciso saudar muito a esta divindade, porque tem crescido assustadoramente os casos de intolerância religiosa e perseguição aos seguimentos afro-brasileiros”, comentou Mãe Railda.

Presentes

Estiveram presente os senadores Paulo Paim (PT/RS), Donizeti Nogueira (PT/TO), a deputada federal Erika Kokay (PT/DF), entre outros parlamentares. O babalorixá Pecê de Oxumaré e o frei David Santos, Diretor Executivo de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), também acompanharam a audiência. Além desses, participaram representantes de órgãos governamentais como Givânia Maria da Silva, Secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, que afirmou a necessidade ir para além da palavra de intolerância, são crimes que devem ser enquadrados como crimes de racismo.

Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Coordenador Geral de Diversidade Religiosa da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, e a Mãe Baiana - representante da Fundação Palmares, que se emocionou ao relatar a visita do órgão ao Ilê Axé Queiroz, dirigido por Babazinho, atacado na madrugada do último dia 12 e afirmou que a Fundação está tomando as providências necessárias para que essas comunidades tenham resultados concretos.

Ataques

A madrugada do dia 12 de setembro ficou marcada pelo crime de vandalismo e pela ignorância de indivíduos que em um série de ataques agrediram casas de religiões afro-brasileiras no entorno da capital federal do país.

No ilê de Pai Ricardo de Omolú em Valparaíso de Goiás, após três meses da denuncia do ocorrido até hoje não recebeu a visita dos investigadores ou mesmo a perícia para fazer o levantamento no local.

Há um mês atrás, o ilê Axé Queiroz em Santo Antônio do Descoberto, dirigido por Babazinho, foi atacado e depredado, arrombaram a porta, violaram o sagrado e quebraram igbás (representações dos Orixás). Agora pela segunda vez, a casa é atacada e incendiada. Embora o Babá tenha feito o boletim de ocorrência junto a Polícia do estado de Goiás, os peritos ainda não apareceram para fazer as averiguações e os responsáveis não foram identificados.

Segundo Babazinho, a única informação que se tem é que foram duas pessoas bem vestidas, que chegaram em um carro estrada prata, arrombaram a porta e atearam fogo no Ilê. O sentimento de medo e insegurança está instalado na comunidade.

“Eu não confio mais, a casa não vai ficar lá. Já está tudo destruído e a gente teme pela nossa vida e as dos nosso filhos. Me sinto revoltado, estamos aqui para tentar ver uma medida e cobrar uma providência junto aos órgãos competentes que dê mais segurança ao povo de Candomblé”, ressaltou Babazinho com indignação.

A outra casa agredida foi o ilê do babá Djair de Logun Edé em Águas Lindas de Goiás. De acordo testemunhas homens ainda não identificados chegaram em uma Saveiro, derrubou o portão do Ilê e atearam fogo. As chamas foram contidas pelos vizinhos a tempo de causar um dano maior.

Confira vídeo realizado pela Fundação Palmares com o depoimento de Babazinho e Iyá Nani de Òyá contando sobre o ataque sofrido:


Articulações

O povo de Tereiro está se articulando em várias esferas, seja no âmbito público, seja na sociedade civil organizada. A audiência também foi espaço para socialização dessas iniciativas, como a organização da Caminhada Nacional contra a Intolerância Religiosa em Brasília.

O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Distrito Federal e Entorno, Rafael Moreira, questionou o não cumprimento da legislação que se referem ao direitos dos Terreiros e protocolou uma carta de repúdio aos atos de intolerância religiosa nos municípios goianos da região metropolitana do DF.

Já na semana passada, ocorreu o primeiro Seminário Nacional de Povos de Comunidades Tradicionais de Terreiros, em Teresina (Piauí), onde foram discutidas propostas de políticas públicas de igualdade racial e combate a intolerância religiosa.

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