Tapa na cara de quem acredita em “austeridade” e
“sacrifícios”: até empresas concluem que trabalhar menos, mantendo o salário,
amplia as horas de ócio sem reduzir a produtividade
Manifestação em favor dos imigrantes em Estocolmo (2015): versão igualitária e livre do Estado de bem-estar social deixou raízes na Suécia |
Por Antonio Martins
no blog Outras Palavras
Símbolos, nos anos 1960 a 1980, do Estado de Bem-Estar
Social em sua versão mais igualitária, os países do Norte da Europa regrediram
muito, neste século. A Suécia tem um governo conservador que colabora
estreitamente com os EUA no esforço para manter Julian Assange encarcerado na
minúscula embaixada do Equador em Londres. A Finlândia figurou, junto com a
Alemanha, na linha de frente dos Estados que impuseram à Grécia, há meses, um
recuo humilhante na negociação com seus credores. E, no entanto, algo da antiga
tradição distributivista e anti-aristocrática resiste.
Um sinal são os crescentes acordos que estão reduzindo
substancialmente, na Suécia, as jornadas de trabalho. Não se trata de mudanças
cosméticas: as reduções do tempo laboral para 30 horas semanais (apenas 6 horas
trabalhadas, de segunda a sexta) estão se tornando frequentes. Surpresa
reveladora: em muitos casos, as empresas aceitam de bom grado a mudança. Ao
fazê-lo, revelam na prática como são atrasadas as concepções segundo as quais é
preciso “sacrificar-se” em tempos de crise.
Uma matéria publicada. há dias no The Independent inglês
explica a lógica. Tomando por base três empresas — uma transnacional da
indústria com sede em Tóquio e planta em Estocolmo (Toyota), uma desenvolvedora
de aplicativos para internet (Filimundus) e a administradora de uma casa de
repouso para idosos (Svartedalens), o texto revela que as reduções de jornada
estão se espalhando por todos os setores da economia sueca. As mudanças
comportamentais decorrentes são notáveis e diversas. Mas uma conclusão geral se
impõe: a ideia calvinista de que trabalhar mais horas resulta em maior
bem-estar tornou-se, hoje, totalmente falsa.
Na Filimundus, inserida no setor emergente da Tecnologia de
Informação, o próprio presidente, Linus Feldt, reconhece: “Queremos passar mais
tempo com nossas famílias, aprender coisas novas ou nos exercitar mais. (…)
Acho que a jornada de 8 horas não é tão efetiva quanto pensávamos”. A redução
do tempo diário de trabalho, que foi adotada sem mexer nos salários, teve outro
tipo de contrapartida. Recomendou-se, com sucesso (porém sem imposições), que
os trabalhadores dispersassem menos tempo nas redes sociais. “Minha impressão é
de que é mais fácil focar-se de modo mais intenso no trabalho se você sabe que
terá energia quando sair da empresa”, diz Feldt.
Na filial sueca da Toyota, a jornada de 6 horas diárias já
completou 13 anos. Os próprios administradores admitem que os trabalhadores
estão mais felizes, há muito menos perdas com demissões e a empresa tornou-se
capaz de atrair os jovens suecos mais habilidosos. O exemplo da Svartedalens
com o cuidado de idosos parece igualmente notável. Ele já inspirou
empreendimentos similares — um hospital ortopédico na Universidade de
Gotemburgo e a enfermaria de dois hospitais no norte do país — a reduzir em
duas horas o tempo diário de trabalho.
As experiências relatadas pelo The Independent limitam-se às
relações capitalistas. Em todos os casos, empresas cujo objetivo central é o
lucro — e não a satisfação dos desejos humanos — ganharam, quando se afastaram
da ortodoxia que comanda o sistema, onde ele é mais primitivo. Vale perguntar:
até onde será possível chegar, se formos capazes de mudar de lógica,
substituindo a expectativa banal do lucro pela busca, compartilhada e
consciente, de novas formas de estar no mundo e transformá-lo?
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