No Brasil, 35 escolas públicas se destacam por conseguir,
mesmo em condições adversas, garantir um bom aprendizado aos alunos no ensino
fundamental. São escolas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico em
diferentes regiões do Brasil e conseguem que eles avancem juntos e tenham bons
desempenhos nas avaliações nacionais. Os dados são da pesquisa Excelência com
Equidade – Os desafios dos anos finais do ensino fundamental.
O estudo mapeia elementos que são comum às escolas e que
podem ser replicados em larga escala para melhorar as etapas de ensino.
Primeiro, é preciso assegurar condições para que os alunos frequentem e não
abandonem a escola. Além disso, o tempo pedagógico é garantido, ou seja, o
tempo que o estudante está na escola é ocupado com aulas ou outras atividades
que vão ajudar no desenvolvimento. “Educação é um direito independente do
contexto social. Todo aluno tem que ter o direito ao aprendizado garantido”,
diz o coordenador da Fundação Lemann e coordenador geral da pesquisa, Ernesto
Faria.
Nessas escolas, o trabalho dos professores é pautado por
avaliações, feitas sistematicamente para medir o aprendizado e orientar as
aulas. Além disso, a Secretaria de Educação oferece suporte pedagógico e
estrutural e os gestores atuam para fortalecer o vínculo dos profissionais com
as escolas. Os professores também levam em conta o contexto de vida dos alunos
na prática educacional. Por fim, são feitas mudanças na prática em sala de
aula, para melhorar a aprendizagem dos alunos.
“É importante porque não é por um contexto mais vulnerável
que se pode perder o aluno. Não se pode cair na armadilha de olhar apenas para
o aluno mais engajado, todo aluno importa”, diz Faria. As escolas atendem
alunos de baixo nível socio economico, têm um alto percentual de alunos com
aprendizado adequado em português e matemática, mostraram evolução no
desempenho dos alunos na Prova Brasil, de 2009 a 2013, e pertencem a redes de
ensino que melhoraram como um todo nos últimos anos.
A pesquisa avalia escolas em diferentes contextos – urbanas
e rurais – inseridas em grandes capitais e em pequenos municípios, com muitos
ou poucos alunos. “O estudo desmonta
mitos relacionados à educação que são bastante difundidos. O primeiro, é que
escola pública é ruim. O segundo, é que criança pobre não aprende. O estudo
mostra que as escolas públicas conseguem fazer um trabalho de altíssimo nível”,
diz a consultora do Itaú BBA, Ana Inoue.
Excelência com equidade
A pesquisa, feita em parceria pela Fundação Lemann,
Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo e Itaú BBA, dá continuidade ao estudo
lançado no ano passado, referente aos anos iniciais do ensino fundamental,
período que vai do 1º ao 5º ano. Agora foi analisado o período escolar do 6º ao
9º ano do ensino fundamental. Se na primeira pesquisa foram encontradas 215
escolas públicas que garantiam educação de qualidade a estudantes de baixa
renda, esse número, usados os mesmos critérios, cairia para apenas três nos
anos finais do ensino fundamental.
O grupo decidiu então flexibilizar os critérios
considerando, entre outros, não apenas os resultados finais, mais o quanto
essas escolas evoluíram nos últimos anos, o que elevou o número de escolas a
35, com experiências que podem ser compartilhadas.
De acordo com a pesquisa, a baixa quantidade de escolas
evidencia os desafios específicos dos anos finais do ensino fundamental. Entre
eles, a heterogeneidade das turmas. A evasão escolar e as defasagens acumuladas
no percurso escolar têm mais impacto nos anos finais do ensino fundamental, do
que nos iniciais, quando os alunos são mais jovens e estão no início da vida
escolar.
O estudo, divulgado esta semana está disponível na internet.
Conheça as experiências de seis dessas escolas:
Escola Municipal Miguel Antonio de Lemos, Pedra Branca (CE)
A escola Miguel Antonio de Lemos fica na zona rural do
município de Pedra Branca, a cerca de 18 quilômetros (km) do centro da cidade.
A estrutura da escola é simples, falta, por exemplo, água encanada. No entanto,
é o único local da comunidade que congrega educação, esporte, arte e lazer,
assumindo a função de centro cultural e espaço de eventos familiares, como casamentos
e batizados, nos fins de semana. Essa proximidade com a vizinhança favorece a
atribuição de valor à escola.
“Vivemos em busca de sucesso e não em função dos problemas.
Eles existem em todas as instituições. Nossa comunidade concentra não
alfabetizados. A escola procura abraçar isso. Temos dois trabalhos: fazer com
que nossos alunos aprendam e fazer com que as famílias tenham consciência de
que os filhos precisam aprender”, diz o diretor da escola Pedra Branca, Amaral
Barbosa. Um terço da população de Pedra Branca com idade igual ou superior a 15
anos não sabe ler nem escrever.
Segundo Barbosa, o envolvimento da família é fundamental.
Para aqueles alunos cujos responsáveis não se comprometem com o acompanhamento,
a escola tem uma estratégia: o adote um aluno. “Os alunos com dificuldades e
ausência de família são distribuídos entre os fucionários e professores, que
assumem papel de pai. Acompanham, parabenizam e
buscam fazer com que essa ausência da família seja suprida por uma
pessoa da escola”, conta Barbosa.
Segundo dados da Prova Brasil, o percentual de estudantes do
9º ano com aprendizado adequado em matemática passou de 84% para 100%. Em
língua portuguesa, passou de 77% em 2011, para 83% em 2013. A escola manteve
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 6,2 nos dois
levantamentos. Ao todo, são 98 alunos no centro de ensino.
Escola Municipal Maria Leite de Araújo, Brejo Santo (CE)
A escola Maria Leite de Araújo fica a aproximadamente 25
quilômetros do centro do município Brejo Santo. A maior parte dos estudantes
usa o transporte escolar para frequentar as aulas. Alguns professores moram
próximo às famílias dos alunos e conhecem bem seu contexto de vida. Além disso,
o acesso das famílias à escola é informal e rotineiro. Muitas mães de estudantes
usam os serviços do posto de saúde vizinho à escola e aproveitam ocasiões de
consultas médicas para conversar com os professores e se inteirar sobre o
desenvolvimento e comportamento dos filhos.
“O que eu percebo que interfere no resultado dessas escolas
é a gestão. Se não tiver uma gestão fortalecida, corre o risco de não ter a
eficiência desejada. Tem o envolvimento de toda a equipe, professores, pais e o
entendimento dos alunos sobre a necessidade de fazer o melhor”, diz o
coordenador pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Brejo Santo,
Jucélio Santos. "Sabemos o nosso dever na escola e do que precisamos fazer
para melhorar. A vontade de fazer é o primeiro passo”, acrescenta.
Ele conta que antes de haver o esforço conjunto, cada
professor atuava na sala de aula da maneira que achava que era a melhor. “Agora
tem dado sucesso essa cultura do coletivo. Eu sozinho não posso me
responsabilizar por todo o trabalho”, diz. Segundo ele, a secretaria reúne-se
mensalmente com os diretores das escolas para discutir os trabalhos que estão
sendo realizados e compartilhar as experiências exitosas e também os erros,
para que não se repitam, entre todas as escolas. Bimestralmente, a reunião é feita
com os professores. Há também uma equipe de professores que atuam na formação
dos demais docentes e todo o processo é avaliado constantemente.
A escola tem o melhor Ideb entre as visitadas, 7,4. Em 2009,
apenas 8% dos alunos tinham aprendizado adequado no 9º ano em língua portuguesa
e em matemática. Em 2013, o cenário mudou: 100% tinham aprendizado adequado em
matemática e 70% em língua portuguesa. A escola tem 79 alunos do 6º ao 9º ano.
Escola Municipal Gerardo Rodrigues, Sobral (CE)
A escola Gerardo Rodrigues fica na periferia da cidade de
Sobral, em uma área sem muitas construções nem circulação de pessoas, onde é
comum a ocorrência de furtos. A direção escolar adota medidas para coibir
situações de conflito e criminalidade, o que faz dela um dos poucos pontos
seguros do bairro. A escola pertence à rede de ensino de Sobral, município com
uma trajetória de superação do fracasso escolar nos últimos 15 anos e que hoje
apresenta um dos melhores indicadores de qualidade da educação do país.
Em Sobral há um grande envolvimento pelo ensino que vai,
desde a Secretaria de Educação até os estudantes. Os professores recebem
formação mensal para atuar em sala de aula. “Para nós, enquanto professores,
esse apoio é extremamente importante”, diz a professora de português da escola,
Fernanda Lopes.
Ela diz ainda que o tempo pedagógico é aproveitado ao
máximo. “Trabalhamos com habilidades que podem ser desenvolvidas ao longo do
ano. Eu atendo pela manhã e outro professor atende no contraturno. As
dificuldades que eu percebi, eu repasso para ele”. A rede de ensino é
acompanhada por consultoria e passa por um diagnóstico frequente do desempenho.
“Sabemos qual aluno tem dificuldade e qual é a dificuldade”, explica.
Na escola, 80% dos alunos do 9º ano têm o aprendizado
adequado em língua portuguesa e 64%, em matemática, segundo os dados de 2013. A
escola não oferecia a série nos anos anteriores do levantamento, então não é
possível analisar a evolução da porcentagem. O Ideb registrado em 2013 foi 6,9.
A escola atende 1.191 alunos.
Escola Municipal Hebe de Almeida Leite Cardoso, Novo
Horizonte (SP)
A escola Hebe de Almeida Leite Cardoso atende aos bairros de
nível socioeconômico mais baixo do município de Novo Horizonte, em São Paulo. A
infraestrutura é destoante da realidade das demais escolas públicas: todas as
20 salas de aula são equipadas com ar-condicionado, há salas multimídia,
anfiteatro e jardim no pátio. O cenário atual da escola é bastante diferente do
que era visto até alguns anos atrás, quando professores e gestores tinham
resistência em trabalhar lá, pela fama de ser uma “escola difícil”. As
melhorias na estrutura física, junto a outros fatores, são apontadas como
importantes para a autoestima da comunidade escolar e foram lideradas pelo
educador Paulo Cesar Magri, secretário de Educação do município desde 2001.
Em todo o município, são feitos simulados semanais e
avaliações bimestrais. “Sexta-feira na primeira aula os alunos fazem a
avaliação e na segunda de manhã eu já tenho os resultados. Tenho uma média da
sala e do aluno e qual foi a questão que errou. Consigo saber se ele não
entendeu uma charge ou um gráfico. Tenho como medir como está sendo o
aprendizado”, diz o professor de história Ademir Almagro.
Para ele, o retorno imediato das avaliações, ao contrário de
exames nacionais que levam um ano para ter os resultados divulgados, ajuda no
aprendizado do aluno e faz com que dificuldades sejam identificadas
rapidamente. Os professores também se reunem semanalmente para trocar
experiências e fazer discussões em cada uma das áreas de atuação. Ademir
Almagro destaca ainda a participação das escolas na concepção da educação para
o município. “Geralmente as mundaças são feitas de cima para baixo. Dessa vez
não, é a primeira vez que eu falo”, diz.
Com 662 alunos, a escola registrou Ideb de 5,3 em 2011 e 6,3
em 2013. O percentual de alunos do 9º ano com aprendizado adequado em
matemática passou de 50% em 2011 para 52% em 2013. Em português, o percentual
passou de 44% na primeira avaliação para 58%, dois anos depois. A escola não
tem avaliações em 2009, porque ainda não oferecia essa etapa de ensino.
Escola Municipal Armando Ziller, Belo Horizonte (MG)
A escola fica na periferia de Belo Horizonte e é conhecida
na vizinhança por exigir o rígido cumprimento de horários e por não liberar os
alunos por falta de professores. A escola faz um acompanhamento também das
faltas dos estudantes e aciona os responsáveis daqueles que têm cinco faltas
consecutivas ou dez alternadas.
O maior desafio da escola, segundo a vice-diretora, Ivani de
Paula, é a localização. “A escola está em uma divisa, entre Belo Horizonte e
Ribeirão das Neves. Atendemos alunos de todo o entorno. Temos que lidar com a
violência, contê-la dentro e fora da escola”. Uma das estratégias para combater
a violência é envolver as famílias e a comunidade na formação dos estudantes. A
escola promove chá das mães, bingo dos pais, além de sessões de cinema para a
comunidade. “Quando consigo trazê-los em um momento de lazer para dentro da escola,
consigo também em um momento de dificuldade. Quando chamo só para apontar os
erros dos filhos, os pais não querem ir. Mas quando sentem que se tem parceria
nos momentos agradáveis, facilita”, diz.
Para combater a violência, a direção da escola está presente
na entrada e na saída dos alunos, na porta da escola. “Sabemos que ficam
pessoas da comunidade para passar drogas na porta das escolas, mas quando
sentem a presença da direção, ficam intimidadas”, diz Ivani, e acrescenta que a
escola conta também com a presença de guardas municipais.
Com 465 alunos, a escola obteve Ideb de 5,3 em 2013. O
índice apresentou evolução ante o índice de 3,8 registrado em 2009 e 4,7 em
2011. Na escola, o percentual de estudantes do 9º ano com aprendizado adequado
em língua portuguesa saltou de 27% em 2009, para 47%, em 2013. Em matemática,
esse percentual passou de 16% para 36%, no mesmo período.
Escola Municipal Rodrigues Alves, Rio de Janeiro (RJ)
A escola Rodrigues Alves fica na Barra da Tijuca, região
nobre da cidade do Rio de Janeiro, mas atende adolescentes que vivem em
comunidades pobres do entorno. A localização facilita a oferta de serviços e
infraestrutura e minimiza problemas como a violência. A escola pertence ao
programa Ginásio Experimental Carioca (GEC), ou apenas Ginásio Carioca,
iniciado pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2011, para atender alunos do 7º
ao 9º ano, em horário integral. A carga horária estendida, a dedicação
exclusiva dos professores e a
pequena quantidade de alunos contribuem para a qualidade do
ensino e tornam a escola disputada pelas famílias de baixo nível socioeconômico
da região.
Segundo a coordenadora pedagógica Maristela Motta, os alunos
se tornam parte importante do próprio processo de aprendizagem. “O aluno que
tinha dúvida se podia aprender, agora sabe que pode e o professor sabe que pode
incentivá-lo”, diz. Os alunos são avaliados e o retorno, de acordo com
Maristela, é imediato. “Recebemos os resultados das provas e imediatamente
sentamos e alinhamos ações. Se determinada turma não atingiu os resultados
desejados, buscamos saber o que aconteceu”. Os professores todos tem carga
horária de 40 horas e dedicação exclusiva à escola.
A escola também trabalha com um modelo de tutoria: o aluno
escolhe um funcionário que vai fazer o acompanhamento da vida escolar,
incentivando os estudos e parabenizando os bons resultados e investigando o que
aconteceu, se os resultados não forem bons.
Rodrigues Alves atende 227 alunos do 6º ao 9º ano. O Ideb
passou de 4,6 em 2009, para 6,7 em 2013. Em 2009 apenas 25% dos alunos do 9°
ano tinham aprendizado adequado em língua portuguesa e 7% em matemática. O
cenário mudou em 2013, quando o percentual, em língua portuguesa, passou para
64% e em matémática foi para 58%.
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