quinta-feira, 28 de abril de 2016

"Únicos derrotados são os que deixam de lutar", diz Mujica no Brasil

A blogueiros e mídia alternativa, o ex-presidente do Uruguai e senador José Pepe Mujica afirmou que a crise política "não é nenhuma catástrofe", que "é hora de lutar" e que a esquerda deve ter "humildade estratégica"


Por Patricia Faermann
O ex-presidente do Uruguai e senador José Pepe Mujica concedeu entrevista coletiva a blogueiros e mídias alternativas do Brasil na manhã desta quarta-feira (27), em São Paulo. Mujica falou sobre o cenário de crise política no Brasil e na América Latina. O ex-presidente permanece no país até o dia 29 de abril, em agenda com movimentos sociais e participação no Congresso da Confederação Sindical das Américas.

"Primeiro sou latinoamericano, depois uruguaio", disse Pepe Mujica, afirmando que tem "muitos defeitos", mas também "autoridade para dizer que me sinto um homem feliz e vou morrer feliz porque vivo o sonho que tenho e vivo para o que penso". Diante do cenário de crise política, sobretudo no Brasil, o ex-presidente uruguaio conclamou os movimentos de esquerda a não desistirem e não deixarem de lutar.

Apesar da avalanche da extrema direita que se vê atualmente na América Latina, Mujica acredita que o cenário é natural e que nem tudo está perdido. "As moedas têm duas caras, as duas caras pertencem a história do ser humano. O ser humano sempre teve uma cara conservadora, e outra solidária, humana. Jesus, Santo Agostinho, São Francisco... Não me alcançaria a manhã inteira para nomear os companheiros de esquerda da história humana", disse.

"Não sei o que passa com a história do Brasil agora, mas não vão perder tudo, não podem perder tudo, porque a próxima direita tem que negociar, tem que ceder. Essa é a história da humanidade. A direita descobriu uma magia. O que passava há dois anos que ganhamos eleições por todos os lados? Obra de uma conspiração? Ou foi uma maturidade da sociedade? Podemos comparar essa diversidade de hoje com a ditadura que vivemos? Acima da terra os únicos derrotados são os que deixam de lutar. A derrota é um serviço importante", afirmou. "Mas não estamos derrotados. E nunca triunfamos definitivamente, há que ter a humildade estratégica", completou o ex-presidente.

"A sociedade é uma bolha borburando de conflito", disse Mujica, na mesa de debate, ao explicar "a contradição egoísta do ser humano". "O homem é um bicho que não pode viver em solidão. Provavelmente a sociedade começou quando uma pessoa em apuro desesperadamente gritou: ajuda-me! Saiu do individuo para reclamar em sociedade. E andamos pela vida, nessa contradição", resumiu.

"Temos que lutar pela nossa vida, pela vida que queremos, mas como somos um animal sociável, que construímos civilização, a civilização é da solidariedade. A natureza nos presenteou uma coisa que se chama consciência, que permite cobrar do nosso egoísmo até certo ponto e fazer transcender por efeito da cultura e da civilização. Somos bons e maus, somos tudo, andamos com essa contradição", refletiu Mujica.

"Por isso existe a política. Se fossemos perfeitos, deuses, não precisaríamos da politica. Porque precisamos da sociedade para viver, mas somos conflitivos, temos distintas origens, visões, tradições, religiões, culturas, classes sociais...", completou.

Ao analisar o levante da direita na América Latina, Mujica voltou novamente a exemplos simples para concluir seu pensamento: "Se cada um de vocês analisarem suas vidas, provavelmente vão perceber que a decisão mais importante que já tomaram na vida nada tem a ver com interesse econômico, foram por outras coisas. É mais complexo", disse para completar que "a política é uma paixão". "Não quer dizer que não tem interesse, mas é outro tipo, interesse de carinho das pessoas, da sociabilidade, isso não se compra com dinheiro, não é interesse econômico", disse, expressando que a política é a expressão da maioria e, por isso, "há que viver como viveria a maioria, não a minoria, e é isso que nos apaixona na política".

Para ele, o conflito nesses interesses econômicos da política é que está "trazendo problemas em toda a América Latina". "É a mesma coisa que você ir ao supermercado e pedir: me dá 5 anos de vida a mais", explicou. "Nunca deveríamos deixar de esquecer disso para entender que nem tudo se compra com dinheiro neste mundo", completou.

"A crise política alcança a América Latina, mas não é nenhuma catástrofe. Há uma parte de uma crise que é utilizada pela direita e é obvio que cometemos erros, óbvio, não me ponho a ignorar os erros no meio da batalha", disse o ex-presidente, aconselhando: "A hora é de lutar".

Ao falar um pouco de si, lembrou: "na Universidade, em Moscou, quando muitos de vocês não haviam nem nascido, terminei não me filiando ao partido comunista, porque entrei em um hotel, que tinha um tapete que fazia cócegas, e perguntei: e isso? Por que isso na pátria do comunismo?", contou, resumindo depois: "Tenho uma somática posição filosófica da vida, onde prima a solidariedade sem o egoismo. Porque a sociedade necessita esses loucos sonhadores".

Para Mujica, a crise econômica no mundo todo mostrou a reação daqueles que "tem medo de cair". "Sempre na história humana a classe media tem medo de cair. O mundo funciona em ciclos e o Brasil está imerso no ciclo de queda", analisou. Ao ser questionado sobre o que faria se estivesse no lugar da presidente Dilma Rousseff, respondeu: "Eu não sei como se maneja um país com 20, 30, não sei quantos partidos. É um pais enorme, lindo, tem a fotossíntese tropical, mas tem um preço por isso", disse Pepe. Ao citar rapidamente os avanços históricos do país, afirmou que pelos pontos positivos "não se pode esperar reconhecimento, agradecimento, isso não existe". "Pobre Dilma, pobre Dilma. Não posso dizer a vocês o que eu faria, tenho medo de que não me entendam", concluiu.

"O verdadeiro triunfo é caminhar. Não há um premio ao final da vida, o prêmio é o caminho mesmo, a beleza da vida, de viver com causa, com sentimento, com compromisso, distinto do que está programado. No fundo não sabemos de onde viemos, e tampouco sabemos para onde vamos", disse o ex-presidente uruguaio.

Em crítica aos sistemas políticos do Brasil, Pepe Mujica citou as negociações com a oposição para a governabilidade. "A direita tem nos grandes meios de comunicação, os utiliza para criar uma subconsciência, dissimular os efeitos, dentro da sociedade brasileira. Faz muitos anos que o Brasil tem que fazer negócios com um governo local, tecer todo um sistema de aliança, para se ter maioria um governo. Que Cristo faz maioria? Maioria ideológica, isso não tem nada a ver. Um dia, suponho que o Brasil mudará isso, mudará esse contrato social [de governabilidade]", defendeu.

Sobre o golpe em curso no país, com a tentativa de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Pepe lembrou que "vários deles [parlamentares] tem acusações". "Fundamentação de terror, baixaram a categoria do Brasil na consciência do mundo. De tudo isso, há muitas lições para aprender", disse, citando que os partidos progressistas precisam ser ainda mais horizontais.

"A crise vai passar. Há que ter coragem de voltar a começar, sempre. Aprender com os erros e voltar a começar, tentar fazer o melhor, ter perserverança. Os únicos derrotados são os que desistem. Mas tem que ter humildade, em momento de triunfo, para que quando nos vamos dessa vida, que tenham outros, por isso o conceito de partido, algo coletivo, e que volte a ter humildade estratégica", finalizou Mujica: "A causa é preocupar-se um pouco pela sorte dos demais".

A entrevista coletiva foi transmitida ao vivo pela Fundação Perseu Abramo e pela Barão de Itararé. Também foram responsáveis pela organização do evento a Confederação Sindical das Américas e Central Única dos Trabalhadores - CUT.

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