A blogueiros e mídia alternativa, o ex-presidente do Uruguai
e senador José Pepe Mujica afirmou que a crise política "não é nenhuma
catástrofe", que "é hora de lutar" e que a esquerda deve ter
"humildade estratégica"
No Jornal GGN
O ex-presidente do Uruguai e senador José Pepe Mujica
concedeu entrevista coletiva a blogueiros e mídias alternativas do Brasil na
manhã desta quarta-feira (27), em São Paulo. Mujica falou sobre o cenário de
crise política no Brasil e na América Latina. O ex-presidente permanece no país
até o dia 29 de abril, em agenda com movimentos sociais e participação no
Congresso da Confederação Sindical das Américas.
"Primeiro sou latinoamericano, depois uruguaio", disse
Pepe Mujica, afirmando que tem "muitos defeitos", mas também
"autoridade para dizer que me sinto um homem feliz e vou morrer feliz
porque vivo o sonho que tenho e vivo para o que penso". Diante do cenário
de crise política, sobretudo no Brasil, o ex-presidente uruguaio conclamou os
movimentos de esquerda a não desistirem e não deixarem de lutar.
Apesar da avalanche da extrema direita que se vê atualmente
na América Latina, Mujica acredita que o cenário é natural e que nem tudo está
perdido. "As moedas têm duas caras, as duas caras pertencem a história do
ser humano. O ser humano sempre teve uma cara conservadora, e outra solidária,
humana. Jesus, Santo Agostinho, São Francisco... Não me alcançaria a manhã
inteira para nomear os companheiros de esquerda da história humana",
disse.
"Não sei o que passa com a história do Brasil agora,
mas não vão perder tudo, não podem perder tudo, porque a próxima direita tem
que negociar, tem que ceder. Essa é a história da humanidade. A direita
descobriu uma magia. O que passava há dois anos que ganhamos eleições por todos
os lados? Obra de uma conspiração? Ou foi uma maturidade da sociedade? Podemos
comparar essa diversidade de hoje com a ditadura que vivemos? Acima da terra os
únicos derrotados são os que deixam de lutar. A derrota é um serviço
importante", afirmou. "Mas não estamos derrotados. E nunca triunfamos
definitivamente, há que ter a humildade estratégica", completou o
ex-presidente.
"A sociedade é uma bolha borburando de conflito",
disse Mujica, na mesa de debate, ao explicar "a contradição egoísta do ser
humano". "O homem é um bicho que não pode viver em solidão.
Provavelmente a sociedade começou quando uma pessoa em apuro desesperadamente
gritou: ajuda-me! Saiu do individuo para reclamar em sociedade. E andamos pela
vida, nessa contradição", resumiu.
"Temos que lutar pela nossa vida, pela vida que
queremos, mas como somos um animal sociável, que construímos civilização, a
civilização é da solidariedade. A natureza nos presenteou uma coisa que se
chama consciência, que permite cobrar do nosso egoísmo até certo ponto e fazer
transcender por efeito da cultura e da civilização. Somos bons e maus, somos
tudo, andamos com essa contradição", refletiu Mujica.
"Por isso existe a política. Se fossemos perfeitos,
deuses, não precisaríamos da politica. Porque precisamos da sociedade para
viver, mas somos conflitivos, temos distintas origens, visões, tradições,
religiões, culturas, classes sociais...", completou.
Ao analisar o levante da direita na América Latina, Mujica
voltou novamente a exemplos simples para concluir seu pensamento: "Se cada
um de vocês analisarem suas vidas, provavelmente vão perceber que a decisão
mais importante que já tomaram na vida nada tem a ver com interesse econômico,
foram por outras coisas. É mais complexo", disse para completar que
"a política é uma paixão". "Não quer dizer que não tem
interesse, mas é outro tipo, interesse de carinho das pessoas, da
sociabilidade, isso não se compra com dinheiro, não é interesse
econômico", disse, expressando que a política é a expressão da maioria e,
por isso, "há que viver como viveria a maioria, não a minoria, e é isso
que nos apaixona na política".
Para ele, o conflito nesses interesses econômicos da
política é que está "trazendo problemas em toda a América Latina".
"É a mesma coisa que você ir ao supermercado e pedir: me dá 5 anos de vida
a mais", explicou. "Nunca deveríamos deixar de esquecer disso para
entender que nem tudo se compra com dinheiro neste mundo", completou.
"A crise política alcança a América Latina, mas não é
nenhuma catástrofe. Há uma parte de uma crise que é utilizada pela direita e é
obvio que cometemos erros, óbvio, não me ponho a ignorar os erros no meio da
batalha", disse o ex-presidente, aconselhando: "A hora é de
lutar".
Ao falar um pouco de si, lembrou: "na Universidade, em
Moscou, quando muitos de vocês não haviam nem nascido, terminei não me filiando
ao partido comunista, porque entrei em um hotel, que tinha um tapete que fazia
cócegas, e perguntei: e isso? Por que isso na pátria do comunismo?",
contou, resumindo depois: "Tenho uma somática posição filosófica da vida,
onde prima a solidariedade sem o egoismo. Porque a sociedade necessita esses
loucos sonhadores".
Para Mujica, a crise econômica no mundo todo mostrou a
reação daqueles que "tem medo de cair". "Sempre na história
humana a classe media tem medo de cair. O mundo funciona em ciclos e o Brasil
está imerso no ciclo de queda", analisou. Ao ser questionado sobre o que
faria se estivesse no lugar da presidente Dilma Rousseff, respondeu: "Eu
não sei como se maneja um país com 20, 30, não sei quantos partidos. É um pais
enorme, lindo, tem a fotossíntese tropical, mas tem um preço por isso",
disse Pepe. Ao citar rapidamente os avanços históricos do país, afirmou que
pelos pontos positivos "não se pode esperar reconhecimento, agradecimento,
isso não existe". "Pobre Dilma, pobre Dilma. Não posso dizer a vocês
o que eu faria, tenho medo de que não me entendam", concluiu.
"O verdadeiro triunfo é caminhar. Não há um premio ao
final da vida, o prêmio é o caminho mesmo, a beleza da vida, de viver com
causa, com sentimento, com compromisso, distinto do que está programado. No
fundo não sabemos de onde viemos, e tampouco sabemos para onde vamos",
disse o ex-presidente uruguaio.
Em crítica aos sistemas políticos do Brasil, Pepe Mujica
citou as negociações com a oposição para a governabilidade. "A direita tem
nos grandes meios de comunicação, os utiliza para criar uma subconsciência,
dissimular os efeitos, dentro da sociedade brasileira. Faz muitos anos que o
Brasil tem que fazer negócios com um governo local, tecer todo um sistema de
aliança, para se ter maioria um governo. Que Cristo faz maioria? Maioria
ideológica, isso não tem nada a ver. Um dia, suponho que o Brasil mudará isso,
mudará esse contrato social [de governabilidade]", defendeu.
Sobre o golpe em curso no país, com a tentativa de
impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Pepe lembrou que "vários
deles [parlamentares] tem acusações". "Fundamentação de terror,
baixaram a categoria do Brasil na consciência do mundo. De tudo isso, há muitas
lições para aprender", disse, citando que os partidos progressistas
precisam ser ainda mais horizontais.
"A crise vai passar. Há que ter coragem de voltar a
começar, sempre. Aprender com os erros e voltar a começar, tentar fazer o
melhor, ter perserverança. Os únicos derrotados são os que desistem. Mas tem
que ter humildade, em momento de triunfo, para que quando nos vamos dessa vida,
que tenham outros, por isso o conceito de partido, algo coletivo, e que volte a
ter humildade estratégica", finalizou Mujica: "A causa é preocupar-se
um pouco pela sorte dos demais".
A entrevista coletiva foi transmitida ao vivo pela Fundação
Perseu Abramo e pela Barão de Itararé. Também foram responsáveis pela
organização do evento a Confederação Sindical das Américas e Central Única dos
Trabalhadores - CUT.
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