Em paralelo, Câmara e Senado discutem medidas para sistema
de impostos; oposição e Anfip pedem mudanças estruturais.
Anunciada como prioridade do governo de Jair Bolsonaro (PSL)
neste segundo semestre na Câmara dos Deputados, a reforma tributária que
tramita na Casa, chamada de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019,
vem recebendo críticas de parlamentares do campo progressista.
De autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a medida
basicamente unifica cinco impostos federais, estaduais e municipais, que devem
ser convertidos no chamado “Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)”.
Para a criação do novo imposto, deixarão de existir a
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a
contribuição dos Programas de Integração Social (PIS).
A ideia é que o IBS seja de adoção nacional, estabelecendo
uma alíquota que soma os percentuais relativos a cada nível federativo, com
estados e municípios definindo suas próprias alíquotas em lei. A PEC prevê um
período de transição de dez anos, sem redução de carga tributária.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a
medida está em discussão em uma comissão especial. Caso receba aval do
colegiado, irá a plenário. Deputados de oposição se articulam atualmente para
sugerir alterações na proposta, que recebeu, até o momento, 114 emendas.
Para a deputada Fernanda Melchiona (RS), vice-líder da
bancada do Psol e integrante da comissão que avalia a PEC, a medida tem caráter
superficial porque não interfere na lógica regressiva de tributação, que impõe
altas taxas sobre o consumo e sobre as camadas mais baixas da população.
Tradicionalmente, essa é a crítica central que recai sobre o sistema tributário
brasileiro na voz de especialistas e segmentos populares.
Como contraponto, o Psol, por exemplo, propõe, entre outras
coisas, medidas que ampliam a arrecadação para os municípios a partir da
criação de uma Contribuição Social Extraordinária sobre o Lucro Líquido (CSLL)
dos bancos, redução da alíquota de impostos sobre bens e serviços e ainda
tributação sobre o patrimônio, como taxação de juros e dividendos, grandes
fortunas e impostos sobre heranças.
“A gente está há cinco anos nessa recessão e o que se vê é
que o topo no Brasil está ficando mais rico. Estudos mostram que os que estão
no topo da pirâmide [social] acumularam 3,3% a mais de capital e 10% da
população entraram na linha da pobreza. Não pode ser que esses casos não possam
ser sobretaxados pra gente poder investir em geração de emprego, renda, saúde, educação
e reverter essa pirâmide. O Brasil
precisa de uma revolução tributária, e o que está tramitando na comissão
especial é um remendo”, argumenta Melchiona.
Articuladores da oposição na Câmara dos Deputados preparam
atualmente uma emenda substitutiva global para ser apresentada como opção à PEC
45.
Senado
O tema também está em discussão no Senado, por meio da PEC
110/2019. A proposta tem amplo apoio na Casa, sendo assinada por 66 dos 81
parlamentares. A lista inclui membros de vários partidos, como DEM, PSDB, MDB,
PSD, PSL, Cidadania, Podemos, Republicanos, Rede, Pros, PSC, PDT, PSB e
PT.
A medida é encampada pelo presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), e copia uma proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly
(PSDB-PR), que foi aprovada numa comissão especial da Câmara dos Deputados no
final de 2018. Nos bastidores do Poder Legislativo, Acolumbre disputa com o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a liderança em torno da pauta da
reforma tributária.
De caráter semelhante ao texto que tramita na Câmara, a PEC
110 extingue nove tributos (ISS, ICMS, IPI, IOF, Cofins, PIS/Pasep,
salário-educação, Cide-combustíveis, CSLL), sendo o primeiro municipal, o
segundo estadual e os demais federais. A
ideia é criar, em compensação, um IBS para tributar os valores agregados sobre
bens e serviços na esfera estadual e o chamado “imposto seletivo” para bens e
serviços específicos no âmbito federal.
Em fase de avaliação na CCJ, a medida deverá receber o
parecer do relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), na próxima quarta-feira
(18). Alguns parlamentares da Casa entoam críticas à medida, como é o caso do
senador Jean Paul Prates (PT-RN), vice-líder da minoria no Congresso
Nacional.
“Na verdade, é uma não reforma. Essas duas reformas são
meramente burocráticas, pra diminuir a quantidade de impostos, facilitar o
pagamento e a fiscalização, etc. Ok, aplausos, mas isso é totalmente
insuficiente”, afirma, acrescentando que parlamentares da minoria deverão
apresentar em breve uma proposta paralela.
Assim como deputados de oposição na Câmara, Prates e outros
senadores pedem alterações mais profundas no sistema de impostos do país, com a
implantação de um modelo de tributação progressiva por meio da imposição de
alíquotas maiores para as classes mais altas e taxas mais módicas para a
população de baixa renda.
Em conversa com o Brasil de Fato, ele afirmou que a minoria
pretende apresentar o que chama de “uma proposta tecnicamente mais abalizada”.
O objetivo é tratar de pontos como tributos sobre fortunas, lucros e dividendos
e sobre acionistas que agem no exterior.
“Não queremos uma reforma que trate só do ato de pagar
impostos, e sim uma que aproxime a nossa tributação daquela dos países da OCDE
[Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Queremos uma que
garanta que o Estado tenha, de fato, as condições de um Estado de bem-estar
social, ou seja, países que promovem saúde, educação, segurança gratuitas e de
qualidade para todos os cidadãos. Pra isso, você precisa tirar o foco do imposto
sobre consumo e sobre a atividade econômica e tributar a renda”, defende.
Anfip
A defesa do senador se assemelha ao que tem sido proposto
pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), para
a qual as PECs 45 e 110 trazem como vantagem a simplificação do sistema de
impostos, mas sem promover uma intervenção estruturante no modelo vigente.
Em relatório produzido pelo Banco Mundial, o Brasil foi
apontado como o país onde as empresas mais gastam tempo com a burocracia do
sistema tributário, investindo mais de 1.958 horas por ano no pagamento de
impostos. Na Bolívia, que figura em segundo lugar no ranking, a marca é de
1.025 horas, enquanto a média dos 190 países pesquisados pela instituição é de
206 horas.
“Tudo isso é muito
complicado pras empresas. Então, de fato, quando se junta tudo num único
tributo e faz uma única legislação, isso é muito bom, é excelente, mas isso
está longe de ser o grande problema do nosso sistema tributário”, pontua o
vice-presidente da Anfip, César Roxo Machado, acrescentando que a disfunção do
sistema atual reside na alta tributação sobre o consumo e que uma mudança nessa
lógica traria ganhos multilaterais, impactando de forma positiva na economia
nacional.
“O problema é que a tributação sobre consumo acaba
penalizando quem ganha menos e retira da população o poder de compra. No
momento em que se reduz isso, as pessoas passam a ter mais poder aquisitivo.
Isso aquece a economia porque as pessoas vão consumir mais, o que aumenta a
demanda de produção e faz as empresas produzirem mais, contratarem mais
trabalhadores e ainda competirem melhor com o produto que vem de fora do país.
O produto nacional passa a ter vantagem, diferentemente do que ocorre hoje”,
argumenta.
Atualmente, 50% da carga tributária no Brasil incidem sobre
o consumo, 18% sobre a renda e apenas 4% sobre o patrimônio.
Outras
Apesar de estar no foco da agenda econômica neste semestre,
o debate sobre a reforma tributária tem se dado de forma pulverizada e ainda
sem muita popularização. Além das PECs que tramitam na Câmara e no Senado,
outras medidas orbitam no entorno. Entre elas, está a que vem sendo formulada
pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Apesar de ainda não ter sido oficialmente apresentada, as
articulações caminham para uma proposta de unificação entre PIS e Cofins, além
da alteração da tabela do Imposto de Renda (IR) e outros pontos. O ministro da
Economia, Paulo Guedes, também flerta com a volta da CPMF, imposto aplicado na
esfera federal sobre movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas.
Polêmica, a medida foi adotada pelo Brasil entre os anos de 1997 e 2007 para
cobrir despesas da União na área de saúde.
Também estão no cenário outras ideias de reforma, como é o
caso de uma projeto protocolado na semana passada no Senado pelo Comitê de
Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). De modo
geral, o texto propõe a unificação dos tributos, mas traz ainda outros pontos,
como a criação de um fundo de desenvolvimento regional para ajudar estados com
menor índice de desenvolvimento na área industrial. A medida ainda não foi
oficialmente debatida na Casa.
Edição: Rodrigo Chagas