No célebre conto O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS, o escritor Lima
Barreto narra a trajetória de um homem que fez sua vida no Rio de Janeiro do
começo do século passado, usando como gancho na sua escalada um pretenso
conhecimento do idioma de Java.
Como ninguém no Brasil daquela época tivesse conhecimento da
língua de Java, ninguém podia conferir o conhecimento do personagem do conto.
Lima Barreto quis demonstrar como existem pessoas que se apresentam ao mundo
como sábios que não são mas como ninguém se dá ao trabalho de conferir passam
toda uma vida ostentando uma ficção de conhecimento.
A grande habilidade ou esperteza é não se deixar pegar em
falso, mantendo sempre a aparência de sábio daquilo que não sabe, caso do
personagem do conto.
O HOMEM QUE SABIA ECONOMÊS - Na República dos Coqueiros
surgiu um Ministro que se promoveu por todo lado como grande conhecedor de
economia e enorme relacionamento no alto mundo financeiro internacional. O
porte pomposo, a voz empostada, o discurso solene, transmitem laivos de
sabedoria, experiência, seriedade. O papel lhe cai bem.
Ninguém verdadeiramente avaliou seus conhecimentos da
ciência econômica como formulação de opções a partir de um amplo contexto
social e político. Ninguém, por sua vez, sabe de sua visão de Estado nacional,
do papel da República no mundo, da estratégia para que a República garanta sua
posição no contexto geopolítico mundial.
Ninguém conhece porque nunca escreveu um livro expondo em
linguagem de estilo sua visão de História, de economia, de política. Nada se
sabe, mas consta que ele sabe muito.
Como nunca ninguém conferiu, nem aqui e nem nas rodas mais
altas do poder financeiro mundial, se ele é o que parece fica valendo o que
parece que é.
Grandes comandantes de economia de um País com as dimensões
do Brasil, o Embaixador Roberto Campos, participante da Conferência de Bretton
Woods, onde foi arquitetado o mundo econômico pós Segunda Guerra, legou enorme
obra memorialística, seu LANTERNA NA POPA tem 1.450 páginas. Além dessa, mais
oito livros. O Ministro Delfim Neto, professor catedrático de economia da USP,
que tem a maior biblioteca particular do Brasil sobre economia, tem muitos
livros publicados, o primeiro sobre café, uma de suas muitas especialidades.
O Professor Mário Henrique Simonsen, fundador da Escola de
Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas era também autor de boas
obras. Uma é primorosa, a monografia sobre Oswaldo Aranha como Ministro da
Fazenda nas suas duas fases, a de 1930 e a de 1950, onde Simonsen se aprofunda
nas duas históricas gestões quando Aranha fez milagres com a dívida externa
brasileira. Sua cultura não se restringia à economia, Simonsen era profundo
conhecedor de ópera e barítono nas horas vagas.
Outro Ministro, da escola mais ortodoxa possível, fundador
dos cursos de economia no País, Gudin tem sua obra clássica, PRINCÍPIOS DE
ECONOMIA MONETÁRIA, verdadeiro manual que guiou os primeiros estudantes de
economia do Pais.
Ministro da Fazenda precisa ter estofo intelectual, cultura
de História, de História da Economia, de História do Pensamento Econômico, precisa
ter intimidade com todos os grandes mestres do passado, de List a Pareto, de
Leontiev a Kaldor, refletir e elaborar sobre esses filósofos da economia porque
eles nos dão as luzes da ciência no tempo histórico.
Fico pasmo com o pouco debate sobre a PEC de teto de gastos,
má ciência e má política. Não há paralelo histórico, taxa de inflação não é um
referencial fundamental para balizar como leme o orçamento. Quem dá tanta
importância à taxa de inflação já está revelando sua linha de política
econômica, que é a preferência da estabilidade sobre a prosperidade, uma visão
anti-keynesiana, retrógrada e contra a tendência geral pós-Trump, onde a
inflação se torna menos importante que o emprego. Trump já indica que não curte
limite de gastos, muito pelo contrário, vem aí inflação em dólar, expansão
monetária, tudo na contramão da PEC 55. O Brasil é o único País que está
valorizando sua moeda contra o dólar, na contramão do mundo, vamos ser o novo
Portugal de Salazar, moeda forte e povo faminto.
Na lógica, um limite de gastos no orçamento deveria ter como
teto a arrecadação. É esse o parâmetro universal para controle da despesa nos
orçamentos, não se pode gastar mais do que se arrecada, a receita fiscal deve
ser o limite e nunca a inflação, pois poderemos chegar ao absurdo da receita
subir 20%, a taxa de inflação ser 3% e a despesa estaria congelada em 3% mesmo
com forte subida da receita. Está claríssimo que o objetivo da PEC não é
administrar racionalmente o Orçamento Federal, é garantir sobra para os juros da
dívida publica. Quem inventou essa PEC está pensando nos rentistas e não na
população em geral.
Como em nenhum outro ciclo da História, o Brasil está
entregando seu futuro econômico a um plano do fim do mundo, apocalíptico e sem
projeto de execução, uma simples ideia de limite de orçamento como se isso
fosse o total da economia e definidor das demais variáveis.
A função do Ministro da Fazenda no histórico dos 87
Ministros da Fazenda da República é cuidar da economia na sua totalidade e não
só do orçamento. A economia no seu conjunto é muito maior do que o Orçamento
Federal, cuidar da economia é ter clara visão dos problemas de conjuntura e da
organização dos fatores para o médio prazo e para os alvos finais.
A maior distorção do Orçamento é a conta de juros, agora
somada a outra conta da mesma origem, o custo dos seguros cambiais que o BC usa
sem nenhuma preocupação com o que isso significa para as finanças públicas,
custo esse que mantida a conta do primeiro semestre pode chegar a R$ 400
bilhões, somados aos juros da dívida de R$ 600 bilhões, chegaremos a R$ 1
trilhão em 2016, número jogado atrás do pano para se expor exclusivamente os
gastos das despesas correntes. Estas necessitam de muitas correções sobre
desperdícios evidentes mas não são elas a causa da recessão. O Brasil teve nos
últimos 60 anos seguidos de déficits no orçamento federal mantendo ao mesmo
tempo pujante crescimento econômico.
Os custos do seguro cambial oferecido pelo BC ao mercado
financeiro impactam diretamente no gasto do Governo porque o BC manda essa
conta para o Tesouro, se assim é porque o Congresso não estipula um LIMITE ao
BC para gastar com seguro cambial?
Como está hoje o BC tem um limite em branco, pode gastar
quanto quiser com essa mega despesa, SEM TETO, pode quebrar o Tesouro para
segurar o câmbio, o BC faz aquilo que se quer impedir que o Governo faça,
gastar sem limite e sem controle.
A recessão tem múltiplas causas, variáveis não virtuosas que
levam a um "clima" de desconfiança da gestão econômica do País mas,
especialmente, da política monetária, de crédito e cambial, todas a cargo do
Banco Central. BC que se faz passar por inocente passivo em relação ao Tesouro
mas que é, na realidade, o grande maestro da política econômica e principal
causa da recessão no País ao patrocinar uma política com dois efeitos
perversos, juros muito acima do padrão internacional e conseqüente valorização
do real, o que torna o País caro e em desalinho com os preços internacionais,
algo que os brasileiros verificam quando viajam ao exterior. O viés monetarista
do BC só se agravou com a nomeação de um ultra ortodoxo para sua Presidência,
alguém que cultua um fetiche da moeda como fim último e não como instrumento
para a prosperidade e bem estar da população.
A política econômica de um governo, certa ou errada, tem que
ter amplitude, medidas de curto, médio e visão de longo prazo, precisa dar
vislumbre de objetivos, não só de meios. O orçamento federal é apenas uma parte
de um plano de política econômica, não é a totalidade dessa política. A atual
equipe só tem um tema, que é o orçamento, onde estão os demais?
Política cambial, qual é? Política de crédito, qual é?
Política de comércio exterior, qual é?
Qual é a política para sair da recessão e voltar a crescer?
Qualquer política econômica digna desse nome tem que ter uma meta virtuosa, de
criar prosperidade. Até o Plano Erhard, da Alemanha destruída pela Segunda
Guerra, tinha uma meta de crescimento da economia. Um plano também é um
portador de esperança sem a qual ninguém vive.
Política econômica é a OPERAÇÃO no dia a dia, no varejo e no
atacado, dos instrumentos de manejo da economia. Reformas, no sentido de
grandes rearranjos de regras e normas, são outra coisa. O Brasil precisa de
muitas reformas, como a da previdência, mas essa plataforma não se confunde com
política econômica. Esta se refere ao AQUI E AGORA, ao dia a dia. Essa
separação ficou muito clara no Governo Castello Branco, quando o dia a dia
ficou com o Ministro da fazenda Octavio Gouveia de Bulhões e as reformas com o
Ministro do Planejamento Roberto Campos, separação perfeita, um cuida do dia a
dia, do curto prazo e outro cuida do futuro.
Usar a desculpa das reformas para não fazer nada no AGORA é
o que hoje se apresenta.
Tudo depende da PEC do teto dos gastos, tudo depende da
reforma da previdência, então devemos esperar a PEC dos gastos ser aprovada,
algo cujo efeito só se daria daqui a dois anos e depois a Reforma da
Previdência, que só terá efeito real daqui a uma década, para então consertar a
economia de hoje. Isso é PREGUIÇA de agir hoje para tirar o País da recessão,
jogar algo aleatório no futuro para não fazer nada agora.
Mas a atual equipe econômica não tem objetivos, se tem não
comunicou à população.
Teto de gastos é um MEIO, não é um objetivo. Qual são os
demais instrumentos para a economia crescer? Vai crescer pelas exportações?
Delfim com sua engenhosidade criou o BEFIEX, plano que produziu notável
crescimento das exportações de manufaturados.
Esta equipe tem uma ideia sobre exportação? Nenhuma.
Pela primeira vez, desde a fundação da República em 1889, o
Brasil tem um governo que não tem um projeto econômico. Até o instável Governo
João Goulart tinha seu plano econômico, o Plano Trienal de Celso Furtado. JK
tinha seu Plano de Metas, 30 metas e Brasília. Os Governos militares tiveram os
seus Planos Nacionais de Desenvolvimento a cada governo.
Reformas são projetos institucionais, não são planos
econômicos.
A explicação pela ausência é simples, nenhum dos dois
comandantes da política econômica, e são só dois porque o Ministro do
Planejamento, que deveria ser parte integral de uma política econômica
evidentemente não participa da torre de comando, a explicação vem da completa
incapacidade dos dois comandantes de formular qualquer política econômica, seu
único objetivo é reduzir os gastos de custeio para garantir o pagamento da
dívida publica.
Só isso. Esse é o plano econômico do governo, não tem mais
nada. A isso a que se resume a política econômica da dupla tanto porque essa é
sua função no governo e mesmo que quisessem não tem nenhum apetite para vôos
mais altos, a noção de Brasil dos dois termina na sala de reuniões de um banco.
Mas mesmo que a política econômica ultra monetarista tivesse
maior consistência, além de um corte de gastos, há a questão do tempo social e
do tempo político para a execução desse roteiro ultra ortodoxo à la grega, que
implica em aprofundamento da miséria.
Esse tempo não existe. Uma política econômica desse viés
exige um período de governo mais longo e um imenso capital político, além de
pleno apoio popular, fatores complicados em uma crise de sobrevivência de
milhões de famílias.
Melhor seria para um governo de transição políticas de
estímulo à produção e ao emprego.
A ciência econômica foi inventada para diminuir os custos e
os sacrifícios que a natureza da economia exige. Através da ciência se pretende
harmonizar melhor os fatores de produção para administrar a escassez da forma
menos onerosa possível à população.
Se é para arrancar dentes a martelo e sem anestesia não é
preciso existir dentistas.
Porque então um governo, cuja lógica universal é se manter
no poder, opta pelo caminho mais pedregoso e fazendo a população sofrer
colocando em risco sua capacidade de governar?
A explicação me parece ser óbvia: um gigantesco erro de
diagnóstico vendido como verdade.
O erro vem do grupo de economistas ligados ao PSDB, que
aparentemente tem carta patente de sabedoria econômica desde o Plano Real e que
aparenta ter ascendência sobre o comando político do PMDB. A receita do corte
de gastos tem o cheiro inconfundível desse grupo, uma visão exclusivamente
monetarista "demodée" até na Universidade de Chicago, onde nasceu a
Segunda Escola monetarista, a de Milton Friedman, hoje impopular na sua própria
alma mater. O legado de Friedman passou para a Carnegie Mellon University de
Pittsburgh, onde leciona seu herdeiro intelectual Alan Meltzler.
Após a crise de 2008, cujas causas vem desse monetarismo a
outrance de Friedman, ocorreu uma grande revisão do monetarismo cru e das
premissas do neoliberalismo doutrinário de Hayek, Reagan e Thatcher, porque só
se resolveu essa crise com fortíssima intervenção do Estado, através do
programa TARP onde a salvação da economia americana veio do Tesouro e não do
mercado. Políticas monetaristas e neoliberais puras já não são mais digeridas
cruas. Aqui, como em tudo, as ondas revisionistas de qualquer coisa chegam
muito atrasadas e os economistas de mercado continuam dando entrevistas
pregando velhas receitas dos anos 80 e 90, quando o mundo a la Brexit e Trump
indicam muito maior protecionismo e intervencionismo porque se viu que o
mercado sem controle agrava problemas econômicos.
O desperdício e o aumento de gastos do Orçamento Federal é
uma realidade sobre a qual aqui já escrevi incontáveis blogs. O Governo tem
poder imediato sem PEC para intervir em grandes núcleos de gastos elevados como
alugueis de prédios para órgãos públicos, contratos de terceirização de mão de
obra e veículos, compra de tecnologia de informação, consultorias de todos os
tipos, cursos de treinamento, equipamentos para hospitais, nada disso necessita
PEC, basta agir. Tudo isso é necessário mas não é daí que vem a recessão. E
consertando essas ilhas de desperdício não será porisso que o País volta a
crescer.
E é chocante achar que a economia total de um País tem como
único eixo o orçamento federal e nada tem a ver com políticas como a monetária,
a de crédito, a cambial, a de comércio exterior. Então o diagnóstico desse
grupo de economistas é limitado, viram um furúnculo mas existem muito mais a
extirpar e pior que tudo, não conseguem enxergar que a política econômica pode,
ao mesmo tempo em que pratica a austeridade, agir para estimular a economia
produtiva e esta pelo aumento da arrecadação irá auxiliar o ajuste fiscal.
O diagnóstico desse grupo diz que a recessão brasileira é
causada pelo excesso de gastos do orçamento federal. O excesso de gastos é
real, mas ele não é a causa primeira da recessão. Esta vem de outros fatores, especialmente
da péssima política monetária e cambial do BC, ao manter juros absurdamente
altos e com isso valorizar o Real para conter a inflação a um custo
incrivelmente alto para o conjunto da economia. Com o dólar a R$ 5 e juros 3%
acima da inflação, a economia teria oxigênio para crescer ou, pelo menos,
estabilizar.
Com o erro de diagnóstico vem o erro de solução. Pretende-se
interferir exclusivamente no orçamento sem tocar nas políticas erradas do BC. O
paciente tem câncer e resfriado e o médico está tratando só do resfriado, não
lhe interessa o câncer. O paciente vai ficar bom do resfriado e morrer de
câncer. É isso que faz o BC ao se concentrar exclusivamente na meta de inflação
abandonando qualquer outro objetivo.
Sinal inequívoco nessa direção é o fechamento de quase 700
agencias do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e a devolução de R$
100 bilhões do BNDES para o Tesouro, que serão inteiramente direcionados para a
dívida publica.
Essas duas medidas significam REDUZIR o papel dos bancos
públicos em um momento em que eles são mais essenciais para sair da recessão.
Tirar recursos do BNDES significa menos investimentos na economia. Fechar
agências do Banco do Brasil em locais valiosos como em Fóruns (15 agencias)
significa reduzir sua base de captação de depósitos e portanto sua capacidade
de emprestar, tudo favorecendo o sistema privado, que vai obviamente suprir os
Fóruns e Tribunais com suas agências e em detrimento do sistema público de
crédito.
Todas as essas providências não são uma política, mas são um
roteiro para diminuir o papel essencial do Estado no crescimento, que na
História do Brasil sempre foi o maior agente de desenvolvimento e isso não
mudará porque é parte da formação do País. Ao reduzir o papel do Estado está se
condenando o Brasil a não crescer, ao contrário, a regredir a condições
inferiores de economia primitiva sem fontes de sobrevivência para dezenas de
milhões de família, é o que os números mês a mês estão demonstrando. A cada
período cai o emprego e fecham empresas em um círculo vicioso onde o desemprego
e a falência de hoje são o motor de mais desempregos e mais falências no ano
próximo. Não há NENHUM fator nesse roteiro que indique algum indutor de
crescimento na economia.
Poucas vezes na História Econômica do Brasil se viu tal erro
de diagnóstico e consequente erro de tratamento na economia do País. Períodos
sim ocorreram de males difíceis como as altas inflações de certos períodos, mas
os que cuidavam da economia tinham pleno domínio dos fatores e operavam dentro
das possibilidades do terreno, não praticavam políticas econômicas de engano e
desfoque como hoje, verdadeiros roteiros para o desastre.