A presença da Fiesp na linha de frente da coalizão que
defende o impeachment da presidenta Dilma Rousseff reflete o caráter de parte
dos empresários brasileiros, que também apoiou o golpe de 1964. A avaliação é
do doutor em Ciências Sociais e professor da PUC-MG, Robson Sávio Reis Souza.
Segundo ele, o empresariado nacional sempre foi “subserviente do capitalismo
global” e avesso a “reformas estruturais que pudessem mexer em seus privilégios”.
Por Joana Rozowykwiat
Em entrevista ao Vermelho, ele avalia que o processo de
impeachment é, na verdade, um “golpe”, no qual “um bando de ladrão está
julgando uma inocente”. E, por trás do apoio dos empresários a essa investida,
estaria o seu caráter antinacional e o medo de medidas mais à esquerda.
“Eu sempre brinco que esse empresariado tem a fábrica aqui e
a casa de praia em Miami. Sempre foi serviçal de um modelo de capitalismo
colonial, predatório, que vê o Brasil como uma espécie de colônia a ser
explorada e quer sugar o máximo possível dos trabalhadores, enquanto um grupo
cada vez menor enriquece”, diz o professor.
De acordo com ele, se o governo optasse por dar uma guinada
mais progressista – como esperava-se após a reeleição de Dilma –, algumas
pautas claramente desagradariam esses empresários que agora se aliam à
oposição. Um exemplo, seria uma reforma que atacasse a injustiça fiscal que
impera por estas bandas.
“Uma reforma fundamental e estruturante que a sociedade
precisa é a tributária. Isso significa começar a trabalhar uma perspectiva de
tributar mais a renda. Hoje temos a tributação centrada no consumo e,
proporcionalmente, os pobres e trabalhadores então pagam muito mais. Para se
ter uma ideia, quem tem helicóptero, barco e avião não paga imposto. E quem tem
um Fusca de 1964, paga. Então há o medo de que o governo radicalize à esquerda
e mexa em privilégios do empresariado nacional”, analisa.
Segundo o professor, os empresários brasileiros possuem
privilégios que os colocam “à margem do capitalismo moderno”, à medida que não
estão comprometidos com o desenvolvimento do país, que retornaria em benefícios
para as próprias indústrias.
Para ele, contudo, há ainda um outro aspecto no que tange
aos empresários do país. “Sempre foram subservientes ao capitalismo
internacional. O empresariado nacional não criou nenhuma indústria sólida
nesses 500 anos. Todos os empresários de quaisquer nações capitalistas, estão
focados em criar uma indústria nacional forte, para promover e proteger os
interesses nacionais, melhorar a qualidade de vida e ajuda a distribuição de
renda que é boa para eles mesmos. Aqui, o empresariado nunca trabalhou nessa
perspectiva”, critica.
A premissa de que um governo à esquerda deve ter um perfil
mais nacionalista e atuar prioritariamente em defesa da classe trabalhadora,
então, incomodaria a esse setor. “E o empresariado puxado pela Fiesp sempre foi
esse setor mais conservador, menos voltado para uma indústria nacional, mais
resistente à ideia de uma indústria que gera renda, riqueza nacional para ser
dividida, e sempre foi muito subserviente aos interesses do capital
internacional. Mas é um setor poderosíssimo, porque tem o dinheiro”, constata.
De acordo com o sociólogo, este setor sempre se constituiu
como um grupo com muita força política, “que criou toda uma legislação
protecionista” e o medo, agora, é que “essa colossal legislação que é protetora
das grandes fortunas possa ser questionada e mudada”, afirma, lembrando que o
Brasil é hoje um dos países em que mais se sonega imposto.
E se a relação entre os patinhos de borracha que cobram
redução de tributos para os mais ricos e a adesão da Fiesp ao impeachment da
presidenta Dilma Rousseff ainda não estava clara, agora ficou. Nesta terça, a
entidade pagou anúncio de 14 páginas nos principais jornais do país para pedir
a saída da presidenta e defender menos impostos, em uma campanha que passa a
falsa ideia de que a reforma tributária que defendem beneficiaria a maioria da
população.
“O Brasil é um dos países com maior sonegação de imposto. A
Oxfam fez um estudo dizendo que a sonegação chega quase a 500 bilhões por ano.
Obviamente eles [os empresários] não querem mexer nessa caixa preta. Querem
manter seu modelo de empreendimento voltado para uma indústria altamente
extrativista, antinacional e que não gera riqueza para seu próprio povo, mas
apenas para os seus poucos feitores, muitas vezes conectados ao capitalismo
internacional”, condena. E completa: “Não é à toa que se fala tanto no Brasil
em impostômetro e nunca se fala no sonegômetro, que é muito maior, diga-se de
passagem”.
Agenda dos golpistas viola direitos
A agenda que a oposição formulou para o dia seguinte ao
golpe também expõe a razão de parte do empresariado brasileiro estar aderindo
ao impeachment. Para Souza, a plataforma que o PMDB de Michel Temer e Eduardo
Cunha pretende implementar em parceria com o PSDB, caso consiga derrubar a
presidenta constitucionalmente eleita, é um “estupro aos direitos dos
trabalhadores”.
Para o sociólogo, a “coalizão de direita” que tenta o golpe
inclui, além do empresariado, a “velha mídia, tendo à frente as Organizações
Globo”; grupos de classe média “que lutam por privilégios e não por direitos”;
políticos envolvidos em corrupção; e uma certa “casta jurídica, que não
trabalha na perspectiva do Estado Democrático”.
De acordo com o professor, tal grupo se articulou em torno
de um denominador comum: a derrubada da presidenta constitucionalmente eleita e
a tentativa de expurgar o PT do cenário político. De acordo com ele, trata-se
de uma coalizão “antinacional, contra o patrimônio público” que investe agora
em uma “sanha golpista”. Por trás dessa empreitada, estaria a tentativa de
reimplantar no país uma agenda neoliberal, sintetizada no documento Ponte para
o Futuro, do PMDB.
“Esse projeto do PMDB é um verdadeiro estupro aos direitos
trabalhistas e está calçado por outros pequenos projetos do José Serra e do
PSDB, que querem privatizar o que ainda há de participação do Estado na
Petrobras. O que se pode esperar [com essa plataforma] é o recrudescimento da legislação
neoliberal e a perda de direitos trabalhistas, como nunca antes visto”,
critica.
Segundo ele, desde os governos de Getúlio Vargas, a direita
tenta retirar direitos dos trabalhadores, até agora “não foi potente o
suficiente para mexer na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”, mas, agora,
acha que terá sua chance. O professor aponta que uma divisão entre as forças de
esquerda e dentro do próprio sindicalismo – cuja ala “pelega é encabeçada pelo
deputado Paulinho da Força”- tem ajudado a fortalecer esse grupo disposto a
“violentar” as conquistas dos trabalhadores.
Souza destaca ainda que os autores do documento Ponte para o
Futuro, que agora patrocinam o impeachment de Dilma, “posam de salvadores”, mas
estão envolvidos em casos de corrupção. “Vale lembrar que na sua delação,
Delcídio do Amaral deixou claro que a briga entre Dilma e Michel Temer começou
porque ele queria nomear um bando de larápios na Petrobras e ela não aceitou.
Então é muito importante dizer que grande parte da corrupção incrustrada na
Petrobras vem de cargos comissionados ligados ao PMDB”, diz.
De acordo com ele, é preciso esclarecer que o pedido de
impeachment nada tem a ver com a Operação Lava Jato ou com qualquer denúncia de
corrupção. “É preciso fazer essa diferenciação. E deixar claro que os que hoje
se apresentam como salvadores da pátria estão todos atolados em denúncias,
enquanto que contra Dilma não há nenhuma denúncia. É um bando de ladrão
julgando uma inocente”, encerra.