quarta-feira, 1 de junho de 2016

Cordéis Atemporais: O Cavalo que Defecava Dinheiro

Desenho do mestre Jô Oliveira. Livro digital publicado pela editora O Fiel Carteiro.


O cavalo que defecava dinheiro, uma das obras-primas do Rei do Cordel, Leandro Gomes de Barros, é uma história que costura diferentes motivos de contos de esperteza.  As disputas entre o camponês rico e o camponês pobre (ATU 1535)[1] é a base de muitos contos populares e de versões literárias que bebem na tradição oral, como a conhecida história Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, dos Contos de Andersen. O tema da superação das provas impostas ao herói pelo seu oponente rico (que pode ser um rei ou um fazendeiro) e o da trapaça final, com o herói afirmando retornar do fundo do mar com muitas riquezas, está no conto de Hans Christian Andersen citado acima. No Brasil são abundantes as versões em que Pedro Malasartes e Camões (personagem de muitos contos de astúcia) figuram como heróis vingadores.

O motivo do animal (uma cabra) que defeca dinheiro está na versão russa recolhida por Aleksandr Afanas’ev, O bobo da corte, bem como o do instrumento que ressuscita (um chicote). No conto O abade Scarpacífico, das Piacevoli notti, do escritor renascentista italiano Gianfrancesco Straparola, o esperto protagonista se serve de uma gaita-de-foles para ludibriar os seus perversos compadres. Ambos os motivos, a partir do cordel de Leandro, lido pelo dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, foram aproveitados na peça cômica Auto da Compadecida (1955), em que o cavalo foi substituído por um “gato que descomia dinheiro”. Ariano havia lido o texto na obra Violeiros do Norte, do folclorista cearense Leonardo Mota. Da mesma coletânea, consta o folheto de gracejo O dinheiro (com a história do testamento do cachorro), também de Leandro, e O Castigo da Soberba, de Silvino Pirauá de Lima.

Ilustração de Klévisson Viana.

Trecho seminal da obra:

Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado.
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.

Então exclamou o velho:
— Só pude achar essas três!
Disse o pobre: — Ontem à tarde
Ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado
Dez mil réis mais de uma vez.

— Enquanto ele está magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não há quem vença o dinheiro...

Disse o velho: — Meu compadre,
Você não pode tratá-lo.
Se for trabalhar com ele,
É com certeza matá-lo.
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!

— Meu compadre, este cavalo
Eu posso negociar
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
Sem precisar trabalhar.

O velho disse ao compadre:
— Não é assim que se faz.
Nossa amizade é antiga,
Desde o tempo de seus pais.
Dou-lhe seis contos de réis,
Acha pouco, inda quer mais?

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[1] No Catálogo Internacional do Conto Popular, a sigla que homenageia os formuladores, Anti Aarne, Stith Thompson e Hans-Jörg Uther, conserva suas iniciais ATU. O sistema alfa-numérico engloba contos de animais, maravilhosos, religiosos, novelescos, jocosos etc. O conto-tipo O camponês rico e o camponês pobre pertence à categoria dos contos jocosos.

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