terça-feira, 8 de novembro de 2016

Hillary Clinton e a democracia

Começo a ficar ansioso para que 2018 chegue logo. Quero descobrir como a imprensa cobrirá a nossa corrida presidencial de então. Tenho a desconfiança de que não veremos nada comparável à enxurrada de informações e análises da disputa Hilllary vs. Trump pela qual somos submergidos todos os dias.


Por Salem H. Nasser, na Revista Brasileiros

Em parte, talvez, porque o conteúdo sobre uma eleição presidencial brasileira precisaria ser produzido localmente, autenticamente; não haveria o que importar, o que, vindo de fora, reproduzir e ecoar.

Não me entendam mal, eu sei que eleições presidenciais estadunidenses são importantes para o mundo e que o chamado “líder do mundo livre” detém poder sobre cada um de nós que habitamos a terra. Mas não consigo evitar a impressão de que há algo na nossa cobertura de fascínio da periferia com a novela que agita a casa grande. Somos chamados a escolher mocinhos (ou mocinha) e vilões e a vivenciar a ilusão de que em algum lugar há uma urna imaginária esperando que depositemos o nosso votinho. Quase esquecemos que não temos parte nesse enredo.

Interessante, no entanto, que a enxurrada que nos atinge e cobre também o resto do mundo deixa de carregar pedaços de informação que parecem imunes à força do arrastão. Esse é um mistério com que há muito eu convivo: qual o elemento mágico que faz com que um fato, uma ocorrência, passe pelo filtro e vire notícia, e com que outro fato, outra ocorrência, passe sem registro e caia, mais do que no esquecimento, na inexistência?

Um exemplo da atuação do filtro nos foi fornecido nos últimos dias. Em meio à profusão de notícias, escândalos, acusações envolvendo os dois candidatos norte-americanos, entre comentários machistas, sonegação de impostos, tráfico de influência e doações suspeitas, um fato específico relacionado a Hillary Clinton não mereceu qualquer destaque e só ficou registrado nas margens do mercado da informação.

Surgiu nos últimos dias o áudio de uma entrevista concedida por Hillary em 2006 a um jornalista israelense. Nele, pode-se ouvi-la dizendo sobre as eleições palestinas em que o Hamas obteve a maioria esmagadora dos votos e dos assentos no congresso nacional:

"Eu não acho que nós deveríamos ter feito pressão para que houvesse uma eleição nos territórios Palestinos. Eu acho que foi um grande erro. E, se íamos fazer pressão por uma eleição, então nós devíamos ter nos assegurado de que faríamos algo para determinar quem ganharia".

Na substância, não há nada de novo na fala de Clinton. Os Estados Unidos gastaram centenas de milhões de dólares naquela campanha eleitoral palestina a fim de controlar os seus resultados, sem sucesso. Depois disso, forçaram a derrubada do governo do Hamas que resultara da vitória nas urnas e levaram os palestinos a mais uma divisão e quase à guerra civil.

Ainda assim, deveria causar espanto, ao menos algum comentário, em meio ao circo midiático, essa confissão da provável próxima “líder do mundo livre” de que a democracia não é mercadoria para todos, de que a democracia pode ser mera farsa, um jogo de cartas marcadas que vale quando ganham as marionetes e os amigos e em que, quando ganham os outros, se embaralha e dá de novo.

E, no entanto, nada. Por que será?

É verdade que a gravação ressurgiu por via de um site ligado a Trump, talvez para reforçar o argumento de que as eleições americanas poderiam ser fraudadas; mas a voz de Hillary está lá, inconfundível (http://observer.com/2016/10/2006-audio-emerges-of-hillary-clinton-proposing-rigging-palestine-election/). Não há desconhecimento, portanto, apenas uma opção de não noticiar.

Essa opção precisaria ser explicada. Talvez uma vontade de ver Hillary eleita e de balançar o menos possível o seu barco? Talvez uma aceitação da tese de que sim, é legítimo determinar de antemão quem vai ganhar as eleições em certos lugares do mundo?

Talvez realmente não seja notícia, por não ser novidade, que na política americana um candidato justifique tudo em defesa dos interesses de Israel. Caso se tratasse de fraudar eleições em qualquer outro lugar, talvez tivéssemos um escândalo. Como é a Palestina, quem the f**k se importa? Certo?

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