A existência do governo Temer, por si só, expressava a morte
moral do Brasil.
Temer não tem nenhuma dignidade política e pessoal, não tem
nenhum senso de honra, de dever, de responsabilidade. Conduz o país a um
processo contra-civilizatório, degradando direitos, investindo contra a
educação, a saúde, o meio ambiente, a ciência e tecnologia, a cultura, a
soberania, a moralidade e a dignidade nacional. Agora se apresenta com a face
infame de escravocrata. Não tem o menor respeito pela dignidade das pessoas e
nenhum sentimento de culpa ou de arrependimento. Se os tivesse, ou renunciaria
pedindo desculpa ao povo brasileiro ou se suicidaria.
Se o Brasil já estava moralmente morto, nas duas últimas
semanas, o Supremo Tribunal Federal e o Senado decidiram realizar as exéquias
desse corpo mal-cheiroso e o fizeram com danças macabras e palavras invocativas
do mal, amaldiçoando o povo e brindando o triunfo da legalização da existência
de governantes criminosos nas três esferas do poder. O féretro não levou o
morto para os Campos Elíseos, mas para o Tártaro. O Brasil poderá ficar neste
lugar desgraçadamente terrível por muito tempo, nas profundezas úmidas, frias e
escuras, para penar os crimes de seus governantes e a falta de dignidade e
coragem do seu povo. Neste lugar tenebroso, há uma lápide com a seguinte
inscrição: "Tucano algum jamais será punido".
O Brasil só poderá ser resgatado das profundezas se algum
dia o povo julgar a si mesmo, guiado por líderes corajosos. Neste juízo, o povo
terá que descobrir que pode confiar apenas nas suas lutas, que é preciso ter
coragem e virtudes e que a indignação precisa ser libertada do seu momento
subjetivo para tornar-se fúria real, devastadora se for preciso, pois somente
os povos que tiveram momentos de fúria contra as indignidades, as injustiças,
as misérias, as desigualdades e as humilhações foram capazes de criar as
fortalezas da coragem em suas almas, sempre dispostas a marchar para o combate
quando os direitos são negados ou ameaçados.
Nos campos devastados do Brasil moralmente morto as pessoas
estão muito estranhas. Estão indignadas subjetivamente, passivas, sentindo-se
desmoralizadas e desmobilizadas. Estão como que aguardando um acontecimento do
destino ou um patrocínio dos deuses para tirá-las desse torpor. Estão
solitárias em meio a uma multidão na qual todos são estranhos entre si. As
pessoas sentem frio na alma, se vêem derrotadas pela história, esvaziadas de
esperanças, enfraquecidas na fé. Estão como que a aguardar um Ciro, o Grande,
para que as libertem do cativeiro, não da Babilônia, mas de si mesmas, da sua
própria apatia, da sua imobilidade.
Sim, porque os povos, em toda a história, sempre precisaram
de líderes para que os conduzissem. E o que se vê hoje são partidos e
sindicatos progressistas e de esquerda semimortos, prostrados, acovardados,
desorientados, sem tática e sem estratégia. Quem poderia ser o Ciro libertador?
Lula? O próprio Ciro, o Gomes? Haddad? Boulos? Talvez Lula seja a única
esperança, a esperança possível. Tire-se Lula da frente e pouco sobrará dos
semivivos e semimortos. Não nos iludamos. A luta será feroz e quem não estiver
preparado sucumbirá.
Luta e desobediência civil
É preciso sair da letargia enquanto há tempo. É preciso sair
do frio enregelante da solidão e da internet para encontros calorosos, criando
círculos de debates e de lutas, grupos, movimentos. A militância precisa romper
nas bases a passividade e desorientação das direções partidárias. Contra o
burocratismo, os interesses mesquinhos e o exclusivismo das cúpulas, é preciso
construir uma unidade militante nas lutas, mesmo que não se tenha a perspectiva
de um candidato presidencial único. A história dos progressistas e democratas
só se tornará edificante no Brasil se a síndrome de Caim e Abel das esquerdas
for derrotada.
É preciso transformar a indignação em ação para dizer com
ela que não se aceita esse processo anti-civilizatório, anti-social,
anti-cultural, anti-nacional e escravocrata que esse governo, o STF e o
Congresso estão impondo ao povo brasileiro. Não é possível obedecer essas instituições que
fizeram da Constituição e das leis letra morta para fazer valer a vontade
arbitrária de interesses conspiradores.
A desobediência civil é um direito consagrado nas
democracias para enfrentar leis injustas e inatuais e para desobedecer
autoridades arbitrárias e corruptas. Direito defendido por pensadores e
ativistas como John Locke, Thoureau, Gandhi, Luther King, Hannah Arendt.
Direito abrigado nas Constituições americana e alemã.
Não se pode obedecer a um STF casuístico, que abre mão dos
seus deveres constitucionais para entregá-los a antros corrompidos como a
Câmara e o Senado. Não se pode obedecer a um STF de um Gilmar Mendes, que é
estafeta de Aécio e conselheiro noturno de Temer. Não se pode obedecer ao
governo ilegítimo de Temer. Não se pode respeitar as determinações políticas e
arbitrárias de um juiz Moro, alegre conviva de Aécio e de Temer, dois
quadrilheiros, segundo as investigações.
Moro instrumentalizou a Lava Jato para fins políticos,
cometendo uma série de arbitrariedades e ilegalidades persecutórias para
favorecer seus amigos do PSDB. Não se pode respeitar uma operação cujo objetivo
principal foi tirar uma presidente eleita para colocar uma quadrilha no governo
e, cujo desfecho, consiste em inviabilizar a candidatura Lula, salvando Aécio,
Temer, Jucá e tantos outros.
Sem lei e com a Constituição rasgada, o Brasil está entregue
à violência, ao desmando, ao crime organizado que se instalou nos altos poderes
da República. Não se pode aceitar que estas autoridades, que trilham as sendas
da ilegalidade e do crime, punam arbitrariamente uns e salvem os maiores
corruptos do país. O Brasil vive um estado de ilegalidade geral e de arbítrios
seletivos. É preciso enfrentar com destemor os desmandos das autoridades, no
Congresso, nos tribunais e nas ruas.
A desobediência civil se justifica porque o STF, o Congresso
e o Executivo violaram a Constituição e porque todos esses poderes estão sob
suspeita de serem instrumentos de conspirações noturnas, urdidas em visitas
furtivas, em encontros ardilosos em porões escusos. Não se pode aceitar que
esses poderes com a credibilidade e a legitimidade comprometidas decidam que
Lula não pode ser candidato. Este é o ponto que em breve definirá se o Brasil
poderá ou não ser resgatado das profundezas terríveis do Tártaro. Este é o ponto
que definirá se as esquerdas, os democratas e os progressistas serão vistos
pela história como pessoas corajosas e dignas ou se serão lembradas nos
memoriais da vergonha e da covardia.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e
Política (FESPSP).
Via - Contexto Livre
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