sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Pagu, a atualidade de sua luta após 55 anos

Jornalista, tradutora, poeta, escritora, diretora de teatro e desenhista. Há 55 anos da morte de Patrícia Rehder Galvão, relembramos a artista que revolucionou o Brasil juntando-se ao movimento modernista, sem nunca deixar de lado a causa pela justiça social


Por Alessandra Monterastelli *

Ela morreu em Santos, em 12 de dezembro de 1962, vencida pelo câncer. Em 1910, nascia: São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Ao longo de 52 anos de vida, Pagu deixou uma herança e tanto, não só pelos seus feitos no campo da escrita, da arte e da militância pelo Partido Comunista, mas também pela sua trajetória pessoal.

Começou a escrever com 15 anos, como colaboradora de um jornal de bairro em São Paulo. Celebrada como musa do movimento modernista, adere ao movimento antropofágico aos 19 anos. Conviveu com figuras como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade (com quem se casa e tem o seu primeiro filho) e Mario de Andrade (seu professor no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo). Como jornalista escrevia sobre tudo um pouco com facilidade, publicando seus textos em diversos jornais; opinava de maneira pontual sobre política, o proletário e a sociedade. Escreveu sobre a temática LGBT, até hoje alvo de ataques por parte de conservadores: “Há meninas que nasceram errado, mas que não querem se conformar em seguir à lei da natureza. Querem continuar meninas”.

Foi correspondente de vários jornais, viajou para os Estados Unidos, Japão e União Soviética, entre outros países da Ásia e da Europa. Na França, tem contato com o escritor André Breton e outros surrealistas; entrevistou Sigmund Freud e assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês, e com ele conseguiu sementes de soja, que foram enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola brasileira. Em 1930 viaja para Buenos Aires para encontrar Luís Carlos Prestes, líder comunista que vivia no exilio, e acaba conhecendo o escritor Jorge Luis Borges (encontraria Prestes apenas mais tarde, em Montevidéu, no Uruguai).

Dona de caráter irreverente, não tinha medo em ser. Feminista, se dizia uma “mulher de ferro, com zonas erógenas e aparelho digestivo", isso no Brasil de 1930; a defesa da mulher pobre e a crítica ao papel conservador feminino na sociedade permearam sua vida e todas as suas obras.

Em 1931 lançava duras críticas à burguesia paulistana na coluna “A mulher do Povo”, seção batizada como contraponto ao título do jornal criado e dirigido por ela e Oswald de Andrade, O Homem do Povo. Aliás, Pagu tornou-se nesse momento também uma grande expoente dos quadrinhos, área até hoje majoritariamente masculina. Inspirada especialmente nas obras de Tarsila do Amaral (chegou, inclusive, a ilustrar a Revista de Antropofagia), fez ilustrações e tiras para cada uma das 8 publicações do Homem do Povo; entre elas, Malakabeça, Fanika e Kabelluda contam a história de um casal rico que não teve filhos e começa a morar com a sobrinha pobre, a Kabelluda, que protagoniza cenas de subversão e contestação dos valores morais da sociedade do início do século XX – criticas, aliás, que servem facilmente à sociedade atual. Como conclui Roberta AR, zienira e escritora na cena de quadrinhos independentes, as tiras de Pagu “mostram bem a veia política da autora, que não era de meias palavras”. Por fim, seu nome batizou o primeiro selo de quadrinhos feito somente por mulheres.

Pagu entrou para o Partido Comunista em 1931, junto de Oswald, e foi morar em uma vila operária, onde trabalhou como tecelã e metalúrgica. Participou da organização de uma greve de estivadores em Santos e, na ocasião, como conta o jornalista Fernando do Valle em seu artigo “Viva Pagu”, o estivador Herculano de Souza foi morto pela polícia durante a homenagem aos operários anarquistas Sacco e Vanzetti, injustamente acusados de homicídio nos Estados Unidos e executados na cadeira elétrica. Herculano caiu nos braços de Pagu, que pediu a todos que cantassem a Internacional. Ela foi presa pela polícia de Getúlio Vargas, tornando-se a primeira mulher presa no Brasil por motivações políticas. Em 1935, após participar do Levante Comunista, foi detida, torturada e condenada a dois anos de prisão. Três anos mais tarde foi novamente condenada e, ao todo, foi presa 23 vezes, chegando, inclusive, a ser presa como militante comunista estrangeira quando estava na França, militando pelo partido comunista francês. Logo após a sua filiação, foi morar em uma vila operária.

Mais tarde fez suas críticas ao Partido, mas nunca deixou o idealismo de lado, sempre defendeu um socialismo pacífico e libertário e nunca deixou de lutar. O jornal que tinha com Oswald foi tomado por estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e proibido pela polícia. Em 1933, Pagu lançou seu primeiro romance, “Parque Industrial”, focado em uma narrativa urbana sobre a vida das operárias da cidade de São Paulo, e assinou a obra sob o pseudônimo de Mara Lobo. Segundo a antropológa Mariza Corrêa, o texto tem forte estilo cinematográfico e “poderia ser lido hoje como se fosse o roteiro de um vídeo”. A narrativa denuncia a suposta “moral” que exigia castidade das mulheres ao passo em que estimulava a liberdade sexual dos homens, que muitas vezes enganam e abusam das mulheres.

Em 1935, se separa de Oswald de Andrade, em uma época em que o divórcio ainda era motivo de tabu e julgamentos. Mais tarde se casa com o jornalista Geraldo Ferraz e lhe dedica diversas cartas de amor.

Nos anos 40 e 50 continua sua produção jornalística, escrevendo crônicas, artigos, poemas e críticas literárias no jornal “A Tribuna” de Santos. Divulgou autores marcados pelo inconformismo e de vanguarda como Alfred Jarry, Fernando Arrabal e Samuel Beckett. Também foi pioneira na tradução de autores como Artaud e Apollinaire.

Mas, como relembra a jornalista Camila Alam, as memórias pessoais de Pagu também ganharam muita visibilidade. Na sua autobiografia, intitulada “Paixão Pagu”, a escritora revela intimidades e confissões. Nas passagens são relatadas algumas prisões, doenças e casos amorosos. “Uma personalidade fugaz e intensa, que, ao longo de seus 52 anos, revelou-se coerente, objetiva, idealista e apaixonada” finaliza Camila Alam.

“Luminosa agente subversiva de nossa modernidade”: foi assim que o poeta concretista Augusto de Campos descreveu Pagu na abertura da nova edição de “Pagu: vida-obra”, em que ele conta da contribuição da escritora também para a poesia concreta, com a publicação de diversos poemas. Em entrevista para O Globo em 2014, quando questionado do título referido à escritora de “primeira mulher nova no Brasil”, ele explica: “Por todo o seu passado revolucionário (...)nenhuma assumiu até o fim ideias tão radicais e renovadoras, nenhuma correu os riscos e sofreu o que sofreu por elas, nenhuma defendeu com tanto ardor a arte de vanguarda, nenhuma se pode comparar, em termos de atuação ética e estética, como ela”.

Pagu marcou presença: nunca deixou o espírito revolucionário adormecer, nem na arte, nem na política. Jamais se deixaria calar ou censurar por nenhum conservador ou moralista. Diante de suas enormes contribuições, vale o questionamento: como seria sua reação diante do atual momento vivido pelo Brasil?

*Estagiária no Portal Vermelho

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