No dia 1º de janeiro de 1916, Antônio Gramsci escrevia no
jornal socialista Avanti! o artigo “Odio il Capodanno”. Nesta obra rara o
comunista italiano expressa seu ódio ao imobilismo e ao conformismo
pequeno-burgueses. Antes que termine o ano de 2017 compartilhamos com todos
inconformados leitores de nosso diário esta tradução ao português baseada em
artigo publicado em espanhol na rede internacional de diários Esquerda Diário.
Madrid
Vi no face do Ricardo Drummond Macedo.
Vi no face do Ricardo Drummond Macedo.
O texto foi publicado originalmente no dia 1º de janeiro de
2016 em Turim, no jornal Avanti!, onde Gramsci escrevia a coluna “Sotto la
Mole”, dedicada a comentar sobre a vida turinesa sob a sombra da Mole
Antonelliana , principal símbolo arquitetônico da cidade.
O “Capodanno” (Ano Novo) de 1916 esteve marcado pela recente
entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial, uma carnificina entre as nações
imperialista pela dominação mundial como nunca antes a humanidade tinha visto.
Este fato gerou um profundo debate na sociedade italiana, entre a classe
trabalhadora e dentro do próprio Partido Socialista Italino que se debatia
entre posições “social-patriotas” a favor da intervenção militar e posições de
“neutralidade”.
Esse debate atravessou o socialismo europeu, e os principais
partidos apoiaram a guerra e suas próprias burguesias em “defesa da pátria”, levando
a bancarrota da Segunda Internacional. Entre os que se opuseram a esse caminho
reformista da Segunda Internacional e dos Partidos Socialistas estavam aqueles
que fizeram isto a partir de uma posição revolucionária (encabeçados por Lênin,
Trotsky, Liebknecht e Rosa Luxemburgo) e também o próprio Antônio Gramsci.
Posteriormente, junto a Amadeo Bordiga, serão alguns dos principais fundadores
do Partido Comunista Italiano.
Neste contexto o “Odeio o Ano Novo” é uma diatribe contra
essa festa, mas sobretudo, é uma manifestação do ódio de Gramsci ao conformismo
das ideias e da vida regulamentada pelo capitalismo e sua ideologia, que nos
leva a celebrar, porque sempre se celebrou, uma ocasião especial.
Algo que nos impulsiona a mudar ou a preparar novos planos
para alguma mudança mas que logo seremos enfrentados por um pântano de
imobilismo até uma nova ocorrência. Contra esta inércia escreve Gramsci:
“Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia
quero ajustar as contas comigo mesmo e renovar-me.”
Odio il Capodanno de Gramsci nos aproximo de seus conhecidos
artigos “Ódio aos indiferentes” publicados no mesmo Avanti! um ano depois em 11
de fevereiro de 1917. A luta de Gramsci contra o imobilismo e o conformismo das
ideias, próprias de sua personalidade curiosa, inconformista, anticlerical e
sobretudo, comunista.
Odio il Capodanno
Toda manhã, ao acordar mais uma vez sob o manto do céu,
sinto que para mim é o primeiro dia do ano.
Por isso odeio estes anos novos a prazo fixo, que
transformam a vida e o espírito humano em uma empresa comercial, com sua
prestação de contas, seu balanço e suas previsões para a nova gestão. Eles
fazem com que se perca o sentido de continuidade da vida e do espírito.
Termina-se por acreditar a sério que entre um ano e outro exista uma solução de
continuidade e comece uma nova história; fazem-se promessas e projetos, as
pessoas se arrependem dos erros cometidos, etc. É um equívoco geral que afeta
todas as datas.
Dizem que a cronologia é a ossatura da história. Pode-se
admitir que sim. Mas também é preciso admitir que há quatro ou cinco datas
fundamentais, que toda pessoa conserva gravadas no cérebro, datas que tiveram
efeito devastador na história. Também elas são primeiros dias de ano. O Ano
Novo da história romana, ou da Idade Média, ou da era moderna. Elas se tornaram
tão presentes que nos surpreendemos a pensar algumas vezes que a vida na Itália
começou em 752, e que 1490 ou 1492. São como montanhas que a humanidade
ultrapassou de um só golpe para entrar em um novo mundo e em uma nova vida.
Com isso, a data converte-se em um fardo, um parapeito que
impede que se veja que a história continua a se desenvolver de acordo com uma
mesma linha fundamental, sem interrupções bruscas, como quando o filme se rompe
no cinema e se abre um intervalo de luz ofuscante.
Por isso odeio o ano novo ano. Quero que cada manhã seja um
ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as contas comigo mesmo e
renovar-me. Nenhum dia previamente estabelecido para o descanso. As pausas eu
escolho sozinho, quando me sinto embriagado de vida intensa e desejo mergulhar
na animalidade para extrair um novo vigor.
Nenhum disfarce espiritual. Cada hora da minha vida eu
gostaria que fosse nova, ainda que vinculada às horas já passadas. Nenhum dia
de júbilo coletivo obrigatório, a ser compartilhado com estranhos que não me
interessam. Só porque festejaram os avós dos nossos avós, etc., teremos também
nós de sentir a necessidade de festejar? Tudo isso dá náuseas.
Espero o socialismo também por esta razão. Porque mandará
para o lixo todas estas datas que já não têm nenhuma ressonância em nosso
espírito. E se o socialismo vier a criar novas datas, ao menos serão as nossas
e não aquelas que temos de aceitar sem benefício de inventário dos nossos
ignorantes antepassados.
Antonio Gramsci, Turín, 1º de janeiro de 1916.
* Tradução ao português tomando por base o texto em Espanhol
Tomado do Livro “Bajo la Mole - Fragmentos de Civilización”, de Antonio Gramsci.
Editorial Sequitur, Págs. 9-10.
Tradução: Leandro Lanfredi
Via - Esquerda Diário
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