terça-feira, 13 de março de 2018

A nova legislação trabalhista e os jogadores de futebol

Em julho de 2017, o Congresso Nacional aprovou a lei que libera a Terceirização até as atividades-fim, alterando significativamente as relações de trabalho. Dentre outros problemas, a Terceirização também abriu espaço para a ampliação da “Pejotização”, que transforma o trabalhador em empresário de si mesmo, tendo que montar empresa (CNPJ) e, consequentemente, emitindo nota pelos serviços prestados.


Por Ricardo Flaitt*

A questão é: considerando que todo jogador é, em si, a sua atividade-fim, os clubes não precisarão mais registrá-los?

Atualmente, a imensa maioria dos jogadores recebe seus salários em uma combinação que se forma entre o registro em Carteira Profissional, conforme determina a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, geralmente a menor parte, para diminuir os encargos; e a maior parte, por meio de emissão de nota fornecida pelo atleta, sob o nome de “Direito de Imagem”.

Diante do novo cenário das relações trabalhistas, o Blog Crônicas do Morumbi conversou com Dr. Firmino Alves Lima, Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara de Piracicaba, para esclarecer sobre os contratos de trabalho dos jogadores de futebol.

Dr. Firmino Alves Lima é mestre e doutor em direito do trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ex-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA XV, é integrante da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, é autor de obras individuais e coletivas, bem como de artigos publicados no Brasil e no exterior em diversas áreas inclusive sobre temas desportivo

Confira, a seguir, esclarecimento do Juiz do Trabalho, Dr. Firmino Alves Lima, sobre a legislação e os vínculos empregatícios dos jogadores:


A “reforma trabalhista” é derivada de duas Leis sancionadas em 2017 (Leis 13.429 e 13.467) e uma Medida Provisória (808) editada no final de 2017. Trata-se de uma substancial alteração legislativa que, a pretexto de gerar mais empregos, promove ampla precarização das relações de trabalho no Brasil. Tratam-se de propostas legislativas apresentadas pelo empresariado brasileiro, tendo como mote o anacronismo e os altos custos que a legislação trabalhista anterior impunha ao empregador.

Este modelo de precarização de contratos de trabalho infelizmente não teve muito sucesso em diversos países europeus, e acredito que aqui não será diferente, somente piorando a condição dos trabalhadores, que já não dispõem de muita proteção trabalhista, eis que somente um terço da população economicamente ativa possui vínculo trabalhista formal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho e, metade dos trabalhadores brasileiros que teriam direito a um vínculo empregatício formal, atuam na informalidade.

Curiosamente, baseada neste pretexto de melhorar as relações do trabalho, ela tem dois corpos principais de normas: Um que trata das relações jurídico trabalhistas em si, e uma segunda, que trata do processo trabalhista.

A primeira reduziu drasticamente diversos direitos e permitiu a criação de figuras de contratos alternativos ao contrato de trabalho, o que são apelidados em alguns países vizinhos como “contratos lixo” (contratos basura), envolvendo contratação autônoma, ampla contratação temporária e terceirizada, a figura da “pejotização” (transformar contratos de trabalho em contratos mercantis). Entre eles, a Lei 13.429/17, depois complementada pela Lei 13.467/17, abriu um campo enorme para facilitar a terceirização, que era regulada por uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a de número 331. Os novos diplomas permitem a terceirização em qualquer fase produtiva, o que era proibido pelo referido precedente.

Em que pesem as reformas terem sido sancionadas, no campo da regulação dos contratos de trabalho desportivo, pouca coisa pode ter sido alterada. É que, por conta do chamado “princípio da especificidade desportiva” nos contratos de trabalho, as relações jurídico-trabalhistas dos atletas profissionais possuem regulação própria pela Lei 9.615/98 (que já sofreu inúmeras alterações, parecendo uma colcha de retalhos), observando-se características específicas dos contratos de trabalho desportivos.

O contrato de trabalho desportivo está regulado pelos artigos 27 a 46-A da referida Lei, que não sofreu qualquer alteração por parte da “reforma trabalhista”. No caso dos contratos de trabalho desportivos, eles são regulados por este diploma e o § 4º do artigo 28 da Lei 9.615/98 aponta para o uso da legislação previdenciária e trabalhista em casos omissos da Lei em questão, desde que não venha ferir uma série de princípios.

No caso dos atletas profissionais, e tão somente aos atletas de futebol de campo (a discussão para atletas de futsal é muito grande nos Tribunais trabalhistas), o contrato de trabalho formal continua sendo obrigatório (art.94), firmado entre o atleta e a entidade de prática desportiva (clube), com diversos requisitos, em especial o registro do contrato na CBF, a anotação da CTPS, prazo determinado de duração, estipulação de salário e das multas rescisórias envolvidas em caso de rescisão (cláusulas indenizatórias e compensatórias).

Lamentavelmente, a obrigatoriedade de registro de contrato formal restrita ao futebol de campo tem permitido uma precarização generalizada dos contratos de trabalho desportivos de outras modalidades importantes como vôlei e basquete, por exemplo, onde os porteiros dos respectivos clubes chegam a ter mais direitos que os próprios atletas, especialmente em caso de acidentes de trabalho, como contusões graves.

Diante de tal situação, não vejo como seja possível terceirizar ou “pejotizar” (contratar mediante pessoa jurídica) um contrato de trabalho desportivo de atleta de futebol, pois a legislação específica é clara em apontar sua impossibilidade.

Não há como abrir mão do registro, pois a prática em tais condições não dá permissão ao atleta atuar por determinado clube afinal, sem o vínculo empregatício não poderá ser constituído o vínculo desportivo. Talvez essas possibilidades precarizantes possam ocorrer com maior intensidade nos contratos de trabalho desportivos de outras modalidades, como já acontece na atualidade, já que a obrigatoriedade do contrato de trabalho formal restringe-se exclusivamente ao futebol.

Quanto à parcela paga como direito de imagem, esta se encontra prevista como de natureza civil conforme o artigo 87-A da Lei 9.615/98, respeitadas as limitações ali estabelecidas no entanto, a falta do seu pagamento pode gerar a rescisão do contrato de trabalho por parte do atleta, tal qual se o clube devesse salários

*Ricardo Flaitt é jornalista e escritor.
Fonte: blog Crônicas do Morumbi

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