Em julho de 2017, o Congresso Nacional aprovou a lei que
libera a Terceirização até as atividades-fim, alterando significativamente as
relações de trabalho. Dentre outros problemas, a Terceirização também abriu
espaço para a ampliação da “Pejotização”, que transforma o trabalhador em
empresário de si mesmo, tendo que montar empresa (CNPJ) e, consequentemente,
emitindo nota pelos serviços prestados.
A questão é: considerando que todo jogador é, em si, a sua
atividade-fim, os clubes não precisarão mais registrá-los?
Atualmente, a imensa maioria dos jogadores recebe seus
salários em uma combinação que se forma entre o registro em Carteira
Profissional, conforme determina a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho,
geralmente a menor parte, para diminuir os encargos; e a maior parte, por meio
de emissão de nota fornecida pelo atleta, sob o nome de “Direito de Imagem”.
Diante do novo cenário das relações trabalhistas, o Blog
Crônicas do Morumbi conversou com Dr. Firmino Alves Lima, Juiz do Trabalho
Titular da 1ª Vara de Piracicaba, para esclarecer sobre os contratos de
trabalho dos jogadores de futebol.
Dr. Firmino Alves Lima é mestre e doutor em direito do
trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ex-presidente
da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA XV,
é integrante da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, filiado ao Instituto Brasileiro de Direito
Desportivo – IBDD, é autor de obras individuais e coletivas, bem como de
artigos publicados no Brasil e no exterior em diversas áreas inclusive sobre
temas desportivo
Confira, a seguir, esclarecimento do Juiz do Trabalho, Dr.
Firmino Alves Lima, sobre a legislação e os vínculos empregatícios dos
jogadores:
A “reforma trabalhista” é derivada de duas Leis sancionadas
em 2017 (Leis 13.429 e 13.467) e uma Medida Provisória (808) editada no final
de 2017. Trata-se de uma substancial alteração legislativa que, a pretexto de
gerar mais empregos, promove ampla precarização das relações de trabalho no
Brasil. Tratam-se de propostas legislativas apresentadas pelo empresariado brasileiro,
tendo como mote o anacronismo e os altos custos que a legislação trabalhista
anterior impunha ao empregador.
Este modelo de precarização de contratos de trabalho
infelizmente não teve muito sucesso em diversos países europeus, e acredito que
aqui não será diferente, somente piorando a condição dos trabalhadores, que já
não dispõem de muita proteção trabalhista, eis que somente um terço da
população economicamente ativa possui vínculo trabalhista formal regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho e, metade dos trabalhadores brasileiros que
teriam direito a um vínculo empregatício formal, atuam na informalidade.
Curiosamente, baseada neste pretexto de melhorar as relações
do trabalho, ela tem dois corpos principais de normas: Um que trata das relações
jurídico trabalhistas em si, e uma segunda, que trata do processo trabalhista.
A primeira reduziu drasticamente diversos direitos e
permitiu a criação de figuras de contratos alternativos ao contrato de
trabalho, o que são apelidados em alguns países vizinhos como “contratos lixo”
(contratos basura), envolvendo contratação autônoma, ampla contratação
temporária e terceirizada, a figura da “pejotização” (transformar contratos de
trabalho em contratos mercantis). Entre eles, a Lei 13.429/17, depois
complementada pela Lei 13.467/17, abriu um campo enorme para facilitar a
terceirização, que era regulada por uma súmula do Tribunal Superior do
Trabalho, a de número 331. Os novos diplomas permitem a terceirização em
qualquer fase produtiva, o que era proibido pelo referido precedente.
Em que pesem as reformas terem sido sancionadas, no campo da
regulação dos contratos de trabalho desportivo, pouca coisa pode ter sido
alterada. É que, por conta do chamado “princípio da especificidade desportiva”
nos contratos de trabalho, as relações jurídico-trabalhistas dos atletas
profissionais possuem regulação própria pela Lei 9.615/98 (que já sofreu
inúmeras alterações, parecendo uma colcha de retalhos), observando-se
características específicas dos contratos de trabalho desportivos.
O contrato de trabalho desportivo está regulado pelos
artigos 27 a 46-A da referida Lei, que não sofreu qualquer alteração por parte
da “reforma trabalhista”. No caso dos contratos de trabalho desportivos, eles
são regulados por este diploma e o § 4º do artigo 28 da Lei 9.615/98 aponta
para o uso da legislação previdenciária e trabalhista em casos omissos da Lei
em questão, desde que não venha ferir uma série de princípios.
No caso dos atletas profissionais, e tão somente aos atletas
de futebol de campo (a discussão para atletas de futsal é muito grande nos
Tribunais trabalhistas), o contrato de trabalho formal continua sendo
obrigatório (art.94), firmado entre o atleta e a entidade de prática desportiva
(clube), com diversos requisitos, em especial o registro do contrato na CBF, a
anotação da CTPS, prazo determinado de duração, estipulação de salário e das
multas rescisórias envolvidas em caso de rescisão (cláusulas indenizatórias e
compensatórias).
Lamentavelmente, a obrigatoriedade de registro de contrato
formal restrita ao futebol de campo tem permitido uma precarização generalizada
dos contratos de trabalho desportivos de outras modalidades importantes como
vôlei e basquete, por exemplo, onde os porteiros dos respectivos clubes chegam
a ter mais direitos que os próprios atletas, especialmente em caso de acidentes
de trabalho, como contusões graves.
Diante de tal situação, não vejo como seja possível
terceirizar ou “pejotizar” (contratar mediante pessoa jurídica) um contrato de
trabalho desportivo de atleta de futebol, pois a legislação específica é clara
em apontar sua impossibilidade.
Não há como abrir mão do registro, pois a prática em tais
condições não dá permissão ao atleta atuar por determinado clube afinal, sem o
vínculo empregatício não poderá ser constituído o vínculo desportivo. Talvez
essas possibilidades precarizantes possam ocorrer com maior intensidade nos
contratos de trabalho desportivos de outras modalidades, como já acontece na
atualidade, já que a obrigatoriedade do contrato de trabalho formal
restringe-se exclusivamente ao futebol.
Quanto à parcela paga como direito de imagem, esta se
encontra prevista como de natureza civil conforme o artigo 87-A da Lei
9.615/98, respeitadas as limitações ali estabelecidas no entanto, a falta do
seu pagamento pode gerar a rescisão do contrato de trabalho por parte do
atleta, tal qual se o clube devesse salários
*Ricardo Flaitt é jornalista e escritor.
Fonte: blog Crônicas do Morumbi
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