Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta
que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus
terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a
morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Por Alberto Maggi, no Outras Palavras
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas
também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o
conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável
que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido,
riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram
a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta
culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados! Corre-se o
risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da
psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar
permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e
psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e
distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas
são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no
poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de
ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico,
mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia
muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas
pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado
foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos
líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o
banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos,
ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o
perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em
dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos
sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são
pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura
vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no
país, considerando o ensinamento infalível da Lei, veem Jesus perdoar os
pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está
blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv
24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas
na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de
fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das
culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente
quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em
reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente,
sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o
chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram
desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não
havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a
ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente
perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus
e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até
que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país,
o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas
ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno,
mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la,
as autoridades não dormiriam tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos
acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da urgência de
eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o
sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais
estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse
que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser
essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de
eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de
Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt
21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua
misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça
que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
Tradução: Francisco Cornélio
Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos
de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana
de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de
diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos
heréticos
Francisco Cornélio, sacerdote e biblist
Via – Portal Vermelho
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