segunda-feira, 23 de abril de 2018

Os donos da mídia no Brasil pós-golpe

Uma mídia com elevada concentração de propriedade e de audiência, sob crescente controle religioso, com influentes afiliações políticas e guiada por interesses econômicos de grandes grupos.


Por André Pasti e Luciano Gallas*

Gravíssima falta de transparência na propriedade e na distribuição da publicidade governamental, concentrada, sobretudo a partir do governo de Michel Temer, nos meios simpáticos à agenda de reformas do governo. Tudo isso possibilitado por um marco regulatório antigo, permissivo e ineficaz. Esses são alguns dos apontamentos deste especial, que traz resultados do Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor, ou “MOM”) no Brasil.

O estudo internacional, realizado em 2017 no Brasil pelas organizações Intervozes e Repórteres Sem Fronteiras, analisou os cinquenta veículos de comunicação brasileiros de maior audiência, investigando os grupos e pessoas por trás desses meios. A partir do estudo, foi publicado o site quemcontrolaamidia.org.br, que permite a navegação pelo banco de dados construído ao longo da pesquisa. Ali, podem ser consultadas informações sobre os veículos de comunicação, os grupos econômicos e as pessoas que os controlam, além de análises sobre a mídia brasileira.

Nos próximos meses, publicaremos algumas análises desses dados neste especial do Le Monde Diplomatique Brasil. O cenário apontado pelo estudo é alarmante e se tornou ainda pior depois do golpe parlamentar de 2016.

Ameaças de longo prazo à democracia

A existência de uma mídia plural, com diversidade de informações e de narrativas em circulação, é condição indispensável para o funcionamento de um sistema político democrático. A concentração de propriedade e de audiência nos meios de comunicação, ao contrário, equivale a uma menor diversidade de conteúdo e a uma maior possibilidade de restrições à livre manifestação do pensamento. A concentração, portanto, coloca em risco os próprios fundamentos da democracia representativa liberal.

Infelizmente, entre todos os países já analisados pelo estudo Media Ownership Monitor, o quadro de indicadores de riscos à pluralidade na mídia produzido no Brasil é o pior. No país, destacam-se negativamente a elevada concentração de audiência – mais de 70% do mercado de televisão aberta está concentrada nos quatro principais grupos –, a grave propriedade cruzada dos meios – com os mesmos grupos concentrando mídias de diferentes tipos, como rádios, TVs aberta e paga, portais de internet, jornais e revistas –, e a ausência de proteções legais contra os monopólios formados por estes grandes grupos econômicos.

A concentração de audiência nos meios de comunicação é ainda mais significativa quando se considera a população do país, a dimensão continental do seu território e a grande diversidade regional. Em um país com tamanha pluralidade cultural e diversidade social, os efeitos de uma mídia concentrada nas mãos de poucos grupos econômicos são ainda mais terríveis, porque repercutem no subaproveitamento do potencial humano e no desrespeito às diferenças e costumes regionais.

A concentração de audiência também se mostra elevadíssima nos mercados impresso e online, se mostrando menos presente apenas no veículo rádio, dadas as características de identidade local deste tipo de mídia. Contudo, a organização de redes nacionais também no rádio, com a produção de grande parte do conteúdo centralizada nas cabeças-de-rede e distribuído pelas afiliadas, é um dado importante a ser avaliado.

Assim, entre as doze redes de rádio de maior abrangência no país, duas pertencem ao Grupo Globo e três ao Grupo Bandeirantes, o que é uma demonstração do fenômeno da propriedade cruzada de meios presente no país. Quando se leva em conta que há a formação de redes também a partir das emissoras afiliadas a estes grupos econômicos, a situação de concentração de propriedade e de audiência se torna ainda mais contundente e nociva à pluralidade.

A propriedade cruzada é uma dimensão central no fenômeno da concentração de mídia no Brasil. O Grupo Globo, especialmente, é proprietário de veículos e redes nos mercados de TV aberta (Rede Globo, líder de audiência), TV fechada (com conteúdos gerenciados pela subsidiária Globosat, incluindo o canal de notícias GloboNews), internet (Globo.com, maior portal de notícias do país) e rádio (redes Globo AM/FM e CBN, que estão entre as dez maiores). Além disso, o Grupo Globo mantém atividades nos mercados fonográfico e editorial, entre outros. Uma campanha institucional do grupo lançada em outubro de 2017 afirmava que seus veículos de comunicação alcançam 100 milhões de brasileiros a cada dia, o que representa metade da população brasileira.

Tal concentração de propriedade cruzada também ocorre em outros grupos, como nos casos da Record, igualmente de alcance nacional, e da RBS, de abrangência regional. O primeiro tem veículos e redes na TV aberta (RecordTV e RecordNews); no meio impresso (jornal Correio do Povo) e no meio online (portal R7, entre os mais acessados do país). A Rede Brasil Sul (RBS), por sua vez, com atuação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, possui emissoras de TV aberta, afiliadas à Rede Globo; dois jornais, Zero Hora e Diário Gaúcho, entre os de maior circulação do país, além de outros títulos impressos de circulação local; duas redes de rádio, a nacional Gaúcha Sat e a regional Atlântida; o portal ClicRBS, entre diversos outros investimentos em mídias digitais e na produção de eventos.

A esse quadro constatado de alta concentração de propriedade e de audiência somam-se outros fatores igualmente prejudiciais à pluralidade de vozes em circulação na sociedade e à própria democracia. Entre eles, a concentração geográfica dos veículos e grupos de comunicação – sediados majoritariamente na cidade de São Paulo –, a falta de transparência na divulgação de informações sobre a propriedade dos veículos e dos grupos e a interferência de interesses econômicos, políticos e religiosos mantidos pelas empresas proprietárias sobre o conteúdo editorial exibido.

O levantamento realizado pelo MOM no Brasil evidencia que os cinquenta veículos de maior audiência nas mídias televisão, rádio, impressa e online são controlados por 26 grupos e empresas. E que, entre esses 26 grupos e empresas, 19 (o que representa 73% do total) possuem sede na Região Metropolitana de São Paulo, a grande maioria delas localizadas na cidade de São Paulo. Por outro lado, o maior conglomerado de comunicação do país, o Grupo Globo, está localizado na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a capital política do país, Brasília, é sede de três outros grupos.

A chamada “Região Concentrada”, que correspondente às regiões Sul e Sudeste, concentra 80% das sedes dos grupos e empresas controladores dos cinquenta veículos de mídia de maior audiência nacional. Já entre os cinquenta veículos, 62% estão sediados na cidade de São Paulo; 12%, no Rio de Janeiro; 10%, em Porto Alegre; 6%, em Belo Horizonte; e 4%, em Brasília.

Cenário pós-golpe aponta para redução ainda maior da pluralidade

As medidas tomadas pelo governo Temer em relação à comunicação apontam para um aprofundamento dessa concentração midiática e, consequentemente, para uma redução da já limitada pluralidade existente nos meios de comunicação privados no Brasil.

O governo elaborou medidas que retiraram obrigações do empresariado da mídia, tem atacado sistematicamente a comunicação pública – em especial a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – e ampliado os usos seletivos da verba de publicidade estatal para inviabilizar financeiramente meios alternativos e comprar o apoio editorial da grande mídia às ações governamentais. Esse tema será explorado no texto sobre as afiliações políticas da mídia brasileira (ver relação abaixo).

Esse quadro de grave concentração de propriedade e de audiência existente na mídia brasileira acompanha um alinhamento das linhas editoriais dos grupos de mídia aos discursos hegemônicos em circulação. Tais discursos se pautam pela construção de consenso a partir da sustentação de interesses econômicos e políticos de forças que historicamente concentraram o poder no país.

Esse cenário aponta para ameaças à acanhada e ainda recente democracia representativa brasileira no que se refere ao médio e longo prazos. Isso porque há uma interdição, por parte dos grandes meios de comunicação, de diversos e importantes temas e perspectivas em prol do efetivo desenvolvimento da sociedade brasileira sobre bases mais justas e igualitárias. Analisamos várias dimensões desse problema neste especial.

*André Pasti é mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil; e Luciano Gallas é pesquisador do MOM-Brasil, jornalista, mestre comunicação e integrante do Intervozes.

Fonte: Le Monde Diplomatique-Brasil
Via-Portal Vermelho

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