quarta-feira, 27 de junho de 2018

Um em cada 4 copos de suco de laranja vem do Brasil; trabalhadores ganham 2,1% do preço final

Estudo mostra como grandes supermercados dos EUA e da Europa lucram bilhões sem que isso signifique melhora de vida para trabalhadores rurais



A Oxfam divulgou um estudo global que mostra como um dos produtos mais conhecidos do agronegócio brasileiro, o suco de laranja, é, ao mesmo tempo, responsável pela pobreza de homens e mulheres trabalhadoras rurais e pequenos agricultores. Um em cada 4 copos de suco de laranja bebidos no mundo é brasileiro; no entanto, os trabalhadores ganham apenas 2,1% do preço final na prateleira dos supermercados; os pequenos agricultores, 3,1%.

O estudo critica a forma como os grandes supermercados dos Estados Unidos e da Europa estão lucrando bilhões sem que isso signifique uma melhora na situação dos trabalhadores e pequenos agricultores que produzem os alimentos. Os supermercados ficam com uma quantidade cada vez maior do dinheiro que seus consumidores gastam em suas lojas –em alguns casos, esse valor chega a 50%, enquanto a parcela que fica com os trabalhadores e produtores rurais pode ser menos de 5%.

A Oxfam pesquisou produtos importantes na agricultura de vários países: o cacau, na Costa do Marfim; o arroz e o atum em lata, na Tailândia; o café, na Colômbia; o feijão verde, no Quênia; a banana, no Equador; o chá, na Índia; a uva, na África do Sul; o tomate, em Marrocos; o abacate, no Peru e o camarão, no Vietnã, além da laranja brasileira. Em todos eles, a remuneração para os trabalhadores e pequenos produtores em relação ao preço final não chega a 5%.

Os dados são estarrecedores: seriam necessários mais de 4 mil anos para um trabalhador que atua no processamento de camarão na Indonésia ou Tailândia ganhar o mesmo que um típico executivo de um supermercado norte-americano ganha em um ano. Apenas 10% do que os três maiores supermercados dos EUA pagaram a seus acionistas em 2016 seria o suficiente para pagar um salário digno a 600 mil trabalhadores que atuam no processamento de camarão na Tailândia. 90% das mulheres que trabalham no cultivo de uva na África do Sul entrevistadas afirmaram não terem tido o suficiente para comer no mês anterior.

“O setor privado tem o potencial para tirar milhões de pessoas da pobreza, mas os grandes supermercados europeus e norte-americanos estão acumulando riquezas sobre o trabalho degradante de homens e mulheres no campo”, afirma Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. “Em muitos casos, devolver 1 ou 2% do preço de varejo –e isso pode significar alguns centavos apenas– poderia mudar a vida das milhares de pessoas que hoje produzem nosso alimento, mas mal têm o que comer.”

“Os supermercados precisam enxergar sua responsabilidade sobre o que vem acontecendo no outro extremo de sua cadeia produtiva, onde estão trabalhadores e pequenos e médios produtores”, explica o assessor de políticas da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni. “Com o poder de compra que possuem, eles podem definir direta e indiretamente as condições de produção, exigindo, por exemplo, o compromisso de seus fornecedores para acabar com jornadas exaustivas, empregos informais, trabalho escravo e outras condições desumanas no campo.”

O cultivo da laranja no interior de São Paulo já foi alvo de denúncias de trabalho escravo pelo Ministério Público do Trabalho. Gigante do setor, a Sucocítrico Cutrale teve seu nome estampado entre as 132 empresas autuadas na “lista suja” do trabalho escravo no ano passado por manter trabalhadores em condição análoga à escravidão. As fazendas do grupo já foram multadas diversas vezes pelo MPT em Campinas pelas más condições impostas aos trabalhadores.

A última condenação, em fevereiro deste ano, obrigou a empresa a pagar 300 mil reais em danos coletivos por manter os trabalhadores sem período de repouso e trabalhando em feriados nacionais; sem local para refeição e descanso, sem condições adequadas de higiene e conforto; sem água potável; sem instalações sanitárias conforme a norma; sem segurança no transporte; sem equipamentos de proteção individual necessários para o manuseio de agrotóxicos; e sem registro em carteira de trabalho, entre outras infrações.

A Oxfam lançou uma campanha para pressionar os grandes supermercados e governos de todo o mundo a atuarem com firmeza contra a precariedade do trabalho no campo, exigindo maior transparência sobre a procedência dos alimentos, fim da discriminação contra as mulheres e garantia de que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago pelos consumidores no varejo. Uma das soluções por parte do poder público, é estabelecer uma política de preço mínimo para as commodities agrícolas, o que beneficia os pequenos agricultores.

Para os agricultores, a sugestão da organização são as ações coletivas, que ampliam o poder de negociação de pequenos agricultores e trabalhadores. Segundo o estudo, os pequenos agricultores obtêm fatias muito maiores do preço final ao consumidor –em torno de 26%– quando estão organizados em cooperativas que podem atingir economias de escala até o ponto de exportação, em comparação com aqueles que não estão e ficam
com apenas cerca de 4%.

Com informações da Oxfam e do MPT em Campinas

Nenhum comentário:

Postar um comentário