terça-feira, 26 de junho de 2018

Por que a unificação das Alemanhas destruiu o futebol do lado Oriental?

Logo após a queda do Muro, jogadores do lado Oriental eram maioria na seleção; hoje apenas um titular vem da ex-Alemanha comunista.

OS CAPITÃES BERND BRANSCH, DA ALEMANHA ORIENTAL, E FRANZ BECKENBAUER, DA OCIDENTAL, EM 1974. FOTO: REPRODUÇÃO
Por Per Urlaub, no The Conversation*
Tradução: Cynara Menezes

A Alemanha é uma potência do futebol. No entanto, apenas um jogador da seleção que está competindo na Copa do Mundo da Rússia, o meio-campista Toni Kroos, veio da Alemanha Oriental.

Por um período de mais de 40 anos durante o século 20, a Alemanha esteve dividida em dois países separados, Oriental e Ocidental. Mas já se passaram 30 anos desde que a reunificação aconteceu, e qualquer um poderia achar que as disparidades regionais diminuíram. Então por que atualmente o futebol alemão é tão dominado por jogadores e clubes oriundos do lado Ocidental? E o que este desequilíbrio diz sobre a situação da reunificação alemã?

Durante a guerra fria, dos anos 1940 até outubro de 1990, a Alemanha Ocidental capitalista foi aliada dos Estados Unidos, enquanto a comunista Alemanha Oriental era aliada da União Soviética. Após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, as potências vitoriosas desmantelaram todas as organizações esportivas do país.

Alguns anos depois, o governo da Alemanha Oriental reintroduziu o futebol amador como parte do programa de educação física no trabalho nas grandes cooperativas controladas pelo Estado que surgiram após a estatização da economia. Enquanto isso, no início dos anos 1960, uma liga de futebol profissional, a Bundesliga, era criada no lado Ocidental.

Diferentemente do que acontecia em sua correspondente Ocidental, cujos clubes funcionavam como empresas comerciais, os times da Alemanha Oriental eram organizações fortemente controladas pelo Estado socialista. O governo da Alemanha Oriental realmente investiu nos esportes. Mas eles priorizavam os atletas olímpicos do país, não os times de futebol.

Alguns times de futebol alemães orientais, como o 1. FC Magdeburg, conquistaram considerável sucesso em competições internacionais. O ápice do futebol do país foi o gol de Jürgen Sparwasser que deu a vitória à Alemanha Oriental contra a Ocidental durante a Copa do Mundo de 1974. A Alemanha Ocidental perdeu em casa. A maioria dos alemães orientais acima dos 50 é capaz de dizer exatamente onde estava quando viu esse gol; é o “momento Kennedy” da geração deles.


Para poder competir com clubes internacionais da Europa Ocidental capitalista que podiam contratar jogadores do mundo todo, os times alemães orientais investiram em operações de recrutamento locais e em escolinhas de futebol, que identificavam e cultivavam o talento doméstico. Muitos destes jogadores amadureceram justo no momento da reunificação do país.

No verão de 1990, nove meses após a queda do muro de Berlim, a seleção alemã –inteiramente composta de alemães ocidentais– ganhou a Copa do Mundo da Itália. Como as associações de futebol do Ocidente e do Oriente ainda não haviam se tornado uma só, nenhum jogador alemão oriental esteve em campo durante o torneio.

Após o jogo, o treinador Franz Beckenbauer orgulhosamente previu que a futura vinda de jogadores do lado Leste do rio Elba tornaria a seleção da Alemanha unificada imbatível por anos. Beckenbauer estava certo? Ja und nein.

A equipe da Alemanha unificada certamente não se tornou imbatível durante os anos 1990. No entanto, os jogadores da Alemanha Oriental de fato se juntaram a seus pares alemães ocidentais na seleção. Na verdade, apenas 9 dos 20 jogadores da seleção de 2002 tinham raízes ocidentais.

Os alemães orientais que jogaram no time da Alemanha unificada nas duas décadas após a reunificação nasceram todos entre a metade dos anos 1960 até o final dos 1970. Todos tinham sido descobertos e treinados pelos programas de desenvolvimento de jovens da Alemanha Oriental.

TONI KROOS, O ÚNICO “ALEMÃO ORIENTAL” DA SELEÇÃO. FOTO: LARS BARON/FIFA
O que aconteceu? Por que –com a exceção de Kroos– nenhum destes jogadores da atual equipe nacional alemã vem da parte Leste do país? A resposta está na economia. Após a queda do muro de Berlim, os melhores jogadores orientais imediatamente se juntaram aos times no lado Ocidental que podiam pagar a eles salários mais altos. Ao mesmo tempo, como aconteceu com as economias de outros países ex-soviéticos que fizeram a transição do comunismo para o capitalismo, a rápida reorganização da economia da Alemanha Oriental levou ao colapso indústrias inteiras.

Os times da Alemanha Oriental sentiram o golpe. Nem um só clube do lado Oriental conseguiu estabelecer uma presença permanente na Bundesliga, a primeira divisão alemã. Sem receber subsídios governamentais e incapazes de obter dinheiro de acordos com a televisão e parceiros privados como sua irmã Ocidental, os clubes orientais foram forçados a reduzir radicalmente suas escolinhas.

Kroos naturalmente é o ponto fora da curva. Mas ele deve pouco aos times de futebol da Alemanha Oriental. Seu pai, Roland Kroos, foi um treinador de futebol. Roland não só identificou o potencial do filho, como foi capaz de desenvolver os talentos de seu garoto. Quando Kroos era um adolescente, seu pai o colocou na escolinha de um dos mais exitosos impérios do futebol, o Bayern de Munique. Foi no Ocidente que Toni –apelidado pelo pai de “projeto familiar”– amadureceu como jogador antes de se transferir para o Real Madrid, onde joga quando não está atuando na seleção.

Hoje, o domínio do Ocidente no futebol alemão simboliza as divisões econômicas do país. Como muitas outras indústrias, o futebol da Alemanha Ocidental saiu na frente após a unificação. O desequilíbrio geográfico no futebol alemão é emblemático das não admitidas desigualdades econômicas entre Oriente e Ocidente que persistem até hoje.

*Per Urlaub é pró-reitor de Escolas de Línguas e Professor Associado do Middlebury College

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