Óscar Romero/Wikipédia |
Publicado no Unisinos
O “Getsêmani” de Dom Óscar Romero antes de ser assassinado
em plena missa: “Tenho medo, vão me matar”, temia o bispo salvadorenho.
O artigo é de José María Castillo, teólogo, publicado por
Religión Digital, 10-10-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Ninguém põe em dúvida que Dom Óscar Arnulfo Romero foi um
bispo exemplar. Tão exemplar que quanto mais se conhece a sua vida, mais se
aprecia e mais se admira. Isso é o mais claro e o mais seguro que posso
afirmar, depois dos 17 anos que fui professor de Teologia na UCA, a
Universidade dos jesuítas em El Salvador.
Eu não conheci Romero. Isso porque quando comecei a ir à
América Central, fazia já nove anos que o haviam matado. Porém sua lembrança
estava então, e segue agora, tão viva no povo, na gente, que todo mundo fala
dele. Sem dúvida alguma, Monsenhor Romero é o salvadorenho mais universal, que
presenteou com aquele país cativante a Igreja e o mundo.
Agora quando o papa Francisco o propõe como exemplo de
crente e de bispo, se recordam seus melhores exemplos de vida e de fidelidade
ao Evangelho. Mas na vida de um homem como Romero, sempre há dados e detalhes
que ninguém imagina. Romero foi um santo. Mas antes que um santo, foi um ser
humano, profundamente humano. E isso é o que quero recordar aqui.
Quando no domingo, 23 de março de 1980, o arcebispo Romero
disse em sua homilia da catedral de San Salvador: “Em nome de Deus, e em nome
desse sofrido povo, cujos lamentos sobem até o céu cada dia mais tumultuosos,
lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno em nome de Deus: cessem a repressão!”. Com
essas palavras, Romero firmou sua sentença de morte.
Romero depois de ser baleado. Foto: Religión Digital
Naquele mesmo domingo, à tarde, um sacerdote – que passados
os anos me contou – foi ver Romero. O arcebispo estava sozinho, em uma pequena
casinha que lhe haviam deixado em “El Hospitalito”. O padre, que me contou essa
cena, encontrou Romero sozinho e emocionalmente “afundado”.
Suas palavras foram poucas e tremendas: “Tenho medo, muito
medo, vão me matar. E eu não quero morrer, porque amo a vida. O pior de tudo é
que me custa muito rezar… Não sinto Deus”.
O sacerdote que escutou essas palavras tentou dizer algo que
pudesse dar alento ao arcebispo em “seu Getsêmani”. Pediu-lhe que insistisse na
sua oração. E que tentasse descansar. Na manhã seguinte, o mesmo sacerdote
voltou a ver Romero. Pôde dormir um pouco. E estava mais animado. O final foi
naquela mesma tarde. Já conhecemos.
A Bíblia nos diz que Jesus teve medo antes de morrer. E
“ofereceu orações e súplicas, com gritos e lágrimas, ao que poderia salvá-lo da
morte; e Deus o escutou, mas depois daquela angústia”. (Heb 5,7).
Identificar-se com o destino dos piores tratados pela vida é duro, muito duro.
E ninguém escapa de semelhante destino.
Se for levado a sério, e com todas as suas consequências, o
desejo de justiça é o que pode fazer mais suportável este mundo. Nisso consiste
o centro do cristianismo, que não é uma religião. É um projeto de vida, que
consiste na luta e na dor para aliviar o sofrimento que a vida leva consigo.
E que ninguém me diga que é ficar na terra negando o céu.
Nada mais – e nada menos – que Immanuel Kant deixou dito em uma frase lapidária:
“A práxis há de ser tal, que não se possa pensar que não exista um além”.
Se isso se aceita de verdade e se integra nas nossas vidas,
terminaremos gritando e com lágrimas. Mas isso será o preço de um mundo mais
humano, que nos abre a esperança ao além.
Via - DCM
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