sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O Fetiche e a sedução na engenharia social em “A.I. Rising”

Ao lado de filmes como “Ela”, “Ex Machina”, “The Machine” e “Zoe”, a produção sérvia “A.I. Rising” (2018) faz uma reflexão das profundas mudanças no atual desenvolvimento da Inteligência Artificial, presente em cada aplicativo, motor de busca ou sistema operacional. Já não temos mais máquinas ameaçadoras querendo substituir o homem, como o computador HAL 9000 de “2001”. 


Por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Através da engenharia social, agora criam-se programas sedutores e fetichistas que oferecem a aparência do controle ao usuário. Mas que, na verdade, nos monitoram, controlam e preveem cada padrão comportamental, sob a ilusão da customização e consumo. O astronauta Milutin, acompanhado de um androide feminino, percorrem uma longa missão na direção de Alfa Centauri. Trava-se uma relação intima, erótica e fetichista de um homem com uma “I.A.” corporativa, produto de ponta da engenharia social da Ederlezi Corporation.

Os leitores mais antigos deste humilde blog Cinegnose já devem estar familiarizados com a Cosmologia do Gnosticismo: uma divindade decaiu nessa esfera material e criou o Universo, tal como conhecemos. Inebriado pelo poder, por acreditar ser o Deus único e Todo Poderoso, confina a humanidade nesse cosmos, mantendo-a na ignorância através de três tentações irradiadas tanto pelos Arcontes como também pela indústria do entretenimento: as religiões consoladoras, o hedonismo (sexo perverso e consumismo) e a racionalização terapêutica (a engenharia do espírito).

São formas de esquecimento, seja pela alienação religiosa, pelos prazeres efêmeros ou pela anestesia do espírito.

À Religião, erotização do consumo e todo aparato de “cura espiritual” (da autoajuda às drogas lícitas farmacológicas), soma-se agora a engenharia social – manipulação psicológica com o objetivo de que as pessoas sigam comandos a partir de informações comportamentais e psicológicas secretamente extraídas de amplos públicos-alvo. 

Principalmente na atualidade, com o desenvolvimento da Inteligência Artificial através de motores de busca na Internet, Big Data, machine learnings e algoritmos que probabilisticamente antecipam comportamentos, hábitos e atitudes.

Mas a vantagem da engenharia social em relação às formas tradicionais de esquecimento (alienação, hedonismo e anestesia) é que não precisamos mais procurar um objeto externo: um deus, um produto ou uma droga. Agora, encontramos gadgets (IAs, aplicativos, sistemas operacionais etc.) que aprendem conosco e passam a nos conhecer melhor do que nós mesmos.

Filmes como Ela, Ex Machina, The Machine ou Zoe começaram a fazer reflexões sobre o destino humano diante dessa nova engenharia, ao mesmo tempo invasiva e sedutora: porque são confessionais e até íntimas – nos conhecem, nos adulam e antecipam nossos pensamentos e ações.

Uma nova forma de esquecimento, através do solipsismo – a sensação de que o mundo não existe, a não ser nossas próprias experiências solitárias.

O filme sérvio A.I. Rising (2018), em alguns aspectos, lembra 2001 de Kubrick: o ritmo lento e as panorâmicas do espaço infinito mostrando uma nave em uma longa missão para uma colônia de Alpha Centauri. E a relação íntima de uma tripulação composta por um único astronauta, o computador da imensa nave e um androide feminino dotado de sofisticados softwares baseado nas avançadas pesquisas de engenharia social no século XXII.

Mas, ao contrário do clássico de Kubrick, não há um duelo mortal do homem contra a máquina. O protagonista luta contra si mesmo – os softwares do androide possuem todas as teorias da psicologia e da psicanálise transcodificadas em algoritmos, transformando o drama do protagonista num confronto com uma máquina que parece conhecer seu usuário mais do que ele mesmo.

Ele quer buscar algo de humano e real dentro da A.I. Enquanto para o androide tudo que importa é seduzir o “usuário” para que este cumpra a missão da Ederlezi Corporation.

O Filme
  Estamos em 2.148. Social e economicamente, o mundo conseguiu estabelecer uma fusão entre Capitalismo e Socialismo: a sociedade é governada por gigantescas corporações, cuja engenharia social conseguiu transformar em algoritmos e softwares teorias sociais, psicológicas e ideologias políticas.

Depois que cada pedaço do planeta já foi explorado pelas corporações, o alvo agora são as colônias existentes em diversos planetas. Por isso, é crucial enviar para cada uma delas uma “ideologia” que rodará como um software numa colônia, dando sentido e propósito a todos.

A.I. Rising inicia com uma entrevista admissional para uma longa missão: uma engenheira social da Ederlezi Corporation entrevista Milutin (Sebastian Cavazzi), um experiente “cosmonauta” (estamos em Moscou) que deverá levar uma ideologia chamada “Juche” – um tipo de ideologia para “especialistas”. O filme não dá maiores detalhes.

Milutin é uma pessoa arredia, solitária e antipática. Um homem ao velho estilo do século XX. Sempre preferiu trabalhar em missões solitárias. Mas dessa vez, pela importância e duração da missão, Milutin terá uma companhia: um androide feminino modelo Nimani 1345 (Stoya) – uma AI avançada, customizável, mas com um programa secreto, corporativo, para o qual Milutin não terá acesso: o “TIFA”. Um programa que monitora a nave e, principalmente, comportamentos e atitudes de Milutin. Que serão reportados à Ederlezi Corporation.

Machista e misógino, Milutin resiste à inédita companhia: ele teve um histórico traumático com diversas mulheres. Principalmente porque ele descobrirá que, na verdade, é ela, Nimani, que terá o controle da missão.

Está claro que o primeiro papel da atraente Nimani é tornar a longa viagem mais agradável e suportável. A nave não é exatamente uma Enterprise, de Star Trek. Parece mais uma velha instalação industrial abandonada, com paredes de aço enferrujadas. Por isso, ter um “playtoy” erótico inteiramente sob seu controle através de um tablet, é bem sedutor.

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