quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Fidel e Ho Chi Minh, encontro além da morte


Por Alberto Salazar Hanói (Prensa Latina) Ho Chi Minh morreu em 2 de setembro de 1969 e Fidel Castro só pôde visitar o Vietnã quatro anos depois, mas nem mesmo a fatalidade poderia impedir o encontro entre aqueles dois homens que professaram uma imensa amizade.

Os líderes políticos, oficiais militares, ministros, embaixadores, tradutores, jornalistas e outros que tiveram a oportunidade de falar com eles ou testemunhar expressões uns dos outros, afirmam que seus pontos de concordância foram tantos que transcenderam o mero contato físico.

Seus escritos e oratória também refletiam um respeito e admiração mútuos e profundos, tanto pessoalmente quanto para com aqueles dois povos cuja epopeia moveu o mundo por causa dos sacrifícios que eles fizeram para esculpir um destino digno diante do mesmo inimigo.

Na primeira de suas três visitas ao Vietnã (12-17 de setembro de 1973), o então primeiro-ministro cubano não fez uma única aparição pública onde o grande ausente não brilhasse. E em suas conversas com os líderes vietnamitas, como eles disseram, a mesma coisa aconteceu.

Algumas horas depois de chegar a Hanói, Fidel fez um atento e respeitoso passeio pelos lugares onde Ho Chi Minh trabalhou e passou seus últimos dias.

Uma delas, talvez a mais cativante, era a pequena casa onde o tio Ho morava em preferência ao suntuoso palácio que ele tinha o direito de habitar por causa de sua posição.

Em estilo colonial, o edifício havia sido a residência particular do governador francês e, após a independência do Vietnã (1954), o Partido e o Estado o consideraram o local apropriado para abrigar o presidente e seus escritórios.

Mas embora possa parecer contraditório, Ho Chi Minh não se sentiu à vontade no meio de tanto espaço e disse que não podia viver rodeado de luxo enquanto seu povo sofria tantas privações e calamidades.

Assim, perto do palácio, ele tinha uma pequena casa de madeira construída sobre palafitas e sem mais espaço do que o necessário.

Lá, em 13 de setembro de 1973, na companhia do Primeiro Ministro Pham Van Dong e do General Vo Nguyen Giap, Fidel ficou emocionado com a austeridade com que o tio Ho vivia.

No andar térreo, a mesa onde ele costumava se reunir com o Bureau Político e numa prateleira cheia de livros, um imperdível: 'Guerrilla Warfare', de Ernesto Che Guevara.

Lá em cima, no quarto, a cama ascética, arrumada, tipo apóstolo, onde o arquiteto da independência do Vietnã disse adeus a quem sabe quantas noites sem dormir.

Em um simples guarda-roupa de madeira, as sandálias e alguns trajes tradicionais. E sobre uma pequena mesa, as últimas cópias do jornal Nhan Dan (O Povo), um ventilador e um despertador.

Na cozinha e na sala de estar, nada a mais para quem precisava de tão pouco...

Ao lado de uma das janelas, a velha poltrona onde eu costumava ler e meditar sobre o presente e o futuro de um país que vinha lutando por sua independência há centenas de anos... Quantas vezes ele sonhou lá com um Vietnã 10 vezes mais bonito!

Perto da casa de madeira há outra sólida alvenaria onde os líderes do país aconselharam Ho Chi Minh a se mudar quando o bombardeio americano de Hanói fez o presidente temer por sua vida.

Em uma das salas há uma mesa com 10 cadeiras, e em uma das paredes há um grande mapa do Vietnã - do Norte e do Sul, porque o país era um só - com marcas sobre o desenvolvimento da guerra.

Lá, o General Giap explicou a Fidel que os últimos sinais refletiam a situação no momento da morte de Ho Chi Minh, e o atualizou sobre como as coisas estavam indo. Faltavam apenas 19 meses para a vitória final.

Fidel também estava no pequeno lago localizado ao lado das duas casas. Em alguns passos que levavam às águas calmas, o tio Ho os acenava ou batia palmas para avisar as barracas que lhes trazia sua comida diária.

Não é preciso muito para imaginar que a visita a esses lugares sagrados foi um momento de reencontro espiritual entre os líderes históricos dos dois países.

Na época da visita de Fidel, os restos mumificados de Ho Chi Minh ainda não descansavam no mausoléu onde se encontram hoje. Na verdade, a construção do monumento começou 10 dias antes de sua chegada e só foi inaugurado quase dois anos mais tarde, em 29 de agosto de 1975.

Mas o líder cubano não precisava de nada mais para segurar seu peito do que uma crescente admiração por Ho Chi Minh.

Algumas horas antes de retornar a Cuba, após visitar cenários de guerra no centro do país, conversar por longas horas com líderes vietnamitas e ver uma vitória que era 'simplesmente uma questão de tempo', Fidel sintetizou suas impressões daqueles dias em um discurso.

'Viemos para esta terra heróica com grande admiração pelo povo vietnamita e partiremos com ainda maior admiração. Somos encorajados por suas vitórias e seu extraordinário exemplo, e somos infinitamente gratos a eles pela hospitalidade e amor com que nos receberam', disse ele.

E enfatizou que estava partindo com apenas um arrependimento, 'o de não ter tido o privilégio de conhecer o Presidente Ho Chi Minh na vida, a quem tanto admiramos'.

Algo, porém, o consolou: 'Mas somos compensados pelo fato de termos visto e conhecido o povo vietnamita de perto e vermos refletido neles sua obra, seus ensinamentos, seu trabalho, sua educação, seu exemplo, seu heroísmo, sua modéstia.

Fidel Castro visitou novamente o Vietnã em 1995 e 2003. E sempre, antes e depois, ele sentia o mesmo respeito e admiração pelo amigo, pelo irmão que ele só podia encontrar no caminho das ideias.

Um caminho pelo qual agora, em 2 de dezembro, o 60ú aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas, as duas nações continuam a caminhar.

arb/asg/bm

*Correspondente de imprensa latina no Vietnã

Via – Prensa Latina

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