terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Devo estar a ficar velho

 


E no entanto, sem que me dê conta, ainda me apetece apalpar a algibeira à procura da fisga. Ainda gostava de ter um canivete de madrepérola com sete lâminas, saca-rolhas, tesoura, abre-latas e chave de parafusos.

Ainda queria que o meu pai me comprasse na feira de Nelas um espelhinho redondo com a fotografia de Yvonne de Carlo em fato de banho do outro lado.

Ainda tenho vontade de escrever o meu nome depois de embaciar o vidro com o hálito. Ainda caminho pela borda do passeio sem pisar os intervalos das pedras.

Ainda me apetecia que o meu avô me viesse fazer uma festa à cama. Ainda gosto de resolver os hieróglifos comprimidos dos Almanaques Bertrand do sótão organizados pela Sra.

 D. Maria Fernandes Costa e de escrever nas soluções quando a pergunta é Grande Escritor Português Infelizmente Já Falecido, o nome do emérito poeta General Fernandes Costa.

Pensando bem (e digo isto ao espelho) não sou um senhor de idade que conservou o coração de menino.

Sou um menino cujo envelope se gastou.

António Lobo Antunes — Livro de Crónicas.

No Sonhar a Realidade

Nenhum comentário:

Postar um comentário