No Empório do Direito
O parecer apresentado pelo Senador Antonio Anastasia, do
PSDB, encaminhando para o recebimento da acusação da Presidenta Dilma Roussef,
padece de um erro de trajeto que pode torná-lo imprestável, justamente porque:
1) Confunde julgamento administrativo com penal,
convenientemente abraçando-se com a tese da analogia, da interpretação
ampliada, da simples conveniência e oportunidade, buscando escapar da ausência
– flagrante – de conduta típica. Invoca a Lei de Introdução ao Código Penal,
especificamente na ausência de pena, mas esquece-se que o Supremo Tribunal
Federal já declarou constitucional, pelo menos em tese, o art. 28 da Lei
11.343/06 (uso de drogas) em que não há sanção (reclusão ou detenção), embora
discuta a legitimidade da criminalização (RE 635.659), bem assim que as
disposições inseridas na Lei 1.079/50, deram-se pela Lei 10.28/2000, que trouxe
alterações “penais”, expressamente indicando as administrativas no art. 5o
(confira aqui).
2) Com isso, o relator (aqui) deixou de reconhecer as
garantias penais – Não há crime sem lei anterior que a defina. Não há pena sem
prévia cominação legal (Código Penal, art. 1º); Ninguém pode ser punido por
fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a
execução e os efeitos penais da sentença condenatória (Código Penal, art. 2º).
3) Se assim for, desnecessária seria a existência de
tipicidade – descrição de conduta vedada em lei – para que o processo de
impeachment possa ir adiante. Tanto assim, aliás, que o pedido inicial parte
justamente da verificação de violação à regra de conduta.
4) Conforme já deixei assentado (aqui), o impeachment: É
julgamento de Direito Penal e, portanto, munido das garantias do devido
processo legal, dentre eles o da correlação entre acusação e decisão[1]. A
decisão do Congresso deve guardar congruência entre a acusação e a decisão[2].
Não se trata de juízo final, em que se poderia julgar a presidente como pessoa,
mas sim pela conduta imputada. Assim, distante das questões de conveniência e
oportunismo[3].
5) Logo, se o julgamento escapa das garantias penais, por
mecanismos retóricos, cabe ao Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, garantir
a autonomia e eficácia do Direito Penal, especialmente da taxatividade e legalidade.
6) Independemente da coloração partidária, então, a
prevalecer a mesma lógica, um Ministro do Supremo Tribunal Federal, por
exemplo, poderia ser cassado pela conveniência e oportunidade do parlamento,
sem a realização de conduta típica?
7) Vamos aguardar a manifestação do Supremo Tribunal.
Notas e Referências
[1] TAVARES, Juarez; PRADO, Geraldo. O Direito Penal e o
Processo Penal no Estado de Direito: Análise de Casos. Florianópolis: Empório
do Direito, 2016, p. 11-66, especialmente “O processo de impeachment no Direito
brasileiro”.
[2] NASSIF, Aramis. Sentença Penal: o desvendar de Themis.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; BISSOLI FILHO, Francisco. Linguagem e
Criminalização. Curitiba: Juruá, 2011; VIEIRA LUIZ, Fernando. Teoria da Decisão
Judicial: dos paradigmas de Ricardo Lorenzetti à resposta adequada à
Constituição de Lenio Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
[3] BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; SILVA,
Diogo Bacha e; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo
Tribunal Federal: História e Teoria Constitucional Brasileira. Florianópolis:
Empório do Direito, 2016.
Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da
UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito
(UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito
(TJSC).
Via - Jornal GGN
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