Tem-se de um lado a completa desarticulação das instituições
civis, uma irresponsabilidade ampla e generalizada em relação ao cargo de
presidente. Enfraquecida, a presidência passa a ser atacada por enxames de aves
predadoras até estar prestes a ser apeada do poder, em favor de um
vice-presidente de escassa legitimidade, com a falência dos sistemas de
mediação, a começar do STF (Supremo Tribunal Federal).
Esse vácuo de poder cria uma corrida das corporações
públicas para ampliar seu espaço no Estado. Ministério Público e Tribunais de
Conta ampliam em cima da missão do combate à corrupção. O Poder Judiciário
amplia porque é poder.
É nesse quadro que se insere a corporação militar. Com a
diferença, que é uma corporação armada e precisa encontrar um tema legitimador.
Peça 2 – o contexto militar
Nos últimos anos, beneficiadas pelos ventos favoráveis da
economia e quando parecia que o país começava a desenvolver um projeto
autônomo, as Forças Armadas pareciam ter encontrado o lugar de suas congêneres
em todas as médias potências. De um lado, avançaram em projetos de
aperfeiçoamento tecnológico, desde o reaparelhamento da Força Aérea ao submarino
nuclear, de mísseis a sistemas de radares. E a missão parecia claramente
delineada em defender a Amazônia verde, a chamada Amazônia azul e as
fronteiras.
Agora, o jogo começa a mudar. A crise fiscal e o desmonte da
estrutura de empresas associadas acenam com a escassez de verbas. A
geopolítica, por trás da Lava Jato e do projeto PMDB-PSDB, remete de novo para
o papel de potência auxiliar da diplomacia norte-americana.
Mas com o vale-tudo corporativo instituído, começam a
aparecer os planos de devolver algum protagonismo político às Forças Armadas, a
exemplo do ativismo atual do MPF, do TCU e das demais corporações de estado.
Com a diferença que se trata de uma corporação armada.
Mas qual a missão legitimadora nesses novos-velhos tempos?
Peça 3 – o governo Michel Temer
Consumado o golpe, Michel Temer assumiria a presidência em
um quadro de ampla instabilidade política, agravado pela perda de seu mais
eficiente operador, Eduardo Cunha.
Não haverá como se apresentar à opinião pública com um
ministério de notáveis. Por outro lado, para dar conta dos compromissos
firmados com o mercado, terá que recorrer a medidas fiscais drásticas,
ampliando a reação dos movimentos sociais e o mal-estar geral. E não terá
recursos para manter os programas de renovação das Forças Armadas.
É aí que se junta a Peça 3 com a Peça 2: identificação de um
novo inimigo interno e externo que justificasse a volta do protagonismo
político.
Do lado de Temer, uma das maneiras de desviar o foco das
críticas seria a criação do inimigo interno. Nos últimos anos, uma certa
imprensa de ultradireita recriou versões tupininquins da Guerra Fria, com
pirações de toda ordem – como a invasão das FARCs, a aliança com as forças
bolivarianas. A tentativa de recriação da legitimidade política das Forças
Armadas passa por aí.
Peça 4 – as cassandras de volta aos quarteis
A maneira dos militares voltarem para a política seria
através da recriação de uma estrutura militar de controle no governo federal,
mas diferente do extinto GSI (Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República) e mais próximo do SNI (Serviço Nacional de
Informações) e da segurança presidencial.
Quem está à frente dessas articulações é o general Sérgio
Etchegoyen, chefe do Estado Maior do Exercito Brasileiro e de uma família que
faz parte da própria história do Exército.
O meio campo com o governo Temer está sendo articulado pelo
filósofo Denis Rosenfield, articulista do Estadão e colaborador do Instituto
Milenium. Denis é amigo de Etchegoyen, provavelmente devido à mesma origem
gaúcha, foi indicado assessor de Temer e há indícios de que mantem contatos com
governos estrangeiros.
No dia 22 de abril, por exemplo, encontrou-se com Etchegoyen
no Centro Brasil 21, em Brasília. Dois dias antes, a pedido de Etchegoyen, agendou
jantar na residência do general com os comandantes da Marinha e da Aeronáutica.
A intenção era montar uma frente que forçasse Temer a assumir compromisso de
nomear um militar para o Ministério da Defesa. O indicado seria o general
Joaquim Silva e Luna, Secretário Geral do Ministério do Exército.
Além disso, se tentaria arrancar de Temer o compromisso de
assegurar a permanência dos comandantes em seus postos, recriar o Gabinete de
Segurança Nacional, sob a chefia do general Etchegoyen, e colocar Denis na
Secretaria de Comunicação da Presidência. Para o lugar de Etchegoyen iria o
General Mourão, de pensamento similar.
Antes do jantar, Denis vazou para o Estadão matéria sobre a
manutenção dos três comandantes, criação do GSI e controle da inteligência. A
intenção foi criar um fato consumado para Temer.
Segundo oficiais críticos da proposta, nem Marinha em
Aeronáutica compactuaram com a ideia de retorno ao cenário político.
No último domingo Etchegoyen encontrou-se com Temer, para
tentar impor a criação do gabinete. Os argumentos de pressão são os riscos de
perda de controle dos movimentos sociais, ameaças bolivarianas de governos
vizinhos. Na terça passada, foi a vez do
general Eduardo Villas Bôas visitar o vice no palácio Jaburu.
Há relatos de consultas a alguns governos estrangeiros,
visando ganhar apoio para a proposta. Provavelmente, entra aí o fator Boeing, a
anulação da compra de jatos da Suécia
Peça 5 – a indicação do Ministro da Justiça.
A Lava Jato conseguiu afastar do Ministério da Justiça o
criminalista Antônio Mariz de Oliveira, um militante histórico da humanização
das prisões. Para seu lugar está cotado Alexandre de Moraes, o truculento
Secretário de Segurança de São Paulo.
Moraes surfou por vários partidos. Sob seu comando,
aumentaram as denúncias de violência da Polícia Militar e caíram as punições.
É a mais radical vocação autoritária que passou por São Paulo desde o infausto Secretário Saulo de
Castro Abreu.
Conclusão
Este são
apenas alguns dos fantasmas que surgem no horizonte político, a partir
da consolidação do chamado golpe parlamentar. Se não houver um mínimo de bom
senso nos próximos dias, o país ingressará em uma aventura política de final imprevisível.
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