Especialistas entrevistados pelo Brasil de Fato avaliam que
determinadas espécies podem demorar até mesmo séculos.
Brasil vive a maior onda de queimadas dos últimos cinco anos
/ (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace)
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Lu Sudré
Brasil de Fato
Os incêndios que se alastram pela Amazônia tornaram-se uma
grande preocupação mundial ao longo dos últimos dias. Segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil vive a maior onda de queimadas
dos últimos cinco anos. Somente em 2019, o número de focos de incêndio chega a
7.003.
Imagens das chamas que consomem partes do território
amazônico, intensificadas no mês de agosto, retratam um cenário desolador. Na
opinião de especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, devido à extensão das
queimadas, os danos à fauna e flora locais são de imensa gravidade.
Para pesquisador do Instituto de Manejo e Certificação
Florestal e Agrícola (Imaflora) Roberto Palmieri, levará muito tempo para que a
Amazônia volte a ser o que era.
“Em um incêndio florestal uma área como a amazônica demora
décadas para se recuperar. No mínimo. Se for um incêndio florestal em uma
vegetação com árvores seculares, serão alguns séculos para recompor. Estamos
falamos em uma perda na qual a recuperação possivelmente não irá recompor a
diversidade que tínhamos agora nesses locais”, alerta.
Ele reforça que o cenário é ainda pior quando se trata de
regiões da Amazônia com árvores antigas. “São décadas se considerarmos
florestas que já foram mexidas. Se forem florestas primárias, com árvores de
porte grande, estamos falando de mais de um século. Sem exagero nenhum, estamos
falando em cem anos para recuperar a diversidade de uma área como essa, que foi
queimada”, explica.
Gabriel Ribeiro Castellano, engenheiro agrônomo pela
Universidade de São Paulo (USP) e ex-gestor da Floresta Estadual Navarro de
Andrade, unidade de conservação com mais focos de incêndio no estado de São
Paulo, concorda.
“A floresta possui uma estrutura e espécies com diferentes
funções ecológicas. As árvores clímax, ou seja, as grandes árvores que geram
sombra para as demais formas de vida, podem demorar mais de mil anos para
chegar em seu tamanho máximo. Desta maneira, a recuperação das funções
ambientais de uma vegetação primária queimada na Amazônia pode demorar alguns
séculos”, acrescenta.
Animais mortos
Mestre em geociências e meio ambiente, Castellano afirma que
todo o ecossistema é prejudicado com as queimadas. Dessa forma, a destruição da
flora resulta também na destruição da fauna.
Segundo ele, a carbonização é a primeira consequência
sentida pelo reino animal. As espécies que não morrem de imediato podem sofrer
ferimentos incapacitantes ou letais.
“Alguns animais e a maioria dos mamíferos pode, através do
olfato, sentir a chegada do fogo e assim conseguem fugir de forma rápida. As
aves são menos atingidas porque podem voar, porém ovos e ninhos são destruídos.
Existem alguns mamíferos mais lentos que são mais atingidos como tamanduá,
bicho preguiça e filhotes de todas as espécies. Após o fogo, com a perda dos
habitats, os animais podem morrer por falta de abrigo ou alimento”, explica
Castellano.
A fauna da Amazônia é reconhecida internacionalmente por ser
constituída por milhares de espécies de animais, entre répteis, anfíbios,
peixes, aves, insetos e mamíferos terrestres e aquáticos. Muitas delas
endêmicas, ou seja, só ocorrem nesta região.
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Roberto Palmieri comenta que, na proporção que as queimadas
estão se expandindo, até mesmo animais carnívoros de grande porte como onças e
jaguatiricas, que conseguiriam escapar dos incêndios com maior facilidade,
podem ser afetados.
Ele ressalta que a fauna do solo, tão importante quanto o
restante do ecossistema, é a mais atingida em incêndios e desmatamentos.
“Há uma riqueza de micro-organismos vertebrados e
invertebrados que vivem no solo. Minhocas, aracnídeos, uma série de outros
insetos. Eles são eliminados conforme o fogo passa, o calor acaba com eles. E
essa fauna do solo é fundamental para manter toda a flora… Uma flora saudável,
depende de um solo rico, nutricionalmente falando, e são os micro-organismos da
fauna do solo que mantém essa qualidade”, pontua Palmieri.
“Quando falamos em Amazônia e vemos aquelas florestas
exuberantes, com árvores gigantescas, o que mantém aquelas árvores enormes, é
um solo fértil, saudável, rico em nutrientes. Só são possíveis graças a esses
microorganismos”, continua o especialista.
Dia do fogo
Devido ao tempo seco comum a esta época do ano, as zonas de
florestas do país tornam-se mais suscetíveis a incêndios. Porém, as chamas da
última semana têm origem, majoritariamente, na ação predatória de fazendeiros.
Em busca de expansão das áreas de pastagem ou para
plantações de soja, os produtores organizaram o Dia do Fogo em 10 de agosto.
Neste dia, em Novo Progresso, no Pará, aconteceram 124 focos de queimadas. No
dia seguinte, foram 203 casos. A ação se espalhou por outras regiões nos dias
seguintes.
Com a extensão do fogo, Castellano lamenta que a fumaça
tenha afetado os sentidos dos animais, que, intoxicados e desorientados, não
tiveram opção.
“Como os focos de incêndio foram coordenados e ocorreram em
diversos pontos na mesma região, pode ter ocorrido fogo de encontro, ou seja,
dois focos de incêndio se encontram, um
vindo de cada lado. Desta maneira os animais ficam sem escapatória e aquele
animal que estava fugindo de um foco de incêndio para a direção contrária,
acaba surpreendido”, assinala.
Ele avalia ainda que, com os incêndios, o Brasil possa ter
perdido espécies que ainda não haviam sido registradas. “O maior risco é de
espécies de insetos ou mesmo de microrganismos estarem sendo extintas sem ao
menos terem sido descobertas porque é muito mais difícil registrar e catalogar
esses espécimes”, diz o engenheiro agrônomo.
Natureza fragmentada
Conforme informações disponibilizadas pelo Ministério do
Meio Aambiente (MMA), a Amazônia é o maior bioma do Brasil e abriga um terço de
toda a madeira tropical do mundo, além de mais de 30 mil espécies de plantas.
“Toda essa fauna depende da flora local para viver ou se
alimentar. Na Amazônia ocorrem aproximadamente 5.000 espécies de árvores, 3.000
de ervas, 1.300 arbustos, além de trepadeiras e outras formas de vida. Toda
essa biodiversidade está ameaçada… Até mesmo os peixes que dependem das matas
ciliares (formação vegetal localizada nas margens dos córregos, rios e lagos)
para a proteção da qualidade da água”, complementa Castellano, acrescentando
que nos rios amazônicos existem cerca de 85% de espécies de peixes da América
do Sul.
O engenheiro agrônomo explica que, ao destruírem árvores, as
queimadas perpetuam a fragmentação das florestas. Neste processo, o que era uma
floresta contínua se torna pequenas matas isoladas, alterando toda a estrutura
de vegetação local. O processo também faz com que animais e outras plantas
tenham que migrar para outras áreas para sobreviver.
Governo Bolsonaro
Na quinta-feira (22), Emmanuel Macron, presidente da França,
convocou o G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,
Itália, Japão e Reino Unido), para discutir os incêndios da Amazônia,
considerados por ele uma crise internacional.
Até a convocação de Macron, Jair Bolsonaro só havia dito –
sem apresentar provas – que ONGs estariam por trás do aumento das queimadas no
Brasil, acusação repudiada por especialistas de todo país.
Apenas após a pressão internacional, na tarde desta
sexta-feira (24), o presidente do PSL assinou um decreto de GLO (Garantia da
Lei e da Ordem) que autoriza o emprego das Forças Armadas na Amazônia.
Conforme o documento, que será publicado em edição extra do
Diário Oficial da União, militares poderão atuar em "áreas de fronteira,
terras indígenas, unidades de conservação ambiental e em outras áreas da
Amazônia Legal". A validade é de um mês, entre 24 de agosto e 24 de
setembro.
Roberto Palmieri critica as declarações de Bolsonaro e
aponta os responsáveis: “A quem interessa os incêndios florestais na Amazônia?
Não interessa às ONGs, interessa aos produtores rurais que querem limpar suas
áreas. É assim que é feito, tradicionalmente, a limpeza das áreas da Amazônia.
Derruba e taca o fogo. O fogo limpa e aí vem o pasto, outras culturas”,
comenta.
Na opinião do gestor do programa de Florestas de Valor do
Imaflora, Bolsonaro erra ao ignorar e desqualificar informações estratégicas
como as disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Para Gabriel Ribeiro Castellano, se o cenário de destruição
não for interrompido, o futuro da biodiversidade brasileira estará totalmente
comprometido.
“É possível que a Amazônia vire uma grande monocultura e a
cana de açúcar, a soja ou o milho, dominem as paisagens. [É possível] que
muitas espécies acabem extintas mesmo antes de serem descobertas. Podem ainda
ocorrer problemas relacionados à qualidade do ar, ao comprometimento do solo e
a poluição dos recursos hídricos”, analisa.
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