Taxação de grandes fortunas e a auditoria da dívida são
instrumentos para atacar o problema de deficit nas finanças.
Auditoria é um meio de expor o funcionamento normal do
“mercado da dívida” / Arte | Jubileu Sul.
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Chico de Filippo, André Lima e Luis Fernando Novoa*
A dívida pública é fruto das diretrizes políticas monetária,
tributária, cambial e da própria política do governo como um todo. Por exemplo,
no início do Plano Real, o crescimento da dívida ocorreu em virtude das
operações de mercado para garantir o Real valorizado e, assim, além de diminuir
a taxa de inflação, incentivar as privatização e desindustrializar o país.
Quem são os reais credores da dívida pública brasileira? No
artigo “Quem são os proprietários da dívida pública brasileira”, Gustavo Pedro
e João Pinto demonstram quem realmente se beneficia dos juros oriundos dos
títulos da dívida pública.
Os autores utilizam dados do Banco Central. Entre 2011 e
2014 nove bancos se revezaram entre os cinco principais credores: Bradesco,
Santander (Espanhol), Caixa Econômica Federal, HSBC (Holanda), Goldman Sachs
(EUA), Itaú, Unibanco e Citibank.
“É importante frisar que esse processo não passa por nenhum
tipo de licitação e é bem restritivo, tendo como critérios o volume de capital social
da instituição, um suposto “padrão ético de conduta” e avaliações de desempenho
em leilões anteriores – o risco de formação de cartel por tais instituições nos
leilões de títulos é evidente”, afirmam os autores.
O que explica os lucros exorbitantes dos bancos em pleno
período de crise econômica? Cerca de 40% da renda dos bancos vêm de aplicações
em títulos da dívida pública. São as instituições financeiras, em sua maioria,
privadas, as principais negociadoras e detentoras do estoque da dívida pública
interna.
O endividamento público é um dos instrumentos para se atacar
um problema de deficit nas finanças públicas. Mas a taxação de grandes fortunas
e a auditoria da dívida pública também servem para isso.
Dívida e orçamento
No Brasil, o domínio do capital financeiro passa pela
manutenção do tripé de metas de inflação, liberalização cambial e superavit
primário. Estas são as bases econômicas do constante processo do acúmulo de
lucro do mercado financeiro.
Assim, cabe à gestão da dívida pública garantir a taxa de
retorno do mercado financeiro. Em outras palavras, o orçamento é feito
primeiramente para pagar juros e estruturar a rolagem da dívida. Tal política
tem início junto ao plano Real. Todavia, é a partir do segundo governo FHC, com
o estabelecimento do regime de metas de inflação que surgem alguns dos
elementos balizadores desta política:
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar
101/2000) é a primeira normativa que consolida a primazia do pagamento dos
juros da dívida sobre as demais despesas da União (Parágrafo 1 do Artigo 5º).
Na prática, a Lei de Responsabilidade Fiscal faz com que os Governos segurem os
gastos em todo o primeiro semestre, descontinuando projetos, remontando equipes
e parâmetros para, no segundo semestre, sabendo do que é possível no ano,
“correr” para executar o mais rápido possível.
Outra normativa fundamental é a Desvinculação das Receitas
da União (DRU). Este instrumento permite que até 20% das receitas vinculadas a
gastos sociais e investimentos possam ser destinadas ao abatimento da dívida.
De 1994 até o 2014 foram quase 20 anos seguidos com mais de
10% do orçamento destinados para o pagamento de juros. Mesmo assim, devido à
gestão da política econômica, a dívida brasileira continuou a crescer. Fica
evidente que o problema do crescimento da dívida não é com o “excesso de gasto”
do Estado, mas com a política econômica voltada à gestão da dívida.
Todavia, novas políticas vão sendo criadas sempre em favor
de garantir que a gestão orçamentária priorize a gestão e o gasto com a Dívida
Pública. É o caso da Lei que permite o uso dos restos a pagar e do lucro com
operações das reservas cambiais no abatimento da dívida (Lei 11.943 de 2009 e
Lei 11.803 de 2008) ou mesmo a Lei 9.496/97, que securitiza a dívida dos
Estados e Municípios mas estabelece uma taxa de juros que é sempre maior que a
taxa de crescimento das receitas estaduais, levando os Estados à falência
atual. Falência que permite pressões por retiradas de direito.
Além de todas restrições citadas acima, o mercado ainda
exigiu o “Teto do Gasto”. A partir da implementação da EC 95/2016, o sentido do
orçamento e das finanças no Brasil passa a ser primeiro o de garantir a gestão
da dívida em favor dos interesses do mercado financeiro.
Quem paga a conta da crise?
Quem agudizou a crise e ainda se beneficia com isso? Quem
paga a conta? E que conta é essa que nos impõem de forma inapelável, ao custo
da supressão de direitos coletivos historicamente conquistados? Que validade
pode haver em regras de endividamento feitas pelos e para os credores? Que
validade pode ter uma dívida contabilizada em meio a processos de liberalização
financeira?
Para responder a essas questões é que serve a Auditoria da
Dívida, prevista na Constituição Brasileira. Ela é um meio de expor o
funcionamento normal do “mercado da dívida”, que é alimentado e reproduzido
para transferir riqueza de forma perene para os grandes bancos privados e
investidores institucionais.
Sabemos que a bandeira da auditoria pressupõe uma
reapropriação social da política econômica no Brasil. Uma auditoria, na
amplitude que desejamos, coloca as finanças públicas na perspectiva de uma
arena pública, submetida a decisões que não espelham a gula dos mercados. Em
suma, há um caminho legítimo para que um novo governo enfrente o poder
político, econômico e legal do capital financeiro.
*Chico de Filippo é economista e membro da rede Jubileu Sul
Brasil. André Lima é economista e membro da rede Jubileu Sul Brasil. Luis
Fernando Novoa é sociólogo e membro da rede Jubileu Sul Brasil.
Edição: Daniela Stefano
Via - Brasil de Fato
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