O Brasil entra em temporada de Copa e eleições sob a cobiça
de blocos, nações e empresas do mundo. E tem como adversários internos o
complexo de vira-lata de setores da imprensa e da sociedade.
Por Mauro Santayana
Desde a criação do calendário, pelos sumérios, há 4 mil
anos, o desenrolar dos acontecimentos deixou de depender exclusivamente do
acaso, para incluir feriados e eventos religiosos e políticos que passaram a
datar e servir de palco para a história. O Brasil, neste 14º ano do milênio,
contará com dois grandes marcos desse tipo: a Copa do Mundo e as eleições. Eles
contribuirão para chamar ainda mais a atenção da população mundial para um país
que já é importante, por si só, globalmente. Com todos os nossos problemas, e o
complexo de vira-lata de amplos setores da sociedade, somos o quinto maior país
em território e população, o segundo maior exportador de alimentos, a sétima
economia e o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos.
Tudo isso obriga não apenas a que o Brasil não possa ser
ignorado, mas faz, também, com que nosso país seja cobiçado, e esteja sendo
ferrenhamente disputado, nos mais variados aspectos da economia e da
geopolítica, pelos principais blocos, nações e empresas do mundo. O crescimento
da dimensão política e econômica da Nação, nestes primeiros anos do século 21,
transformou o Brasil na bola da vez de uma permanente batalha, entre espoliação
e independência, entre o modelo dos últimos 200 anos e a busca de caminhos
alternativos para a construção do desenvolvimento econômico e social da
humanidade. As antigas potências coloniais e neocoloniais, que lutam para
manter nosso país, ou amplos setores dele, sob sua influência, sabem que esse
embate se dará, na economia, na política, na comunicação, e têm plena
consciência do que está em jogo.
Na economia, é de se esperar que elas reforcem, nos próximos
meses – sempre com a dedicada ajuda da grande mídia –, o discurso de
esvaziamento da importância econômica do Mercosul; de valorização de mitos
neoliberais como o da Aliança do Pacífico; de fragilidade dos fundamentos de
nossa macroeconomia; da existência de um suposto protecionismo brasileiro,
teoricamente responsável pela diminuição de nosso percentual de participação no
comércio mundial – para o qual só haveria um remédio, o de estabelecer
rapidamente acordos de livre comércio com os países mais ricos.
Assim, enquanto setores da imprensa nacional e internacional
distraem determinadas parcelas da opinião publica, com alertas sobre a
Argentina de Cristina Kirchner, a Venezuela de Nicolás Maduro e a
“bolivarianização” do Brasil e do Mercosul, os Estados Unidos e a Europa
aproveitam para avançar sobre nosso mercado interno, aumentando, como fizeram
em 2013, seus superávits em 50% e 1.000%, respectivamente.
Às potencias ocidentais e aos seus prepostos não interessa
divulgar que elasdiminuíram quase que na mesma proporção suas importações de
produtos brasileiros no ano passado. Como não é conveniente ressaltar, também,
o fato de que, no comércio com países “bolivarianos”, como a Venezuela e a
Argentina, tivemos um superávit somado de mais de US$ 10 bilhões em 2013, sem o
qual teríamos tido um enorme déficit comercial.
O mesmo esforço, de distorção e manipulação, continuará
ocorrendo, neste ano, com a “glamourização” da Aliança do Pacífico,
pseudo-organização fomentada pelo México com a ajuda de Estados Unidos e
Espanha, como a última limonada do deserto em termos de associação comercial. A
situação real da AP é tão boa que seu maior expoente – justamente o país de
Zapata –teve crescimento de 1,2% no ano passado, menos da metade dos 2,5%
estimados, no mesmo período, para o Brasil.
Obedecendo à mesma estratégia, os meios de comunicação
europeus e norte-americanos, secundados pela mídia conservadora brasileira e
latino-americana, subirão o tom de sua campanha contra os Brics, aproveitando
momento em que o Brasil ocupa a presidência de turno, e organiza, como
anfitrião, a cúpula que reunirá em junho, em Brasília, os lideres de Brasil,
Índia, China e África do Sul.
Naturalmente, como ocorre com o nosso comércio com países
como a Venezuela, a grande mídia devera ocultar ou relativizar a informação de
que, nos últimos 12 meses, além do Mercosul, foi também para a China, e não
para os países ocidentais, que aumentamos fortemente nossas exportações, em
10,4%, e nosso superávit, para quase US$ 9 bilhões.
Considerando-se o que estão ganhando por aqui, é natural que
aumentem as pressões favoráveis a uma rápida assinatura de um acordo comercial
entre o Brasil – com ou sem Mercosul – e a União Europeia, o que abriria as
portas para futuro entendimento desse tipo com os próprios Estados Unidos.
Essa é uma hipótese que o Brasil terá de analisar sem pressa
e com todo o cuidado. Somadas as remessas de lucro, estimadas em US$ 24 bilhões
em 2013, e o déficit de US$ 26 bilhões no comércio exterior, apenas com a
Europa e os Estados Unidos, já estamos contribuindo com uma sangria de meia
centena de bilhões de dólares por ano para ajudar as potências ocidentais a
enfrentar a crise em que se encontram. Se compararmos esses US$ 50 bilhões com
um ganho quase equivalente obtido pelo Brasil no comércio com países emergentes
– principalmente América Latina, Caribe, Brics e Mercosul – fica fácil perceber
quem está nos espoliando, e com que tipo de parceiros é interessante nos
associarmos, prioritariamente, no futuro.
Como está ficando difícil para quem não abdica de continuar
explorando, do jeito que puder, nossos recursos e mercado, colocar no poder
governos de direita e assumidamente alinhados com seus interesses, o objetivo,
em 2014, continuará sendo sabotar institucionalmente o Brasil, mesmo que ele
esteja proporcionando extraordinários ganhos.
A estratégia, nesse caso, passa não apenas pelo
desmantelamento da imagem da nação do ponto de vista econômico, mas também pela
promoção do caos, para dificultar a governabilidade, e colocar em questão,
dentro e fora de território brasileiro, nossa capacidade de gestão e de
realização. É essa linha de ação que alimenta a tese de que não estamos
preparados para organizar grande eventos, como a Copa e as Olimpíadas, mesmo
que, para fazer a omelete, quebrem-se alguns ovos, prejudicando também a imagem
e a situação político-administrativa de estados e municípios governados pela
oposição também envolvidos com a Copa.
Não será de estranhar, portanto, se houver, nos próximos
meses, infiltração, aproveitamento ou criação de novos “movimentos”, passíveis
de se espraiar para as ruas, e eventuais ações voltadas para a intimidação do
público turístico que nos visitará este ano, como a sabotagem dos sistemas de
transporte e de hospedagem, o cerco a estádios, incêndios e fechamentos de ruas
etc.
A tudo isso se soma a percepção, pelo cidadão comum, da
ausência de um debate político de melhor nível, que possa levar à discussão de
propostas para a formatação de um novo projeto nacional. Até que ponto isso
poderá influenciar a posição do eleitorado? O governo tem realizado avanços,
mas decide cada vez mais sob pressão das circunstâncias, dos meios de
comunicação, do Congresso, da aproximação das eleições e de uma base aliada
fragmentada, mais preocupada com seus próprios interesses do que com a situação
do pais.
E a criminalização da política – tema preferencial da grande
mídia – ajuda a distorcer ainda mais esse quadro, aos olhos do eleitor,
nivelando todos os homens públicos por baixo e facilitando o trabalho de uma
minoria radical, cada vez mais atuante, que odeia a democracia e sonha com a
volta da ditadura e a derrocada do Estado de Direito.
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