Integrantes da Rede Latino-Americana de Justiça de Transição (RLAJT) estão reunidos em Brasília, a fim de promover uma troca de experiências entre dez países sobre temas relacionados às violações de direitos humanos cometidas por regimes ditatoriais.
Os debates seguem dois eixos principais: o
papel do Judiciário na Justiça de Transição e os princípios e regras para
preservação de arquivos sobre violações de direitos humanos cometidas durante
as ditaduras latino-americanas.
O termo justiça de transição refere-se a um conjunto de
abordagens, mecanismos (judiciais ou não) e estratégias para enfrentar o legado
de violência em massa do passado, atribuir responsabilidades, exigir a
efetividade do direito à memória e à verdade, fortalecer instituições com
valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades. Por meio do
seminário internacional Contra a Impunidade e o Esquecimento: Justiça e
Arquivos, a RLAJT busca – além de dar visibilidade a experiências
latino-americanas nesse campo – facilitar e promover a comunicação e troca de
conhecimentos no campo da justiça de transição na América Latina.
Na abertura do seminário, o presidente da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, destacou a dificuldade de
diversos países para terem acesso a arquivos oficiais que, segundo ele, são
relevantes para a produção de conhecimento e para promover intervenções na
realidade. “A América Latina, em função da longa experiência com governos
ditatoriais, tem dificuldade para se desvincular de uma cultura autoritária até
os dias de hoje. Arquivos oficiais para grupos de pesquisa simplesmente não
existiam”, disse Abrão. “Temos pouca literatura que apresente a realidade
brasileira. Isso, por si só, já justifica a criação da rede”, acrescentou.
Ainda segundo Paulo Abrão, outra questão que precisa avançar
está relacionada à forma como esse tipo de crime cometido por estados, sob
regimes ditatoriais, é judicializada. Para facilitar nesse processo, disse ele,
é necessário fazer análises sobre a forma como as violações foram cometidas, de
forma a encontrar pontos comuns de padronização, abordagem jurisdicional.
“Queremos identificar agentes e atores que dentro de seus países tenham vivido
as mesmas situações. A partir disso, vamos construir um grupo de recomendações
que ajudem na base probatória e, dessa forma, ajudem [a estabelecer]
iniciativas de judicialização”, ressaltou. “Mas o que está em jogo é muito
maior: é a transformação de tudo em uma política correta”, concluiu.
Segundo o diretor jurídico do Programa de Direitos Humanos
do Ministério do Interior do Chile, Rodrigo Lliedo, a criação de um tribunal
internacional pode ajudar a evitar judicializações inadequadas para esse tipo
de crime. “A pergunta a ser feita é a seguinte: o Direito está preparado para
criar instâncias à parte do Direito? Se são crimes internacionais, de guerra,
contra a paz ou genocídios, tem de haver previsão no direito internacional
porque [em muitos casos] não somos soberanos para acessar nossos direitos”,
argumentou o chileno.
“Para que o Poder Judiciário seja ponte entre funcionalismo
e justiça de transição, é necessário a participação de atores não estatais”,
acrescentou o coordenador do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Emílio Peluso Neder Meyer.
Membro da Secretaria Executiva da RLAJT, o professor da
Universidade de Brasília (UnB) José Otávio Nogueira Guimarães lembrou que a UnB
foi uma das universidades que mais sofreram durante a ditadura, “por ser
projeto novo e pensado por figuras exemplares”, disse ele referindo-se a Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro, “caçados logo no início do regime”. Guimarães
comentou alguns dos problemas causados pela ditadura a professores, comunidade
acadêmica e para a UnB como um todo. “No caso do Anisio, que na época era nosso
reitor, ele foi arrancado do gabinete da reitoria e, de imediato, levado preso.
Essas invasões fizeram com que 88% do quadro da universidade pedisse demissão”,
destacou.
Guimarães lamentou que em algumas manifestações haja pessoas
defendendo a volta do regime militar. “É preciso deixar bem claro que a rede
defende todas as manifestações, e que somos contra apenas a ideia de uma delas,
que queria restabelecer o regime militar no Brasil”, enfatizou.
Fonte: Agência Brasil
Via Portal Vermelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário