Neste domingo (13) completam-se 130 anos da assinatura da
Lei Áurea, que oficializou o fim da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888.
Quase um século e meio depois as estatísticas que relacionam o negro e o acesso
à educação, saúde e renda confirmam que o desprezo e abandono impostos a essa
população permanece. Segundo classificação do IBGE, mais da metade da população
brasileira (54%) é de pretos ou pardos, sendo que a cada dez pessoas, três são
mulheres negras.
Por Railídia Carvalho
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD/IBGE)
realizada em 2016 comprova a desigualdade étnica no país que vê a pobreza se
multiplicar nos últimos dois anos. A população negra é a mais penalizada no
país que soma quase 13 milhões de desempregados. Desse total, pardos e negros
representam 63,8%.
Desigualdade no mercado de trabalho
Os desempregados negros e pardos representam 8,3 milhões de
pessoas e possuem uma taxa de desocupação (14,6%), uma vez e meia maior que a
dos brancos, que é de 9,9%. A mesma desigualdade ocorre quando se compara o
rendimento. Dados do terceiro trimestre de 2017 apontam que o rendimento médio
de trabalhadores negros foi inferior ao dos brancos: R$ 1,5 mil ante R$ 2,7
mil.
“A "ralé de novos escravos", mais de um terço da
população, é explorada pela classe média e pela elite do mesmo modo que o
escravo doméstico: pelo uso de sua energia muscular em funções indignas, cansativas
e com remuneração abjeta”, escreveu o sociólogo Jessé de Souza, autor do livro
A Elite do Atraso". Ele defende que a escravidão é um elemento que marca a
sociedade brasileira até os dias de hoje e que é preciso interpretar a história
do Brasil sob essa ótica.
A cada 100 assassinatos, 71 são pessoas negras
Diz Jessé: “Ela (a ralé) é hoje em grande parte mestiça, mas
não deixa de ser destinatária da superexploração, do ódio e do desprezo que se
reservavam ao escravo negro. O assassinato indiscriminado de pobres é
atualmente uma política pública informal de todas as grandes cidades
brasileiras”.
Segundo o Atlas da Violência 2017, de cada 100 pessoas
assassinadas no Brasil 71 são negras. De acordo com o estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança os negros
tem 23,5% a mais de possibilidades de serem assassinados se comparado a outras
etnias. Os jovens negros são as principais vítimas da violência (dados de 2011
a 2012 mostraram que de cada 10 vítimas da violência policial, 7 eram negros)
assim como as mulheres negras, que viram aumentar os casos de feminicídio entre
2005 e 2015. Essa taxa caiu entre as mulheres brancas.
Mulheres negras
“Nossa pauta para 2018 é salário igual para trabalho de
igual valor e empunharemos a bandeira que as vidas negras importam”, declarou
Mônica Custódio (foto) em matéria publicada no portal Central de Trabalhadores
e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Secretária da Igualdade Racial da CTB, ela considera
fundamental fazer o recorte racial na luta pela emancipação feminina. “A
questão da mulher negra está imbricada com a questão da luta contra a
escravidão e na tentativa de superar as mazelas do racismo, que cada vez mais
se torna explícito no país”, denunciou.
Estudo do IPEA “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”
mostra que o rendimento médio das mulheres negras cresceu 80% de 2005 a 2015,
mas continua 59% menor do que recebem os homens brancos. “As mulheres negras
exercem as funções que pouca gente quer fazer, sofrem assédio moral e sexual
por ficarem mais expostas e ainda veem seus filhos serem mortos precocemente
pela mão armada do Estado nas periferias”, enumerou Mônica.
A Bahia branca da Globo
A sub-representação dos negros revelou-se com força em
recente episódio que envolve a novela Segundo Sol, da Rede Globo de Televisão
que se passa em Salvador (BA), onde 85% da população é negra. No entanto, a
maioria do elenco e os principais personagens da trama são brancos. A União de
Negros pela Igualdade (Unegro) ajuizou uma ação civil pública alegando prática
racista da emissora e cobrando que atores negros sejam incorporados ao elenco.
“A prática racista, (...), na verdade, não atinge apenas aos
baianos e às baianas. Antes, fere a toda uma população e porque não dizer à
sociedade brasileira, haja vista que, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio – PNAD-IBGE, a população brasileira estimada no ano
passado, 2017, era de 205 milhões e 500 mil habitantes, sendo que os negros
representam hoje a maioria, ou seja, cinquenta e cinco por cento, muito embora
esse percentual na Bahia seja mais elevado (quase 80%)”, diz a petição.
Excluídos da Educação e maioria atrás das grades
Pesquisa da PNAD na área do acesso à educação mostrou que os
brancos tem mais acesso à educação que os negros. De 11,8 milhões de
analfabetos registrados no país em 2016 a maior incidência está entre negros e
pardos. Nestes segmentos a taxa de analfabetismo é de 9,9% enquanto entre os
brancos é de 4,2%. A desigualdade aumenta quando se consideram os analfabetos
negros em idade avançada. Neste grupo 30,7% são analfabetos. Entre os brancos a
taxa é de 11,7%. A pesquisa concluiu que a diferença se deve ao fato de que as populações
negras vivem em áreas mais carentes.
Os negros também são maioria no sistema penitenciário.
Informações do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen)
apontam que 64% dos presos nas cadeias brasileiras são negros. A constatação se
baseia em dados de junho de 2016 sobre 72% da população carcerária, cerca de
493 mil pessoas.
Controvérsias à parte quanto à metodologia usado pelo
Infopen, a seletividade racial da Justiça também figurou em outros estudos do
IPEA que apontou maior rigor da Justiça com negros, que vão mais para a cadeia
enquanto aos brancos são concedidas penas alternativas.
Golpe e retrocesso
Desemprego alto, aprofundamento da pobreza e desigualdade
racial são marcas do golpe parlamentar que colocou Michel Temer na presidência
da República. O retrocesso visto em 2017 em relação às políticas públicas para
a população negra deve se agravar em 2018. A proposta orçamentária para ações
da igualdade racial seria reduzida em 34%. No ano passado, dos R$ 22 milhões
autorizados para a área, Temer executou até novembro R$ 1,4 milhão.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, Carmela Zigoni, assessora
política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), afirmou que a redução
orçamentária revelava os mecanismos do racismo institucional. "E um
flagrante descaso com os jovens e as mulheres negras deste país."
Na opinião de Benilda Brito, coordenadora do Nzinga,
coletivo de mulheres negras de Belo Horizonte, os 130 anos são um “momento de
reflexão”. “falta muito para gente lutar ainda. Há 30 anos também, estávamos em
festa, porque era a primeira vez em uma Constituição ia considerar o crime de
racismo como inafiançável e imprescritível. Hoje a gente não consegue contar
cinco pessoas presas no Brasil por racismo. A gente comemorava que os
quilombolas teriam direito a terra. Hoje a gente não conseguiu cinco títulos de
comunidades quilombolas reconhecidos pelo governo federal. Então continuamos
denunciando a desigualdade, mesmo com o que a gente conseguiu garantir”,
declarou em entrevista ao Brasil de Fato.
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