MICHAEL SULLIVAN CONTRIBUIU PARA A PASTEURIZAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA E DO CRESCIMENTO DA MÚSICA BREGA NO PAÍS. |
Recentemente, foi lançado um disco com "tributo MPB" para o cantor e compositor Michael Sullivan, que pertenceu à ala mais conservadora da Jovem Guarda, aquela que carregou no romantismo mais piegas e se submeteu aos ditames do hit-parade norte-americano.
Sabe-se que a Jovem Guarda foi o primeiro grande cenário pop brasileiro, que como um movimento dotado de caraterísticas e contextos próprios, durou de 1964 a 1968, incluindo também um período precursor, entre 1959 e 1964.
Com o desgaste da Jovem Guarda, duas grandes tendências se formaram, fora o caminho pessoal de Roberto Carlos. Este primeiro aderiu ao soul, numa trajetória só dele, e que gerou sucessos como "Jesus Cristo", "Todos Estão Surdos", "Sentado à Beira do Caminho" e outros. Depois de 1975, ele sucumbiu a um romantismo mais piegas que enfraqueceu seu poder criativo.
Fora da "realeza", uma parte da Jovem Guarda, através de nomes como Erasmo Carlos, Sérgio Reis, Golden Boys, Wanderleia, Ronnie Von e Eduardo Araújo, entre outros, optaram por diversos progressos artísticos, entre o resgate da música caipira (Sérgio Reis), a adaptação realmente brasileira da música country (Eduardo Araújo), o sambalanço (Golden Boys), a psicodelia (Ronnie Von) e sonoridades mais arrojadas do rock (Wanderleia e Erasmo Carlos).
De outro, temos músicos que passaram a saguir as rígidas normas do comercialismo musical, virando verdadeiros executivos e artífices de uma elaboração musical supostamente sofisticada, mas sem a naturalidade dos verdadeiros artistas. Em outras palavras, é uma geração que via na música uma "linha de montagem" na construção de melodias, letras e arranjos "eficazes".
Dessa geração vieram nomes como Os Fevers, Lee Jackson, parte dos Incríveis - os falecidos Dom & Ravel que viraram propagandistas do "milagre brasileiro" - e alguns dos retardatários da cena da JG, como Paulo Sérgio, Odair José, Reginaldo Rossi e Luiz Ayrão.
Michael Sullivan era o Ivanilson dos Fevers. Seu nome artístico atual surgiu quando ele foi fazer brega exportação, aproveitando o sucesso de one-hit wonders (ídolos comerciais de um sucesso só) como Morris Albert e Terry Winter, ao lado de outros interessados em fazer hit-parade brasileiro para gringo ver, como Christian (hoje da dupla Christian & Ralf), Fábio Jr. (sob o codinome Mark Davis), Pholhas e tantos outros.
Juntando isso com a proliferação de tendências bregas nos anos 70, apoiada por rádios controladas por oligarquias coronelistas e por emissoras de TV que se apoiavam na ditadura para neutralizar o poderio da Globo, o comercialismo musical brasileiro iniciava sua escala rumo à supremacia que hoje começa a sufocar a MPB autêntica.
MEMÓRIA CURTA
Hoje a memória curta define Michael Sullivan como um "gênio injustiçado" e o "tributo MPB" tenta limpar a barra do cantor, compositor e produtor, que comandava, apoiado, com todo gosto, pelas Organizações Globo, todo o processo de mercantilização da MPB, completando o serviço de Lincoln Olivetti, que fez a música brasileira ficar tão insossa que afastou o público jovem.
No entanto, é só irmos aos anos 80 e lá estava Michael Sullivan impondo normas, e ele mesmo fazendo, com Paulo Massadas (ex-músico de Lafayette e Seu Conjunto), toda a linha de montagem de sucessos musicais de arranjos pasteurizados, letras piegas e rimas tolamente imperfeitas, dessas que tentam rimar "sentido" com "perigo".
Nem de longe Michael Sullivan é um gênio da MPB, e o disco-tributo apenas dá uma cosmética "luxuosa" para as composições dele. São apenas releituras à altura do talento de seus intérpretes, que mesmo assim não conseguem dar um novo status a Sullivan que, parafraseando a canção de Odair José ("Eu Queria Ser John Lennon"), "queria ser Tom Jobim".
Embelezar o brega não é a solução para superarmos a mesmice que ronda a Música Popular Brasileira. Pelo contrário, a mesmice é sempre alimentada e até agravada pelas promessas de "melhorar o brega" unindo-o à nata da MPB, em duetos, covers, discos-tributo e especiais musicais de TV que em nada resolveram para superar a crise da MPB.
Pelo contrário, o que se viu, pouco após a "era Sullivan & Massadas" foi a ascensão de ídolos neo-bregas, como Só Pra Contrariar, Raça Negra, Chitãozinho & Xororó, Zezé di Camargo & Luciano e outros, que apenas juntavam o cancioneiro brega aos clichês "luxuosos" vindos de uma concepção empresarial do que "deve ser" a MPB.
Seja com tributo "sofisticado" a Michael Sullivan, seja com tributo "alternativo" a Odair José e Raça Negra, seja com todo o falatório intelectualoide que tenta creditar ao "funk" e ao tecnobrega uma reputação ativista-vanguardista "provocativa", tudo que é feito para embelezar a bregalização e promovê-la como "alta cultura" é em vão.
Tudo fica na mesma. A cultura torna-se ruim, e não faz sentido aventureiros da imprensa musical, do cinema documentarista ou das elites acadêmicas acharem que o "mau gosto cultural", sobretudo musical, é sinônimo de "causa nobre". Defender esse "mau gosto" é, todavia, condenar o povo pobre à eterna defesa de seus valores de miséria e ignorância.
E com todo esse falatório que a intelligentzia tenta empurrar sobretudo para as forças progressistas, a bregalização no entanto não assusta em um segundo sequer os barões da mídia. E "emepebizar" o brega também não diminui o problema, sendo apenas uma "solução viável" diante do padrão Rodrigo Constantino de "melhorar" a cultura popular brasileira.
Se antes tentou-se "emepebizar" José Augusto e Adriana, e um pouco mais tarde Alexandre Pires, Zezé di Camargo & Luciano, Belo, Daniel, Leonardo e Exaltasamba e, mais recentemente, se faz o mesmo com Cláudia Leitte, Luan Santana, Thiaguinho e Michel Teló, isso não os faz mais criativos nem consistentes, tudo vira uma questão de linha de montagem mesmo.
Linhas de montagem não favorecem a cultura, até porque não são expressões espontâneas, e sim processos comerciais de elaboração e interpretação musical. São processos burocráticos, que não correspondem à expressão do espírito, da personalidade do intérprete ou do autor, sendo mais uma cosmética para tornar os sucessos musicais mais "palatáveis" para públicos mais seletos.
Os problemas da MPB continuam prevalecendo, e cada vez agravados porque o brega "emepebizado" nada acrescenta de novo, sendo mais uma imitação do que a MPB produziu de mais inócuo, inofensivo e entediante nos tempos de maior comercialismo.
Nem dá para entender por que nomes da MPB autêntica mais vibrante, como Ney Matogrosso e Os Cariocas, quiseram gravar o tributo a Michael Sullivan. Ou então roqueiros tipo Fernanda Takai e Arnaldo Antunes. Talvez por algum desejo de maior visibilidade porque, antes de mais nada, Michael Sullivan é um executivo de mídia.
Por causa de Michael Sullivan, a MPB já fraquejada pelo comercialismo das gravadoras perdeu todo o elo do grande público e dos fãs mais jovens. A memória curta tenta livrar a culpa de Sullivan pelo comercialismo que hoje culmina no "funk ostentação" e no "sertanejo universitário". Mas ele é o responsável de todo esse processo de anos, e sua contribuição à bregalização do país era para fazer afastar emepebistas e roqueiros brasileiros, que nem deveriam ter homenageado ele.
Deixe que os José Augusto, Alexandre Pires, Leonardo e Daniel homenageiem Michael Sullivan. Eles é que são da praia do compositor midiático. Ou quem sabe alguém decida fazer um tributo funqueiro a Sullivan, talvez aí soaria "mais moderno" dentro do contexto sempre brega do cantor, compositor e produtor.
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