A canonização de Anchieta foi mais questão de política do que de mística
Anchieta instigou os colonizadores a perseguir os calvinistas |
No conto "Cardeais em Órbita”, na coletânea Campo Total de Carlos Orsi, angustiados clérigos de um Vaticano instalado em uma estação orbital do futuro discutem abolir a exigência de milagres nas canonizações, pois o avanço da ciência tornou cada vez mais difícil comprová-los. A ficção, mais uma vez, foi ultrapassada pela realidade. Na quinta-feira 3, o papa dispensou o requisito que há 417 anos embaraçava a canonização do padre espanhol José de Anchieta. Bastaram a existência de devotos a reivindicá-la e sua “vida santa”. Critério semelhante se aplicará a João XXIII, a ser canonizado no dia 27 como contraponto político à honraria dispensada a João Paulo II.
Essa vida santa foi dedicada a destruir a cultura indígena, facilitar a conquista do Brasil pelos portugueses e ajudá-los a combater seus rivais franceses. Anchieta instigou os colonizadores a perseguir os calvinistas que disputavam com os jesuítas os corações e mentes de nativos e ajudou a enforcar um deles, mostrando ao desajeitado carrasco como apertar o nó.
Mas nisso não foi diferente de colegas como seu superior Manuel da Nóbrega. O que lhe conquistou a aura de apóstolo do colonialismo e o lugar no santoral foi a obra literária, incluída a gramática do tupi elaborada para facilitar a catequização e a bajulação ao governador Mem de Sá na forma de uma pretensiosa epopeia sobre sua luta contra índios e franceses. Talvez agora consiga ao menos fazer milagres pelo turismo na cidade do Espírito Santo que hoje leva seu nome.
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