Falseamento de informações difundidas em redes coloca em
perigo e em suspeita a própria democracia.
A infiltração do Whatsapp na vida da maior parte da
população e a possibilidade de se saber, por meio do comportamento de usuários
de redes sociais, os sentimentos que podem influenciar suas decisões trazem
inúmeras possibilidades de manipulação da escolha política de milhões de
pessoas no Brasil. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP Miguel Wisnik, trata-se de um método mais eficiente de influenciar as
pessoas do que era feito até então pela mídia tradicional.
"As novas tecnologias mudaram o cenário do jogo. A
grande imprensa, se quisesse manipular a informação, faria isso às vistas de
todo mundo, teatralizando coletivamente a sua posição e sofrendo as
consequências da avaliação pública disso. O Whatsapp é absolutamente capilar e
permite mensagens em segredo, que chegam quase personalizadamente sem essa
avaliação pública, e muito rápido", avalia o professor, em sua
participação na coluna Espaço em Obra, na Rádio USP.
Para ilustrar tal poder, Wisniki cita o caso da empresa
Cambridge Anatlytica, que teve participação decisiva na eleição de Donald Trump
nos Estados Unidos e na votação do Brexit, no Reino Unido. "Atuou de
maneira a filtrar dados das pessoas por meio de seu comportamento em redes
sociais, permitindo que esses dados gerassem grandes quantidades de mensagens
por Whatsapp, que chegam a pessoas com a predisposição do tipo de sentimento
que as afetará para tomar decisões", explica.
"No caso agora do Brasil, com crise econômica, social e
das instituições, é um contexto onde frutifica, nasce o fascismo. Através dessa
realidade de manipulação insidiosa você consegue atingir de forma muito
eficaz", analisa Wisnik, mencionando casos de "viradas" de
última hora no processo eleitoral brasileiro. "Nem vou citar o caso mais
evidente, do próprio Bolsonaro, mas os candidatos a governador no Rio de
Janeiro e em Minas Gerais, no Senado em São Paulo com Major Olímpio (PSL),
chegaram como um fenômeno meteórico, de uma hora pra outra. São situações que
desafiam qualquer lógica de previsão, de boca de urna do Ibope ou Datafolha,
pois se fazem do nada. Isso é produto desse tipo de campanha."
Em entrevista concedida à Agência Pública nesta semana, o
filósofo Vladimir Safatle também chamou a atenção para a situação. "O
Brasil está na rota de uma lógica de extrema direita internacional na qual você
não opera mais no espaço aberto, você opera no espaço obscuro, virtual,
utilizando dados da Cambridge Analytica, como os caras fizeram, para direcionar
mensagens de maneira muito específica, criando esses vídeos…", diz.
"Eu vi os vídeos em que eles misturavam imagens das manifestações com
imagens de mulheres profanando símbolos religiosos, imagens feitas para chocar
a classe média brasileira. É claro, a esquerda não estava preparada pra isso,
ninguém está preparado pra isso. Foi uma lógica de outro tipo de campanha que a
gente nunca tinha visto. E uma campanha feita em cima do desprezo do embate no
espaço público."
O professor doutor em Ciência Política da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão também alertou, na Rádio Brasil
Atual, sobre o fato de as fake news explorarem o preconceito e falsas
associações de imagens, tendo afetado a repercussão do movimento #Elenão. Em
função da pouca cobertura da mídia tradicional, a narrativa das manifestações
foi perdida para os grupos que produziram notícias falsas. “Infelizmente aí a
gente tem aquela antiga conexão entre os interesses políticos, econômicos com
os interesses da grande mídia. Eles agiram para reforçar o fascismo que nós
estamos vendo às portas de se tornar governo no Brasil”, aponta Romão.
"Queria lembrar que hoje já existe também o 'Photoshop
de áudio'que permite você criar através do som falas falsas, usando o timbre de
voz da pessoa", ressalta ainda Wisnik. "Chegamos a um ponto de
hackeamento da democracia muito avançado, o que coloca em perigo e em suspeita
a própria democracia com todos os fundamentos que sempre a ampararam."
Edição: RBA
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