Indústrias pequenas apoiam decreto de Temer que reduz de 20%
para 4% o desconto no IPI na compra de concentrados na Zona Franca.
Pouca gente soube, mas, em plena greve dos caminhoneiros,
Michel Temer deu uma dentro: atendeu ao pedido das pequenas produtoras de
refrigerantes e reduziu, por meio de um decreto, de 20% para 4% o desconto no
IPI da Coca-Cola e da Ambev na compra, na Zona Franca de Manaus, dos
concentrados que utilizam para fazer suas bebidas açucaradas. A redução irá
representar uma arrecadação extra para o país de 740 milhões de reais até o
final do ano.
A demanda dos fabricantes das chamadas tubaínas, os
refrigerantes regionais, é antiga, e basicamente pede que a Coca-Cola e a Ambev
atuem em situação de paridade, porque, por incrível que pareça, as duas
gigantes bilionárias pagam menos imposto do que fábricas minúsculas do interior
do país. “Não estamos pedindo nem incentivo, como poderíamos, já que somos
pequenos. O que não é justo é eles praticarem concorrência desleal, pagando
menos imposto do que nós”, disse ao site o presidente da Afebras (Associação
dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil), Fernando Barros.
Nos últimos dez anos, cerca de 160 fábricas de tubaína
fecharam no Brasil porque não aguentaram a concorrência dos gigantes do setor.
Populares no Brasil na década de 1970, as tubaínas foram aos poucos sumindo das
prateleiras dos supermercados e ganharam uma fama de “refrigerante de pobre”
impulsionada pela própria Coca-Cola, que, na década de 1990, lançou uma
campanha publicitária em que chamava todas as outras marcas de “refrigereco”.
Atualmente, são 136 fábricas, em geral empreendimentos
familiares que se mantêm graças à relação afetiva que os habitantes da região
têm com o sabor e com a marca. Um exemplo é o Guaraná Pureza, produzido há 113
anos em Rancho Queimado, cidade com 2 mil habitantes em Santa Catarina. “O dono
da fábrica se orgulha de empregar 1% da população da cidade e de nunca ter tido
uma ação trabalhista”, conta Fernando. O mesmo não pode se dizer da Coca-Cola
ou da Ambev.
Os fabricantes de tubaína reclamam dos benefícios fiscais
recebidos pelas grandes produtoras de bebida, que nem mesmo recolhem IPI, o que
impossibilita a adequação do Brasil à sugestão da OMS de aumentar os tributos
dos refrigerantes como forma de combater a obesidade. “Nós aceitamos aumentar,
mas eu falei para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) que
isso só vai atingir os pequenos, porque os grandes não pagam”, critica o
presidente da Afebras.
O Idec, integrante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, aplaudiu o decreto de Temer. “Na prática, essa medida diminui os benefícios de crédito tributário que alguns fabricantes de bebidas açucaradas recebem e acaba arrecadando mais”, afirmou Igor Britto, advogado do instituto. Ele explicou que, além de não pagar vários impostos, a AmBev e a Coca-Cola recebem hoje um crédito de 20% sobre o que produzem na Zona Franca, o que acaba causando a absurda distorção de o governo brasileiro subsidiar a produção de bebidas danosas para a saúde.
Um decreto parecido chegou a ser editado em 2013, durante o
governo Dilma, mas foi derrubado em três dias pelo lobby das duas gigantes do
setor, que já estão agindo no Congresso novamente, infelizmente com o apoio de
nomes de esquerda, como a senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, que saiu em
defesa da Zona Franca e consequentemente da Ambev e da Coca-Cola, em vez dos
pequenos fabricantes nacionais. “Não é só uma questão pontual em relação a um
segmento, porque isso abre um precedente perigoso para outros setores e é
inconstitucional, afinal de contas, a Zona Franca é um modelo baseado na
Constituição e, ao mexer nos incentivos, você mexe indiretamente com a
Constituição Federal”, disse a senadora.
O problema é que a Zona Franca de Manaus se transformou numa
“nascente” tributária para as multinacionais do refrigerante. Lá nascem todas
as vantagens da Ambev e da Coca-Cola. Um exemplo é a isenção sobre “produtos da
Amazônia”, que caberia em relação ao guaraná (embora hoje a maior parte da
produção esteja na Bahia) e nunca sobre a “cola”, o concentrado do
refrigerante. Outra distorção é, por exemplo, a erva mate para o Mate Leão ser
produzida no Rio Grande do Sul, transformada em líquido na fábrica da Coca-Cola
no Paraná, e enviada a Manaus apenas para se beneficiar da moleza tributária.
“Os empresários têm que parar de correr atrás do Estado”, critica o presidente da Afebras. “Se a Coca-Cola e a Ambev não pagam impostos, qual o efeito social de uma empresa dessas no Brasil? Gerar empregos nós também geramos, 4800 empregos diretos. Somos responsáveis por 45% de toda a mão-de-obra do setor, porque somos mais artesanais, eles fazem tudo mecânico. E poluímos menos porque nosso volume é menor e só utilizamos dois tipos de embalagem, garrafa PET e vidro.”
Quem vai vencer essa disputa entre Davi e Golias? Temer irá
ceder? Abra uma tubaína e espere pelo resultado.
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