Corte Interamericana de Direitos Humanos decide que Anistia
não justifica omissão do Estado na investigação e punição dos assassinos do
jornalista.
OBRA DE CILDO MEIRELES |
Nos últimos meses do ano de 1975, o artista plástico Cildo
Meireles espalhou pelo comércio do Rio de Janeiro notas de 1 cruzeiro com o
carimbo: “quem matou Herzog?” Era uma ação política contra as torturas e
assassinatos da ditadura militar, naquele momento personificados num caso
emblemático, o do jornalista Vladimir Herzog. 43 anos depois, o Estado
brasileiro é intimado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a
finalmente responder à pergunta de Cildo, da família, amigos e de milhões de
cidadãos comprometidos com a verdade e a Justiça.
Aos 38 anos, Vladimir Herzog era casado e pai de duas
crianças quando foi convocado pela repressão a depor sobre suas ligações com o
Partido Comunista Brasileiro, do qual era militante. Diretor de jornalismo da
TV Cultura, Vlado, como era conhecido, chegou pela manhã do dia 25 de outubro
de 1975, um sábado, à sede do DOI-Codi, em São Paulo, foi encapuzado, amarrado
a uma cadeira, sufocado com amoníaco, submetido a espancamentos e choques
elétricos, e morreu. A versão oficial, amparada por uma fotografia que se
revelou forjada, é que ele teria se enforcado.
Em 2012, o autor da foto, Silvaldo Leung Vieira, contou ao
repórter Lucas Ferraz, da Folha de S.Paulo, que, ao chegar ao local, o cenário
estava montado e ele teve de fotografar da porta. “Tudo foi manipulado, e
infelizmente eu acabei fazendo parte dessa manipulação”, lamentou. “Depois me
dei conta que havia me metido em uma roubada. Isso aconteceu, acho, porque eles
precisavam simular transparência.”
Em decisão de março só divulgada agora, a CIDH decidiu que a
Lei de Anistia, de 1979, não pode servir de justificativa para que os
responsáveis pelo assassinato de Herzog não sejam punidos e que o Estado
brasileiro deverá realizar uma investigação séria, independente, dentro de um
prazo razoável, para determinar as circunstâncias em que ele foi morto. “O
Estado deve reiniciar, com a devida diligência, a investigação e o processo
penal cabíveis, pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975, para
identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis pela tortura e
assassinato de Vladimir Herzog, num prazo razoável”, diz a decisão.
“Os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser
considerados crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo
Direito Internacional. Em vista do exposto, o Tribunal concluiu que o Estado
não pode invocar a existência da figura da prescrição ou aplicar o princípio ne
bis in idem, a lei de anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou
excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e
punir os responsáveis.”
A Corte cita as várias tentativas de se elucidar o crime.
Ainda em 1975, a Justiça Militar fez uma “investigação” que confirmou o
“suicídio”. Em 1992, nova investigação foi iniciada, mas acabou arquivada por
causa da Lei de Anistia. Em 2007, após a publicação do relatório oficial da
“Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos”, apresentou-se um novo pedido de
investigação ao Ministério Público Federal, que também acabaria arquivado.
“A sentença da Corte Interamericana é histórica, pois
reconhece que o caso está inserido em um contexto sistemático e generalizado de
ataques à população civil pelo regime militar instaurado no Brasil a partir de
1964, configurando assim os chamados crimes contra a humanidade”, disse Beatriz
Affonso, diretora do CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) no
Brasil. O CEJIL representa a família de Vladimir Herzog desde 2009 no Sistema
Interamericano.
Segundo o CEJIL, a condenação do Estado brasileiro pelo caso
de Herzog abre ainda precedente para que outros assassinatos cometidos pela
ditadura sejam punidos. No entendimento da instituição, tanto os crimes
cometidos contra Vladimir Herzog quanto os demais crimes de Estado deste
período não se submetem a um prazo de prescrição e outras excludentes de
responsabilidade. Isto porque a sentença da CIDH coloca a própria Lei de
Anistia em xeque, ao incluí-la nas razões para a falta de investigação e
punição aos assassinos do jornalista.
“O Estado brasileiro é responsável pela falta de
investigação, de julgamento e de punição dos responsáveis pela tortura e pelo
assassinato do jornalista Vladimir Herzog, bem como pela aplicação da Lei nº
6.683/79 (“Lei de Anistia”) neste caso”, diz a decisão. Para a Corte, citando
decisão anterior, “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a
investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de
efeitos jurídicos”.
Ao contrário do Uruguai, da Argentina e do Chile, que esta
semana condenou oito ex-militares pelo sequestro e assassinato do cantor Victor
Jara após o golpe, em 1973, o Brasil nunca prestou contas pelas brutalidades da
ditadura, que matou em sua maioria jovens com menos de 30 anos, além de
camponeses, indígenas e cidadãos comuns, sem nenhuma ligação com a luta armada.
A sentença da CIDH pode ser o começo do fim da impunidade.
Nesta quinta-feira, o Ministério Público Federal em São
Paulo denunciou o suboficial da reserva do Exército Carlos Setembrino da
Silveira pelo assassinato do dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes
(MRT) Dimas Antônio Casemiro. O caso ocorreu em 17 de abril de 1971, em São
Paulo, mas os restos mortais do militante só foram identificados em fevereiro
deste ano. Também foi denunciado, por falsidade ideológica, o ex-médico legista
Abeylard de Queiroz Orsini, que omitiu informações no laudo necroscópico da
vítima.
Na próxima quarta, 11 de julho, a diretora do CEJIL, Beatriz
Affonso, a viúva, Clarice, e o filho de Herzog, Ivo, darão uma entrevista
coletiva na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo onde detalharão cada
ponto da sentença e os próximos passos.
Com informações da Agência Brasil
Via - Socialista Morena
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