Alta na cesta básica, reajuste do botijão de gás e
manutenção da tarifa vermelha de energia penalizam mais pobres.
A empregada doméstica Luciene Ferreira, moradora de
Queimados, na região metropolitana do Rio de Janeiro, tem feito compras em um
supermercado popular no bairro de Copacabana, onde trabalha, e carregado as
sacolas no transporte público até a sua casa. Ela afirma que lá encontra
algumas promoções que não acha perto de seu bairro.
"Está tudo muito caro, é absurdo. Tenho deixado de
comprar, principalmente carne. Até os legumes que estão muito caros, tem que
ficar procurando promoção. Os legumes entram na promoção quando estão começando
a ficar; aí eu compro. Mas a carne não tem jeito", lamentou.
Já Elisângela Lima, que vive na periferia de São Paulo,
reclama que não tem conseguido fechar as contas com o salário que recebe como
gari. "Está tudo mais caro. Antes, um pacote de cinco quilos de arroz
custava 5 reais, agora é 10, tem até de 18. Feijão, que antes o quilo era de 1
real, agora chega a 7 reais. As coisas aumentam, mas o salário que é bom nada.
Quando aumenta um pouquinho, os preços vão lá para cima", disse.
No caso da professora Kátia Rejane Lopes, moradora de
Ouricuri, no sertão pernambucano, o preço que tem mais impactado no orçamento
tem sido o do botijão de gás. Ela afirma que, na região, os moradores têm
trocado o botijão e o gás encanado por fogão a lenha.
"A gente consegue sentir na pele. Quando tem uma crise,
uma dificuldade no país, normalmente quem sofre primeiro são as classes
desfavorecidas, as mulheres, os jovens, o Nordeste. Se você for pensar, o que
você comprava há um ano com determinada quantidade de dinheiro, hoje você não
consegue mais comprar. Do golpe para cá aumentou bastante. O gás era 50 reais e
agora está por 85 reais. Aqui na região estão até vendendo fogões à lenha
adaptados para a cidade", contou.
Custo de vida deve subir ainda mais
As três mulheres ouvidas pelo Brasil de Fato revelam os
impactos do aumento no custo de vida e da inflação na rotina dos brasileiros em
diferentes estados. Nesta semana, diversas pesquisas, índices e anúncios do
governo expuseram que essa situação continuará se intensificando nos próximos
meses.
Divulgado nesta sexta-feira (6) o IPCA, índice oficial de
inflação do país, cresceu para 1,26%, a maior alta para o mês de junho desde o
ano de 1995. Considerando todos os meses do ano, foi o maior índice desde
janeiro de 2016.
Já a pesquisa do Índice do Custo de Vida do município de São
Paulo, produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), e também divulgada na sexta-feira, mostrou uma
variação de 1,38% de maio para junho. No último ano, o custo de vida na região
aumentou em 4,24%.
Outro estudo, divulgado na quinta-feira (5) pelo Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre FGV), mostrou que o
Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1 (IPC-C1), que abrange famílias que
ganham até 2,5 salários mínimos por mês, teve um aumento de 0,60% para 1,52%
entre maio e junho deste ano, indicando que a inflação para os mais pobres teve
sua maior taxa desde janeiro de 2016.
A queda na inflação vinha sendo uma das principais bandeiras
do governo de Michel Temer (MDB), que comemorou, na virada de 2018, a inflação
anual em 2,95%, abaixo do piso estipulado de 3%. De acordo com o economista
Pedro Lapa, no entanto, a inflação relativamente baixa do governo Temer vem no
mesmo cenário de uma austeridade fiscal.
"O governo não investe, os empresários não investem, e
a inflação apenas assegura o ganho financeiro e não a atividade produtiva. O
que a gente tem encontrado, a partir da solução conservadora, é inflação baixa
e atividade produtiva baixa. Para quem pode corrigir os preços, ela não
representa ameaça, mas para quem compra é sempre uma perda", afirmou.
Preços administrados
A recente alta na inflação e no custo de vida tem sido
justificada por veículos de imprensa, como os jornais Valor Econômico e Folha
de S. Paulo, como uma consequência da paralisação dos caminhoneiros, que
aconteceu na última semana do mês de maio. Para Lapa, no entanto, o principal
culpado é a política de aumento dos preços administrados, caracterizados pelos
preços fixados pelo Estado, como o GLP (gás liquefeito de petróleo), a luz, o
álcool, o diesel e as tarifas de transportes públicos.
"Eu acho que a greve dos caminhoneiros foi muito
importante e teve uma influência grande no funcionamento da economia, mas não
acredito que seja responsável por essa variação. Isso porque, tanto as
estruturas produtivas quanto comerciais estão na mão de um número muito pequeno
de grandes corporações. Parte do preços são administrados pelo Estado e outra
parte por grandes corporações. Nesse sentido podemos afirmar que o consumidor é
um expectador do aumento de preços", afirmou o economista.
A Petrobras anunciou na quarta-feira (4) um aumento de 4,4%
no preço médio dos botijões de até 13 kg, para uso residencial, o chamado gás de
cozinha. A alta é sobre o preço cobrado nas refinarias, e já começou a valer no
dia seguinte do anúncio. Desde o início deste ano, a estatal passou a adotar
uma regra de reajuste trimestral para o GLP. Desde outubro de 2016, a Petrobras
adotou o pareamento de GLP com os preços internacionais, política que vem sendo
amplamente criticada pelos petroleiros.
Em nota, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) destacou
que a atual ordem da Petrobrás é reduzir o processamento das refinarias e
comprar GLP do mercado estrangeiro. A FUP também anunciou uma greve de
abastecimento, principalmente do Nordeste, região mais afetada.
"O governo Temer está desabastecendo o país com essa
política de desmonte que reduziu a carga das refinarias e elevou os preços dos
combustíveis e do gás de cozinha, obrigando milhões de brasileiros a voltarem a
cozinhar com lenha e carvão. Nossa greve é para que as refinarias voltem a
operar com carga máxima, e a Petrobrás, a cumprir a sua missão", destaca a
nota.
Conta de luz mais cara
Paralelamente, também nesta semana, A Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) comunicou que a conta de luz dos brasileiros ficará
ainda mais cara em julho, já que a bandeira tarifária vermelha patamar 2, nível
mais alto dentro do sistema criado para sinalizar aos consumidores os custos da
energia, será mantida. Com a bandeira nesse nível, os consumidores terão que
pagar 5 reais a mais a cada 100kWh (quilowattz-hora) de energia elétrica
consumido. Com a chegada do inverno e seus dias mais curtos, o aumento da
demanda por energia tende a prejudicar ainda mais as contas. Já nas cidades da
região metropolitana de São Paulo, a AES Eletropaulo divulgou um reajuste médio
de 15,84% nas tarifas de energia a partir da quarta-feira (4).
De acordo com a economista Patrícia Lino Costa, responsável
pela pesquisa do ICV no Dieese, os preços administrados e seus constantes
aumentos representam a maior preocupação para o custo de vida.
"Quando olhamos para a inflação e vimos ela tão baixa a
sensação que dá, e o que o governo coloca, é que o brasileiro está ganhando
poder de compra. Mas a inflação está baixa porque é uma média. Quando você abre
esse número, vê que os preços administrados sobem muito acima da inflação, em
patamares de 20%. Se a população tem uma renda limitada e gasta mais da metade
dela apenas para pagar os serviços essenciais, sobra muito pouco para comer,
para viver. Em algumas capitais, as famílias de baixa renda gastam 40% de sua
renda apenas para comprar um botijão de gás, como você vive assim?",
questionou.
Para Pedro Lapa, além da política de preços, a ameaça de
privatização do setor energético no país colabora para a instabilidade dos
preços. "No último caso você tem uma mudança na tarifa mas também tem o
anúncio e um forte processo de privatização. Então estamos vendo uma transição
de uma política pública de preço para energia para uma política privada',
afirmou.
Cesta básica
O aumento dos preços administrados impactam, direta e
indiretamente, em diversos serviços, como a produção de alimentos, o que impacta
nos custos do cidadão. Lançada na
quinta-feira (5), a Pesquisa Nacional de Cesta Básica de Alimentos do Dieese,
que mede a variação da cesta básica em 20 capitais brasileiras, mostrou um
aumento nos alimentos pelo segundo mês consecutivo. Em junho, houve uma
elevação do conjunto de alimentos essenciais em 16 capitais. Em maio, a cesta
básica mais cara era a do estado do Rio de Janeiro, custando R$446,03, o que
representa 50,82% do salário mínimo. Já no mês de junho, a cesta básica em
Porto Alegre ficou em primeiro lugar na lista (R$452,81), seguida por São Paulo
(R$451,63) e o estado fluminense (R$445,58).
De acordo com a economista Patrícia Lino Costa, com o alto
preço dos alimentos e a alta taxa de desemprego — são 13 milhões de desempregados e um crescimento
de 6% do trabalho informal, de acordo com dados divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 29 de junho — as famílias
brasileiras estão precisando substituir os hábitos de consumo para fechar as
contas no fim do mês.
"Para as famílias de baixa renda, a estratégia de
sobrevivência está ficando cada vez mais complicada, porque você não gera
empregos de longa duração, e sim intermitentes, então não dá a segurança para a
família conseguir o crédito, e de outro lado, a renda do cotidiano é gasta toda
para pagar preços administrados. Elas vêm em processo de empobrecimento. Você
tem a opção da substituição de alimentos, mas com isso, há uma queda na
qualidade da própria vida dos brasileiros, que vão se alimentar mal, menos e
com produtos mais baratos que são pagos depois de que todos os preços
administrados são pagos", afirmou.
O economista Pedro Lapa conclui afirmando que "o golpe
tornou a cesta básica mais cara e menor para o cidadão, e em muitos casos,
prendeu muitos brasileiros na pobreza".
Edição: Daniela Stefano
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