Mulheres e crianças representam 82% das vítimas de tráfico
de pessoas no mundo, e o Brasil é o país com maior incidência na América do
Sul, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e ao
Crime (UNODC). Este domingo (23), marca a data do Dia Internacional contra a
Exploração Sexual e o tráfico de Mulheres e Crianças. Para quem estuda e
denuncia o tema, o país tem negligenciando o fenômeno e suas vítimas.
De acordo com o balanço de dados colhidos pelo Disque 100,
canal de denúncias relativas a casos de violação de direitos humanos, o Brasil
teve 175 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes entre 2012 e
2016, o que significa quatro casos por hora. Em relação ao tráfico de pessoas,
o Disque 100 já mapeou este ano 14 casos até julho. Já o Disque 180, canal
destinado a receber denúncias de casos de violência contra a mulher, registrou
102 ocorrências apenas em 2018, de acordo com o Ministério de Direitos Humanos.
Exploração no Pará
No entanto, os números representam apenas os casos que
chegaram ao conhecimento do canal, o que indica subnotificação. Segundo a
ativista Rebecca Souza, integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil (GASC)
da Organização das Nações Unidas para Mulheres (ONU Mulheres), não existem
programas eficientes para combater o fenômeno no país. Souza atua no Pará,
segundo estado com maior número de exploração sexual infanto-juvenil.
"Tradicionalmente a região Norte é uma das mais
afetadas, tanto com a questão da exploração sexual quanto pelo tráfico de
mulheres. A rota do tráfico toda é aqui pelo Norte, pelo Pará. O Brasil é o
quarto país em casamentos infantis, o sexto em exploração sexual e o terceiro
na questão do tráfico de mulheres. O que estamos fazendo para combater isso?
Não existe até hoje nenhum plano de nenhum governo que tenha combatido
diretamente essa questão, principalmente aqui no Norte. Temos coletivos de
mulheres e iniciativas de instituições como a ONU, mas não vemos isso sendo
debatido", afirma.
Souza relatou a questão das meninas "balseiras",
que vivem em locais próximos à Ilha de Marajó, no Norte do estado, região com
um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. As meninas são
levadas de barco até as balsas, que realizam trabalhos marítimos, e são
exploradas sexualmente em troca de comida ou dinheiro. Além disso, ela relatou
a rota de tráfico dos garimpos e da construção de grandes obras na região.
"Na maioria das vezes, o primeiro passo é levar as
mulheres para o garimpo, depois algumas vão para a Europa, mas a maioria das
que saem do país são as mulheres transexuais. Algumas realmente estão indo
acreditando em uma questão de trabalho, chegam lá e é prostituição.
Também há vários relatos de mulheres que foram sequestradas
até mesmo na rua. Depois da construção de Belo Monte, por exemplo, a gente teve
60% de aumento de exploração infanto-juvenil. Muitas vezes, o próprio governo é
omisso ou causador dessa questão, no momento em que constrói uma grande obra
mas não se atenta para os impactos sociais que ela pode ter", denuncia.
De acordo com o psicólogo Antônio José Ângelo Motti,
professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e ex-coordenador
do projeto da Estratégia Regional de Enfrentamento ao Tráfico de Crianças e
Adolescentes para Fins de Exploração Sexual no Mercosul (PAIR), a situação no
Brasil é preocupante. Motti relata que os compromissos assumidos por meio do
relatório final do programa, assinado em 2013, não foram cumpridos desde então.
Descaso governamental
"Hoje, não tem nenhuma mobilização a partir de uma
estratégia nacional de proteção às crianças nas regiões de fronteiras. As
legislações não foram alteradas para dar cobertura a essas ações. Para mim é
muito preocupante, porque é um recurso enorme que foi gasto, seja financeiro,
social ou institucional, milhares de pessoas nas 15 cidades onde o programa foi
desenvolvido, para um produto estático. Então é um quadro de total negligência
das autoridades nesse sentido, elas deixam de cumprir suas obrigações",
analisa.
O projeto apresentava propostas de trabalho para as cidades
fronteiriças do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, no âmbito da
agenda da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, e trazia
diretrizes, como o comprometimento dos governos nacionais na mobilização de
políticas públicas, estimulação de campanhas conjuntas, divulgação de canais de
denúncia e a implementação de sistemas de gestão de dados sobre o tráfico de
crianças e adolescentes.
"A partir do segundo mandato da presidente Dilma
Rousseff isso foi totalmente esquecido, a partir de 2014. Com o governo Temer
isso não foi recuperado também. Os governos já não estavam tão preocupados com
os direitos humanos, principalmente de crianças e adolescentes. Houve uma queda
acentuada no nível do status designado para esse campo das políticas públicas,
isso foi um desprestígio muito grande, de tal forma que não foi monitorado
pelas autoridades, nem pelos dirigentes. Infelizmente vimos esse processo de
esvaziamento total da importância da agenda de
Direitos Humanos nos governos", opina.
O Brasil também é signatário, desde 2014, do Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial
Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de Palermo. Desde 2006, o país já
teve três Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, sendo que o
último corresponde ao Decreto 9.440, publicado no Diário Oficial da União, em 3
de julho deste ano. Destinado aos próximos quatro anos, o programa traz 58
metas destinadas à prevenção, repressão ao tráfico dentro do território
nacional e responsabilização dos autores.
A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é
comandada pelo Ministério da Justiça (MJ). Contatada, a coordenadora da área
não pode se pronunciar até a publicação da matéria, mas ressaltou que não
existe nenhuma programação governamental para a data do 23 de setembro, porque
o Ministério trabalha apenas com o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas, celebrado no dia 30 de julho.
De acordo com Rebecca Souza, a partir de janeiro de 2019, a
ONU Mulheres implementará a campanha #ElaDecide, referente ao combate à
exploração infanto-juvenil, com enfoque no norte do Brasil.
Fonte: Brasil de Fato
Via - Portal Vermelho
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