Medida atinge eleitor "com menor grau de instrução, em
localidades onde o acesso à informação é precária", alerta professora da
UFC Juliana Diniz.
Pelo menos 5,6 milhões de eleitores estão com os títulos
cancelados pelo Tribunal Superior Eleitoral, isso porque não responderam à
convocação para o cadastramento biométrico. O assunto ganhou as manchetes dos
jornais apenas nesta semana, após o PSB ajuizar uma ação no Supremo Tribunal
Federal para garantir a participação desses votantes. O quadro, observado como
decisivo para o resultado eleitoral desde ano, foi apresentado pela doutora em
direito e professora da Universidade Federal do Ceará, Juliana Diniz, em artigo
para o jornal O Povo.
"Para que se tenha uma ideia da magnitude do impacto, a
diferença de votos entre Dilma e Aécio no segundo turno de 2014 não ultrapassou
os 3,5 milhões de votos, número inferior ao de cancelados", aponta no
texto que o GGN reproduz a seguir, na íntegra.
Diniz ressalta que muitos cidadãos irão saber que seus
títulos foram cancelados apenas no dia da eleição, e completa que a medida
ainda não é obrigatória na capital, mas atinge eleitores "com menor grau
de instrução, em localidades onde o acesso à informação é precária", onde
o TSE decidiu iniciar a implementação de biometria. Assim ela conclui que o
resultado de medidas como esta, mal implementadas, "podem violar direitos
ao invés de assegurar a lisura".
O Povo
A multidão de eleitores inexistentes
As últimas pesquisas indicam que os candidatos precisarão
conquistar alma a alma para se eleger, amansando rejeições ou convencendo
indecisos. O resultado da eleição talvez dependa mais da burocracia que da
campanha: mais de 5,6 milhões de eleitores não poderão votar por terem faltado
à convocação da Justiça Eleitoral para o cadastramento biométrico obrigatório,
conforme dados do TSE divulgados pelo Estadão. O cancelamento dos milhões de
títulos tem o potencial de mudar o destino não só da disputa majoritária, mas
também da composição dos Parlamentos. Por ignorância, boa parte desse
eleitorado só saberá do cancelamento do seu título no dia da votação.
Os dados vieram à tona esta semana, depois que o PSB ajuizou
ação no STF para garantir o direito de votar aos milhões de excluídos. O
partido, que se manteve neutro na disputa presidencial, questiona o impacto dos
cancelamentos na legitimidade das eleições. A ação revela um cenário dramático
de violação de direitos políticos. Para que se tenha uma ideia da magnitude do
impacto, a diferença de votos entre Dilma e Aécio no segundo turno de 2014 não
ultrapassou os 3,5 milhões de votos, número inferior ao de cancelados.
O cadastramento biométrico tem sido realizado por etapas. No
Ceará, eleitores de pelo menos 129 municípios já deveriam ter passado pelo
procedimento. Os números demonstram, contudo, que uma parcela considerável de
votantes deixou de atender à convocação, indicando que seria necessário mais
tempo para implantar adequadamente a medida. O total de cancelamentos no Estado
em 2018 chega a 614.377 títulos: 77,4% desse total por falta de cadastramento
biométrico. A medida ainda não é obrigatória para os eleitores da Capital.
O Brasil é um exemplo mundial de eficiência em matéria de
procedimento eleitoral. Graças à tecnologia, eleições com magnitude continental
transcorrem com rapidez e segurança inigualáveis. O recurso à biometria busca a
modernização do combate às fraudes e é louvável. A ação proposta no STF demonstra,
contudo, que medidas mal planejadas, ainda que boas, podem violar direitos ao
invés de assegurar a lisura. É intuitivo que o número maior de atingidos esteja
entre eleitores com menor grau de instrução, em localidades onde o acesso à
informação é precário. O risco à democracia é real num pleito que se decidirá
voto a voto. Na tentativa de espantar eleitores fantasmas, acaba-se por criar,
pela via burocrática, uma nova legião de excluídos.
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
Doutora em Direito e professora da UFC
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