O Príncipe Regente enfiou a mão no bolso e tirou um pacote
engordurado. Com olhos gulosos, abriu o pacote e admirou o conteúdo, um belo
frango assado. O Príncipe Regente arrancou uma das coxas com a mão direita e
mordeu-a deliciado. Gotas de gordura escorreram pelo queixo proeminente do
Príncipe Regente. Mastigando feliz o primeiro dos seis ou sete frangos do dia,
o Príncipe Regente limpou os dedos no casaco e suspirou de satisfação. O
Príncipe Regente chupou o osso da coxa, atirando-o em seguida pela janela da
caleche.
O Príncipe Regente enfiou a mão no bolso e tirou um pacote
engordurado. Com olhos gulosos, abriu o pacote e admirou o conteúdo, um belo
frango assado. O Príncipe Regente arrancou uma das coxas com a mão direita e
mordeu-a deliciado. Gotas de gordura escorreram pelo queixo proeminente do
Príncipe Regente. Mastigando feliz o primeiro dos seis ou sete frangos do dia,
o Príncipe Regente limpou os dedos no casaco e suspirou de satisfação. O
Príncipe Regente chupou o osso da coxa, atirando-o em seguida pela janela da
caleche.
O Príncipe Regente arrancou a outra coxa do frango e, ao
mordê-la, deu um tapa na testa com a mão engordurada que segurava a coxa do
frango.
– Virgem Maria! – exclamou ele, lembrando-se de repente. – E
não é que eu tenho uma audiência com Elias António Lopes? Que memória a minha!
Botando a cabeça para fora, ordenou ao cocheiro que voltasse
ao suntuoso palacete do paço de São Cristóvão, que mais tarde se chamaria
Quinta da Boa vista, que mais tarde abrigaria o Museu Nacional e que dois
séculos mais tarde seria destruído por um incêndio catastrófico, pavoroso,
irreparável.
ELIAS ANTÓNIO LOPES
Baixo e atarracado, Lopes era a imagem do aristocrata
português no Brasil, um dos muitos que enriqueceram traficando escravos.
Comprara diversas propriedades no Rio de Janeiro e, pensando numa morada digna
de sua riqueza e de sua descendência, construiu o palacete em São Cristóvão,
que mais tarde doou ao Príncipe Regente, que mais tarde o chamaria Quinta da
Boa vista, que mais tarde abrigaria o Museu Nacional, que mais tarde seria
destruído por um incêndio catastrófico.
Quando entrou no palacete, o Príncipe Regente já encontrou à
sua espera o rico traficante. Esparramado numa poltrona da antessala, direito
adquirido por méritos de aristocrata e de doador da bela moradia, Lopes fumava
grosso charuto.
O Príncipe Regente estendeu a mão engordurada que o
visitante beijou, sentindo nos lábios e no nariz o gosto e o cheiro de frango
assado.
– Por aqui, tenha a bondade – disse o Príncipe Regente com
intimidade, conduzindo o traficante para o gabinete principal.
A porta estava aberta. Lá dentro, Carlota Joaquina remexia
nas gavetas.
A PRINCESA CONSORTE
Apanhada em flagrante, a Princesa não se abalou.
Empertigada, esperou a entrada do traficante e do marido, que não via há
semanas.
Como se tivesse dormido com ela, o Príncipe Regente
limitou-se a saudá-la com um muxoxo, indicando depois uma poltrona ao
traficante.
Depois de sentar-se, Lopes tirou do bolso um lenço, com o
qual esfregou os dedos minuciosamente, cheirando-os depois. Pareciam limpos.
O Príncipe Regente estava, no entanto, incomodado com a
presença da Princesa. Não preferia ela morar numa vila em Botafogo, longe dele?
Não vivia ela escrevendo ao papá e à mamá, senhores da Espanha, pedindo que o
destronassem e a nomeassem regente do Brasil? Não era ela mal falada por gregos
e troianos, que a culpavam de eternas ingerências no governo e na nomeação de
preferidos?
Vendo que ela não se retirava, o Príncipe Regente decidiu-se
pela diplomacia.
– Como tens passado, Princesa?
– Muito bem – respondeu ela. – Apenas me queixo de solidão.
– Como de solidão, se em Botafogo tens tudo de que precisas?
– Lá tenho apenas uma casa e amigos fiéis – retrucou ela. –
E isso é bem pouco perto do que almejo.
– Bem sei o que almejas – ironizou o Príncipe Regente. – Mas
o que almejas é impossível. Poderias, pois, retirar-te?
Bufando, a Princesa saiu a trote, batendo a pesada porta.
O PRÍNCIPE E O TRAFICANTE
D. João VI suspirou aliviado, assim que viu Carlota Joaquina
pelas costas. Meteu a mão no bolso e, relutante, tirou de lá o pacote
engordurado. As asas do frango pareciam apetitosas. Arrancou uma, que mordeu
com satisfação.
– Está servido? – perguntou a António Lopes.
– Muito obrigado, senhor – respondeu educadamente o
traficante. – Almocei não faz uma hora. Estou satisfeito.
O Príncipe Regente mastigava deliciado, gotas amareladas
escorrendo-lhe pelo queixo gorducho. Passou a mão livre pelo queixo e a
esfregou no casaco.
– Para que me queres? – perguntou ao traficante.
– Senhor, tenho um apelo a vos fazer – principiou Lopes.
– Diga.
– Gostaria muito de ser nomeado Comendador da Ordem Militar
de Cristo.
– Pedes pouco, em vista do palacete que me doaste.
– Além disso – prosseguiu Lopes diante da boa acolhida –,
pediria ser agraciado tabelião e escrivão da Vila de Parati.
– Terei o maior gosto em servir tão nobre e prestativo
cortesão – respondeu com um sorriso o Príncipe Regente. – Mais tarde lhe farei
outras benevolências.
– Fico eternamente agradecido, Senhor – respondeu o
traficante. – No caso de haver precisão de alguns pretos e pretas para o
serviço doméstico, é só pedir. Terei a maior honra em servir Vossa Senhoria.
– Por enquanto não, caro amigo – retrucou o Príncipe
Consorte, pilheriando em seguida. – Só espero que este palacete não venha a
incendiar-se. Principalmente se, no futuro, vier a se tornar importante museu
nacional.
– Que Deus nos livre e guarde de tal tragédia, senhor –
disse Elias António Lopes benzendo-se. – De minha parte nada tenho a temer, já que
embarcar e vender preto não é pecado.
Via – Jornal GGN
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