A televisão ligada fornece continuamente notícias sobre os
atentados de Paris. Sobre a mesa, um monte de jornais recém estampados mostram
detalhes da carnificina terrorista ocorrida na noite de ontem. Cerca de 160
mortos e mais de 250 feridos, alguns em estado grave é o que dizem os primeiros
balanços.
Marcella e os demais romanos presentes no Bar Clementi têm
no rosto uma expressão estranha, difícil de ser definida, uma mistura de
preocupação, medo, perplexidade e de mais algum sentimento que não consigo
definir. Já conhecia esse ricto facial: é o mesmo que vi aflorar na cara dos
franceses, em Paris, onde me encontrava naquele 11 de setembro quando Bin Laden
e companheiros derrubaram as Torres Gêmeas. Nós, brasileiros, praticamente
desconhecemos essa máscara: só quem de alguma forma viveu de perto os horrores
das duas últimas guerras mundiais, ou de algo que as valha, é capaz de
ostentá-la.
Os sintomas de que algo estava para acontecer pairavam no ar
em Paris, na semana passada, quando lá estive. Fui ao aeroporto Charles de
Gaulle levar nossa amiga e colaboradora de Brasil247, a jornalista sueca Anne
Palmers, que retornava à casa, em Gotemburgo. O Terminal 2G é um dos menores
desse aeroporto, atende apenas aviões de porte médio e tem relativo pouco
movimento. Anne e eu tomávamos um café, antes do check-in, quando chegaram dez
policiais militares franceses, vestidos com roupas e equipamento de combate,
empunhando submetralhadoras. Percorreram todo o perímetro do terminal,
examinando com o olhar cada um dos passageiros ou acompanhantes presentes.
Depois do exaustivo exame, 8 deles foram embora. Dois ficaram, ocupando
posições estratégicas no interior do terminal.
“Morei mais de dez anos em Paris e nunca vi uma coisa
dessas”, comentei com Anne. Ela retrucou: “E não vá nestes dias a Estocolmo, se
não quiser ver um espetáculo ainda mais deprimente. Meu filho me telefonou hoje
dizendo que milícias neonazistas fardadas desfilam pelas ruas da nossa
capital”.
No retorno a Paris, saindo do aeroporto, tomei o ônibus
errado: em vez de subir no que ia para a Étoile, subi no que ia para a Ópera.
Tudo bem, o local fica apenas um pouco mais longe do meu endereço. Mas, ao
descer no ponto final, em frente à Galeria Lafayette, um outro show da Europa
contemporânea me aguardava: sob os toldos que protegem as vitrines de artigos
de luxo, dezenas de famílias de refugiados sírios e iraquianos se acotovelam,
deitados no chão gelado das calçadas. Entre eles, jovens, velhos, crianças. Vi
mais de uma mãe amamentando no peito bebês de poucos meses.
Atualmente, aqui na orgulhosa Europa Ocidental, não é
preciso ir-se até um ponto qualquer de fronteira para testemunhar espetáculos
como esse. É suficiente perambular pelas ruas das grandes cidades. Os
refugiados do Médio Oriente chegam aos milhares, conseguem atravessar
fronteiras e chegar à grandes cidades. Nelas, com o inverno próximo, as
calçadas representam o ponto final. E as populações locais protestam e se
rebelam. As cabeças aqui, nas últimas décadas, foram feitas para os desfrutes
de uma Europa Unida opulenta e segura. Ninguém quer que essa perspectiva mude.
Sabemos todos onde desembocam situações desse tipo: na
radicalização fascista. Este é, desde sempre, o refúgio do cidadão europeu
médio – e talvez de qualquer outro cidadão médio no mundo todo. Atemorizado,
sentindo-se acossado e em perigo, é difícil que esse cidadão não sucumba à
atração das “soluções radicais”.
O filósofo francês Marek Halter é um dos primeiros a se
manifestar nesse sentido. Seu histórico de vida é bem recheado: ele viveu os
horrores do nazismo, conseguiu fugir do ghetto de Varsóvia, escapou da
repressão soviética. O cabaré Bataclan, em Paris, onde foi trucidada a maior
parte das vítimas dos atentados de ontem à noite, fica a poucos metros da sua
casa...
As considerações de Marek Halter não deixam margem a
dúvidas: “Tenho quase uma certeza: o que está acontecendo ajudará a extrema
direita nas próximas eleições. Ela ganhará milhões de votos. Marine Le Pen estará
a um passo da Presidência da República. E a democracia na França estará em
perigo. As pessoas têm medo, e se abrem aos extremismos. Não é impossível que
amanhã aconteçam ataques contra os muçulmanos que vivem na França, ou atentados
contra as mesquitas”.
Tempos duros para a França, para a Europa, para o mundo.
Volto para São Paulo amanhã. Espero que no embarque em Fiumicino não me façam
abrir as malas em busca de alguma bomba inexistente... E, mais ainda, no
Brasil, espero que nossos líderes, todos eles, de esquerda, de direita, do
centro, os de cima e os de baixo, abram os olhos e percebam em profundidade o
que está acontecendo no mundo. E parem essa guerra intestina que provavelmente
não levará a lugar algum, para se dedicar a um diálogo inter partes sóbrio e
adulto que leve a conclusões que não rodeiem apenas os umbigos partidários, mas
que realmente favoreçam a coletividade. Sem exagero, poderemos ser, dentro em
breve, uma das poucas ilhas de paz em todo o mundo...
Via – Brasil 247
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