Torcer para que tudo desabe e que os rivais coloquem o brasileiro em seu lugar – a suposta insignificância - não é sinal de rebeldia ou protesto. É tolice.
Estádio Beira-Rio, do Internacional de Porto Alegre, às margens do Guaíba, na capital gaúcha |
Não sei se vocês estão sabendo mas, na semana que vem, uma hora dessas, terá início em São Paulo um evento esportivo que tem servido de baliza para duas manifestações curiosas. Faz exatamente sete anos que ficou definido que no dia 12 de junho de 2014 a bola rolaria no que se convencionou a chamar de país do futebol. Com ou sem razão, o torneio tem aglutinado sentimentos contrastantes em torno de 11 soldados responsáveis por levar a campo nossas angústias e expectativas. Há quem espere a glória e há quem espere o dilúvio.
Se você não faz parte nem de um nem de outro extremo, prepare os ouvidos e as aspirinas: vem paulada por aí. A primeira ala é formada pelo nacionalista ingênuo, aquele que espera quatro anos para relembrar as letras do hino, se arrepiar com a palavra “Brasil”, se pintar de verde amarelo com muito orgulho e com muito amor e repetir todos os chavões da “terra abençoada”, “onde tudo o que se planta colhe”, “que aprendeu no samba e no futebol a superar todos os desafios”. São os herdeiros de Policarpo Quaresma, o personagem de Lima Barreto que chegava a mover uma guerra se alguém dissesse que o rio Nilo era maior que o rio Amazonas. Nada contra os amantes da pátria, mas o resultado da euforia é temerária, a começar pelas piadas de sempre sobre a vizinha Argentina – a xenofobia disfarçada, aliás, parece alimentar duas de cada três peças publicitárias sobre a Copa na tevê.
O segundo tipo é o brasileiro anti-brasileiro, aquele que vê no futebol todas as fontes da alienação a serviço dos políticos, essa entidade espectral da qual ele não faz parte e sobre a qual residem todos os vícios de uma sociedade viciada – da qual ele também não faz parte. Para este, colocar nariz de palhaço em dia de festa é tão útil quanto inteligente. Basta vestir a alegoria para se sentir menos brasileiro, menos parte desse zé povinho que ele tem o azar de chamar de conterrâneo. Diferenciado dos demais, seu exclusivismo iluminista é tanto que permite acreditar em causas e consequências imediatas e sem variáveis entre futebol e outros campos. Por exemplo: para ele é a vitória em campo, e não o emprego, o bem-estar social e a dignidade dos serviços públicos, a variável que elege candidatos populistas sem qualquer filtro de consciência. Por isso prefere botar o nariz de palhaço e torcer para o circo pegar fogo, a única forma de limpar essa corja responsável por suas vergonhas frente aos amigos do primeiro mundo.
Se você não faz parte nem de um nem de outro extremo, prepare os ouvidos e as aspirinas: vem paulada por aí. A primeira ala é formada pelo nacionalista ingênuo, aquele que espera quatro anos para relembrar as letras do hino, se arrepiar com a palavra “Brasil”, se pintar de verde amarelo com muito orgulho e com muito amor e repetir todos os chavões da “terra abençoada”, “onde tudo o que se planta colhe”, “que aprendeu no samba e no futebol a superar todos os desafios”. São os herdeiros de Policarpo Quaresma, o personagem de Lima Barreto que chegava a mover uma guerra se alguém dissesse que o rio Nilo era maior que o rio Amazonas. Nada contra os amantes da pátria, mas o resultado da euforia é temerária, a começar pelas piadas de sempre sobre a vizinha Argentina – a xenofobia disfarçada, aliás, parece alimentar duas de cada três peças publicitárias sobre a Copa na tevê.
O segundo tipo é o brasileiro anti-brasileiro, aquele que vê no futebol todas as fontes da alienação a serviço dos políticos, essa entidade espectral da qual ele não faz parte e sobre a qual residem todos os vícios de uma sociedade viciada – da qual ele também não faz parte. Para este, colocar nariz de palhaço em dia de festa é tão útil quanto inteligente. Basta vestir a alegoria para se sentir menos brasileiro, menos parte desse zé povinho que ele tem o azar de chamar de conterrâneo. Diferenciado dos demais, seu exclusivismo iluminista é tanto que permite acreditar em causas e consequências imediatas e sem variáveis entre futebol e outros campos. Por exemplo: para ele é a vitória em campo, e não o emprego, o bem-estar social e a dignidade dos serviços públicos, a variável que elege candidatos populistas sem qualquer filtro de consciência. Por isso prefere botar o nariz de palhaço e torcer para o circo pegar fogo, a única forma de limpar essa corja responsável por suas vergonhas frente aos amigos do primeiro mundo.
Sim, meus amigos, vai ter Copa. E vai ter muita gente com cara de “não vai ter Copa” e de “a Copa é minha e ninguém tasca” nos próximos dias, e não é preciso ser um ou outro para se indignar com o que é legítimo se indignar. Vai ter Copa e vai ter José Maria Marin de papagaio de pirata, vai ter estádio construído às pressas, vai ter entidades esportivas mandando prender ou soltar, vai ter empreiteira rindo às burras e vai ter arena com data de validade.
E não, não vai ter legado, não vai ter metrô ligando o nada ao lugar nenhum nem obras de mobilidade nem respeito a quem morava no entorno dos estádios e teve de ser removido. Ser contra tudo isso não ofende, ou não deveria ofender, quem não quer politizar o debate – até porque há uma Olimpíada às portas e não há, ou não deveria haver, qualquer ofensa em questionar as prioridades do País ou e se a população está disposta a arcar com prioridades que não escolheu.
Por outro lado, torcer para que tudo desabe, para que a arquibancada se desmanche em farelos, para que o time da Croácia estraçalhe a seleção de Scolari e coloque o brasileiro em seu lugar – a suposta insignificância – não faz de ninguém mais rebelde, mais politizado, mais produtivo ou mais consciente de seus direitos. Pelo contrário, só mostra como podemos ser tão ou mais tolos ou desonestos do que a tolice e a desonestidade combatidas.
Mas é bom que se diga: as críticas aos gastos com a Copa, não importa o quanto consumam do orçamento geral, são legítimas e ponto. Essas críticas não fazem de ninguém um coxinha. Coxinha, ao que parece, jamais se importou com remoções de favelados nem com gastos públicos para a saúde ou para a educação – para ele o acesso a moradia, tratamento médico ou escola de qualidade são uma questão de merecimento e não direitos universais. É fácil diferenciar um do outro: apenas um esperou sete anos de desmandos para usar agora, às vésperas da Copa, o futebol como pretexto para consolidar tudo o que repetiu a vida inteira – o Brasil é um lixo, o futebol é o ópio do povo, o povo troca voto por esmola e diversão, na Europa não acontece nada disso (a saber: acontece sim). A esses basta dar corda para sentir o cheiro da demofobia – geralmente, mas não sempre, a demofobia é tampada com o mesmo nariz de palhaço. Esse nariz de palhaço pode ignorar um detalhe básico: não adianta postar indignação de dentro do shopping ou do condomínio se o shopping ou o condomínio são resultados também de benesses público-privadas – ver o caso Aref em São Paulo – e com impactos, sociais ou ambientais, não menos devastadores sobre o seu entorno. Não será torcendo para que o Neymar erre o pênalti que esse modelo será repensado de forma honesta.
“Mas com tudo isso você ainda vai torcer pela seleção?”. Eu, no caso, vou, embora preferisse ver partidas disputadas em estádios construídos de forma transparente, sem empurrão de banco oficial, sem pontos cegos e sem remoções. Mas não: não quero que o estádio exploda para dizer “bem-feito, eu avisei”. Criticar gastos, acompanhar remoções, exigir contrapartidas e criar um debate sobre prioridades não significam assumir o atestado de incompetência, segundo o qual o Brasil não merece nem é capaz de ser qualquer coisa a não ser o lixo do mundo.
Torcer ou não pela seleção é questão de identificação ou gosto. Os que não gostam podem mudar de canal. Podem se isolar. Podem mudar o voto e fazer campanha contra quem prioriza a festa e não o luto. De novo: entre o ufanista exagerado e o brasileiro não-brasileiro, há formas e formas de se indignar sem soar descabido. Mas uma coisa é chamar a atenção - e os holofotes concentrados no mesmo palco – sobre desmandos e debates lançados para o tapete. Outra, bem diferente, é impor o que se deve ou não gostar ou torcer, como se o País fosse dividido unicamente entre orgulho x vexame, alienação x consciência – o risco de um lado estar dentro do outro mandando o recado inverso é imenso. É essa dualidade imposta que me impede de engrossar o coro “Não vai ter Copa”.
No Carta Capital
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