Uma mulher de 23 anos tentou, em dezembro de 2014, levar
drogas ao marido detento em um presídio de São Paulo. Ela foi flagrada e presa.
Essa seria mais uma história comum de uma apenada que foi flagrada portando
drogas, como acontece inúmeras vezes ao dia no Brasil, cuja população
carcerária, em sua maioria, responde por tráfico de drogas. Entretando, essa
mesma mulher tinha filhos, sendo que um deles, dependente de seus cuidados,
fora diagnosticado com câncer.
No dia 21 de agosto, o juiz Rafael Carvalho de Sá Roriz,
analisando esse caso, levou em conta que a presença e os cuidados da mãe eram
mais que necessários, em razão da doença do filho, e concedeu a ela o direito
de cumprir o restante da pena em regime aberto, prestando serviços à
comunidade. A decisão de transformar a
pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos segue uma das
recomendações da Carta de Brasília, resumo das conclusões do I Encontro
Nacional sobre o Encarceramento Feminino, realizado pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) em 2011.
De acordo com uma das recomendações do documento, os atores
do sistema de Justiça devem buscar efetivar ou criar “mecanismos legais que
permitam melhor avaliação dos riscos e classificação das presas” de modo a
permitir “quando for o caso, a adoção de medidas alternativas à pena privativa
de liberdade, especialmente no caso de presas grávidas por ocasião da prática
do delito, mães de filhos que sejam delas dependentes econômica ou
emocionalmente”. A proposta é evitar ao máximo a “desagregação ou destruição do
grupo familiar” na medida em que “um certo número delas não representa maior
risco para a segurança da sociedade”, de acordo com o documento.
Segundo a Carta de Brasília, a recomendação se justifica no
momento em que as mulheres representam parcela cada vez maior da população
prisional – 9,9 mil mulheres entraram no sistema carcerário nos seis primeiros
meses do ano passado, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional
(Depen/MJ).
Na decisão do juiz paulista, é citada a possibilidade de
reduzir a pena de casos semelhantes, desde que o réu “seja primário, de bons
antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização
criminosa”, de acordo com a Resolução n. 05/2012, do Senado Federal. O
magistrado do Departamento Estadual de Execução Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo (DEECRIM 4ª RAJ) também considerou a competência do juiz
de execução penal de converter pena privativa de liberdade em restritiva de
direitos”, conforme previsto na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984),
especificamente quando a pena não ultrapasse dois anos – a sentença original
foi de um ano, onze meses e dez dias de prisão em regime fechado.
O tempo da pena aplicada à jovem é uma exceção no sistema
carcerário. Segundo o mais recente Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias do Depen/MJ, 6% da população encarcerada recebeu pena de no
máximo dois anos.
Regras de Bangkok
Na fundamentação do alvará de soltura em que determinou a
conversão da prisão da jovem condenada, o juiz evocou o conjunto de normas do
Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU) “para o tratamento
de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres
infratoras”, conhecidas como as Regras de Bangkok. De acordo com a Regra 64,
penas alternativas à prisão são preferíveis para mulheres “grávidas e com
filhos dependentes, quando for possível e apropriado, sendo a pena de prisão
apenas considerada quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar
ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do filho ou filhos e
assegurando as diligências adequadas para seu cuidado”. Assim como a mulher
beneficiada, 59% dos presos brasileiros têm filhos. Clique aqui para acessar
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Depen/MJ.
Segundo o coordenador do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, dispositivos
que conferem tratamento penal diferenciado, por motivo de gênero, vêm previstos
nos indultos presidenciais de 2014 e 2013. De acordo com os Decretos n.
8.172/2013 e n. 8.380/2014, devem ser liberadas do cárcere mulheres condenadas
a penas privativas de liberdade superiores a oito anos desde que tenham filho
menor de idade “que necessite de seus cuidados” e tenham cumprido parte da pena
– um quarto do tempo, quando não reincidentes, um terço, se reincidentes.
“Infelizmente, trata-se de dispositivos ignorados e ainda pouco utilizados, não
alcançando mulheres em condições especiais de encarceramento”, disse o
magistrado, que também antecipou que o II Encontro Nacional sobre
Encarceramento Feminino já está sendo preparado pelo DMF e muito provavelmente
acontecerá em meados do primeiro semestre de 2016.
São Paulo
Via Justificando
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