Pela primeira vez as eleições presidenciais da Argentina
serão decididas no segundo turno. O resultado deste domingo (25) foi acirrado e
agora a os argentinos voltam às urnas no dia 22 de novembro para decidir entre
a continuidade do projeto Kirchnerista ou o retorno do neoliberalismo, que no
país vizinho teve sua maior expressão durante o governo de Carlos Ménem.
Néstor Busso é o presidente do Fórum Argentino de Radiodifusão Comunitária, uma das mais ativas organizações do movimento social no país |
Por Renata Mielli
“Nos próximos 20 dias, a direita vai jogar tudo para
derrotar Scioli, mas vai enfrentar a resistência e a luta do movimento social e
popular que se recusa a ver a Argentina ser governada por um representante
autêntico da direita neoliberal”, afirmou em entrevista exclusiva para o
Vermelho o presidente do Fórum Argentino de Radiodifusão Comunitária (Farco),
Néstor Busso.
Com 94,95% dos votos apurados até o início desta manhã,
Daniel Scioli obteve 36,86% dos votos válidos, Maurício Macri 34,33%, Sérgio
Massa 21,34%. “A Constituição estabelece que para ganhar é preciso de mais de
40% do votos e que a vantagem do primeiro para o segundo colocado seja de mais
de 10% de vantagem”, explica Busso.
Para os Argentinos, o segundo-turno é uma novidade, já que
as disputas presidenciais anteriores sempre se decidiram na primeira etapa da
eleição. Mas, mesmo com o resultado apertado, Néstor acredita que é possível
ganhar as eleições daqui a um mês, no dia 22 de novembro. “O que ocorre é que
ontem mesmo, já cientes de que estavam fora do segundo-turno, vários dirigentes
do gabinete de Sergio Massa já declararam que votariam em Scioli. Massa é
peronista, ele participou do governo dos Kirchner até 2013 e rompeu com
Cristina. Sua campanha navegou em um campo que aglutinou eleitores contrários
ao governo e eleitores dissidentes do kirchnerismo, mas se mantém fiéis ao
peronismo e que, portanto, jamais votariam em Macri, jamais votariam em um
candidato que representa o neoliberalismo”, avalia Busso. Para ele, a tentativa
da mídia de afirmar que haverá um bloco entre Massa e Macri é difícil de ser
sustentada na prática. E que será grande a migração de eleitores de Massa para
Scioli. “Por isso, creio sim que sairemos vitoriosos no segundo-turno.
O representante de uma das mais ativas organizações do
movimento social argentino, e um dos protagonistas de todo o processo que
resultou na aprovação da Lei de Meios, Néstor Busso é bastante otimista em sua
análise, mas também muito cauteloso. “O processo político é muito delicado na
Argentina e tem muitas semelhanças com o que está ocorrendo no Brasil. O fato
de não termos obtido a vitória ontem não significa que fomos derrotados. Isso
não é verdadeiro. O kirchnerismo está há 12 anos no governo, e isso produz
desgastes de todos os tipos, desde os reais, fruto do processo político e
econômico, até os fabricados pela mídia e pela direita. Ambos influenciam a
opinião pública e acabam desgastando o governo. Mas, mesmo assim, a presidente
tem uma imagem positiva que se estabilizou em torno de 50%. O kirchnerismo
triunfou e não foi derrotado”.
Sobre como o movimento social e popular enxergam a
candidatura de Daniel Scioli, Néstor Busso foi muito direto: “Daniel Scioli tem
uma origem bem diferente de Cristina e Nestor, isso tem que ser dito porque é
verdade. Mas todo o discurso de Scioli nos últimos tempos foi de alinhamento,
de pertencer ao kirchnerismo, sob a liderança de Cristina. A mídia do poder
econômico vai insistir em explorar as diferenças entre eles, vai tentar criar
tensões e dissidências, como fez e faz no Brasil entre Lula e Dilma. Claro que
existem diferenças de estilo, de posições, mas apesar delas, o governo de
Scioli vai dar continuidade às principais políticas e aos grandes temas
colocados pelo atual governo. Temas fundamentais sobre a integração
latino-americana, e nos aspectos da política econômica. No início, os
movimentos populares não acreditavam que Scioli era o melhor candidato. Mas
hoje ele tem forte apoio, especialmente quando o outro candidato é Macri, que
representa a direita neoliberal, que quer mudar tudo o que foi feito nos
últimos anos, voltando com as políticas de Menem”, afirmou Busso.
Segundo Busso, uma vitória de Macri “seria a primeira em que
a direita chega ao governo da Argentina pelo voto popular. Maurício Macri foi o
construtor do primeiro partido claramente de direita na Argentina e até hoje só
governa a cidade de Buenos Aires, com o voto dos setores mais ricos. E hoje a
possibilidade é a nacionalização do seu partido. E vamos combater isso até o
último momento”.
Apesar do forte apoio popular, Scioli não estará livre das
pressões e de fortes debates promovidos pelo movimento social. “Temos bastante
claro que Daniel Scioli vai manter as principais conquistas sociais que tivemos
nos últimos 12 anos, mas dificilmente poderá avançar nestas conquistas. Vai
haver uma continuidade”, avalia Busso.
Esta expectativa de um cenário de manutenção e pouco espaços
para avanços é fruto principalmente do estilo cauteloso de Scioli. “Ele não é
do tipo que enfrenta conflitos”. Também tem aspectos econômicos envolvidos e
possivelmente um cenário de ataque mais acirrado da direita, caso o resultado
final se dê por uma pequena margem de votos. “Durante toda a campanha
eleitoral, a campanha de Macri adotou um discurso de questionamento do
processo, mas vão recorrer a instabilidade somente se isso os interessar. A
oposição vai tentar desprestigiar o resultado, mas eles não conseguiram
desacreditar as eleições, não houve problema algum. Eles anunciavam que haveria
fraude, que haveria incidentes e problemas, e que o país estaria destruído.
Cristina disse que temos um país normal, ordenado. Portanto, creio que o
discurso golpista que a direita vem utilizando em outros países da América
Latina, como no Brasil, pode ser sim utilizado aqui”, respondeu Néstor Busso.
Via - Portal Vermelho
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