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terça-feira, 18 de abril de 2023

Ayahuasca pode ajudar em casos de depressão grave, diz novo estudo

 Pacientes com depressão que participaram de experiência na UFRN relataram que sintomas diminuíram após tomar a bebida alucinógena.



Por Luís Fernando Tófoli* Dráulio Barros de Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, no The Conversation - Tradução: Mauricio Búrigo

“Leon” é um jovem brasileiro que há muito tempo luta com a depressão. Ele possui um blog anônimo, em português, no qual descreve o desafio de viver com uma doença mental que acomete cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde.

Leon está entre os 30%, aproximadamente, dos pacientes com depressão resistente a tratamento. Drogas antidepressivas disponíveis, como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, não aliviam seu humor deprimido, sua fadiga, ansiedade, baixa autoestima e pensamentos suicidas. Um novo estudo pode dar esperança a Leon e a outros como ele.

Nossa equipe de cientistas brasileiros conduziu o primeiro ensaio clínico aleatorizado, controlado por placebo, da ayahuasca –uma bebida psicodélica feita de plantas amazônicas, mais conhecida no Brasil como Santo Daime. Os resultados, publicados recentemente na revista Psychological Medicine, indicam que a ayahuasca pode funcionar nos casos de depressão de difícil tratamento.

Ayahuasca, uma palavra da língua indígena quíchua, significa “o cipó dos espíritos”. Pessoas na região amazônica do Brasil, Peru, Colômbia e Equador usam há séculos a ayahuasca com propósitos terapêuticos e espirituais.

As propriedades da beberagem medicinal vêm de duas plantas. A Banisteriopsis caapi, um cipó que se entrelaça árvore acima até sua copa e atravessa as margens dos rios da bacia amazônica, é fervida junto com a Psychotria viridis, um arbusto cujas folhas contém a molécula psicoativa DMT.

Desde os anos 1930, religiões brasileiras foram fundadas em torno do uso da ayahuasca como um sacramento. Por volta dos anos 1980, o ritual da ayahuasca havia se espalhado por cidades de todo o Brasil e do mundo.

A ayahuasca tornou-se legal para uso religioso pela primeira vez no Brasil em 1987, depois que o Conselho Federal de Entorpecentes concluiu que “membros de grupos religiosos” haviam experimentado notáveis benefícios ao tomá-la. Algumas pessoas que bebem a ayahuasca descrevem que se sentem em paz consigo próprias, com Deus e com o universo.

Para o nosso estudo, que aconteceu na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, os pesquisadores recrutaram 218 pacientes com depressão. 29 deles foram selecionados para participar porque tinham depressão resistente a tratamento e nenhum histórico de transfornos psicóticos como esquizofrenia, que o uso da ayahuasca pode agravar.

Estas 29 pessoas foram designadas aleatoriamente a passar por uma única sessão de tratamento, na qual lhes foi dada tanto ayahuasca quanto uma substância como placebo para beber. O placebo era um líquido acastanhado, amargo e azedo ao paladar, feito de água, levedura, ácido cítrico e corante de caramelo. Sulfato de zinco simulava dois efeitos colaterais bem conhecidos da ayahuasca, náusea e vômito.

As sessões ocorreram em um hospital, embora tenhamos organizado o espaço como uma sala de estar tranquila e confortável. Os efeitos agudos da ayahuasca –que incluem visões semelhantes a sonhos chamadas “mirações”, vômito e introspecção intensa– duram cerca de quatro horas. Durante este período, os participantes escutaram duas playlists selecionadas, uma com música instrumental e a outra com canções cantadas em português.

Os pacientes foram monitorados por dois membros da equipe, que providenciaram assistência àqueles que apresentassem ansiedade durante essa experiência de grande intensidade emocional e física. Um dia após a sessão de tratamento, percebemos melhoras significativas em 50% de todos os pacientes, incluindo redução de ansiedade e melhora de humor. Uma semana depois, 64% dos pacientes que haviam recebido a ayahuasca ainda sentiam que sua depressão diminuíra. Apenas 27% daqueles no grupo de placebo mostraram tais efeitos.

Nossas descobertas corroboram um ensaio clínico brasileiro de 2015 sobre o potencial da ayahuasca como antidepressivo. Esse estudo, conduzido pelo Dr. Jaime Hallak da Universidade de São Paulo, descobriu igualmente que uma única sessão de ayahuasca tinha um efeito antidepressivo de ação rápida. Todos os 17 participantes relataram que os sintomas da depressão diminuíram nas primeiras horas após a ingestão da ayahuasca. O efeito durou 21 dias.

Esse estudo recebeu atenção significativa de cientistas. Suas promissoras conclusões eram, porém, limitadas, já que não havia um grupo de controle dos pacientes que receberam um placebo. Em ensaios clínicos para depressão, até 45% dos pacientes que tomam um placebo podem relatar benefícios significativos. O efeito placebo para a depressão é tão forte que alguns cientistas se têm questionado até que ponto os antidepressivos funcionam mesmo.

O Dr. Hallak e outros pesquisadores do estudo de 2015 da Universidade de São Paulo fizeram parte do nosso ensaio clínico subsequente. Estes dois estudos, enquanto preliminares, contribuem para um crescente conjunto de evidências de que drogas psicodélicas como ayahuasca, LSD e os cogumelos podem ajudar pessoas com depressão difícil de tratar.

Mas visto que estas substâncias são ilegais em muitos países, inclusive os Estados Unidos, tem sido difícil testar seu valor terapêutico. Mesmo no Brasil, usar a ayahuasca como um antidepressivo permanece uma iniciativa marginal, informal.

Leon, o blogger brasileiro, descobriu a droga fazendo pesquisa na internet. “Desesperado” por encontrar soluções para sua condição sem tratamento, Leon decidiu tomar parte em uma cerimônia de ayahuasca em uma igreja do Santo Daime no Rio de Janeiro, uma das várias religiões brasileiras que usam a ayahuasca como um sacramento. Não se sabe exatamente o número de membros do Santo Daime, mas a União do Vegetal, outra religião que também usa o chá, possui aproximadamente 19 mil membros em todo o mundo.

Estas organizações religiosas estão entre os vários grupos espalhados pelas Américas que bebem da fonte das tradições indígenas que usam psicodélicos naturais. Elas acreditam que plantas psicoativas como a ayahuasca, peiote ou os cogumelos alucinógenos (psilocibina) abrem as consciências das pessoas para domínios metafísicos e experiências profundamente significativas. Este conhecimento espiritual está sendo agora traduzido para a linguagem da ciência, conforme pesquisadores no Brasil, Estados Unidos, Canadá e outros países começam a fazer avaliações médicas rigorosas destas substâncias.

O blog de Leon fornece uma descrição excelente de sua experiência com a ayahuasca. Algumas vezes ele teve visões –cenários oníricos que ofereciam um raro insight dos relacionamentos em sua vida. Outras vezes, Leon experimentou “uma sensação de êxtase e de uma espiritualidade interna se manifestando”.

Acreditamos que estes efeitos sejam fundamentais à ação da ayahuasca.  Os participantes do nosso estudo responderam à Hallucinogen Rating Scale (Escala de Avaliação Alucinógena) que ajuda a converter essas experiências inefáveis em números. Os participantes que tomaram ayahuasca tiveram uma pontuação significativamente mais alta no questionário do que aqueles que beberam um placebo.


Os participantes que descreveram os efeitos visuais, auditivos e físicos mais exuberantes durante sua viagem de ayahuasca tiveram os mais notáveis benefícios de redução da depressão sete dias depois.

A ayahuasca não é uma panaceia. As experiências que ela provoca podem se revelar física e emocionalmente desafiadoras demais para que algumas pessoas a usem com regularidade como tratamento. Também notamos haver usuários regulares de ayahuasca que ainda sofrem de depressão.

Mas, como o nosso estudo demonstra, esta bebida sagrada amazônica possui o potencial de ser usada segura e eficientemente para tratar até mesmo a depressão mais grave.


*Luís Fernando Tófoli é professor de Psiquiatria da Unicamp
Dráulio Barros de Araújo é professor do Instituto do Cérebro da UFRN
Fernanda Palhano-Fontes é pesquisadora da UFRN

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