Lembram da falácia do "programa Mais Médicos tem 97,2%
das vagas preenchidas" que rolou por aí uns tempos atrás, com ajuda de
manchetes da imprensa sem o mínimo de tom crítico e com propaganda de penas de
aluguel digitais de Bolsonaro tipo algumas contas do Twitter? Agora vamos pra
vida real.
Não eram vagas preenchidas, eram cadastros em um sistema. O
prazo para que os médicos brasileiros se apresentassem de fato nos postos era
sexta, dia 14. Cerca de 2,5 mil dos inscritos não deram as caras. Sumiram. Puf.
O número de pessoas sem médico, neste momento, é incalculável. São milhões de
brasileiros correndo risco de vida.
Dos doutores que apareceram, boa parte deles (40%) já
trabalhavam na rede básica. Ou seja: eles estão "preenchendo" a vaga
no Mais Médicos e deixando um buraco em outro posto de saúde, gerando um caos
silencioso no sistema.
Um cálculo feito pelas secretarias municipais de saúde
mostra que 2.844 médicos que se inscreveram no Mais Médicos estavam atendendo
nos postos de saúde da família.
O governo prorrogou a data para o comparecimento dos
faltantes até a semana que vem. Às vésperas do Natal, quantos desses que ainda
não deram as caras (e que obviamente sabiam dos prazos) vocês acham que vão
aparecer?
O próximo passo: abrir para médicos brasileiros formados no
exterior. Como é pouco inteligente oferecer as mesmas vagas aos que já as
recusaram, o governo deve aceitar médicos sem diploma válido, pois não há
previsão de uma nova prova do Revalida.
O capitão reserva, durante a campanha, usou a prova do
Revalida como pretexto para expulsar os médicos cubanos, dizendo que “nós não
podemos botar gente de Cuba aqui sem o mínimo de comprovação". Agora
estamos caminhando para que as pessoas sejam atendidas por brasileiros... sem
diploma comprovado.
Entrando em 2019 com milhões de pessoas sem médicos e
correndo risco de vida, teremos ainda outro problema: em março começam as
residências médicas no Brasil. Boa parte dos brasileiros que assumiram postos
no Mais Médicos devem desaparecer, já que não há punição. Sabem quantos médicos
brasileiros desistiram do programa Mais Médicos entre 2013 e 2017? Metade. Na
verdade, mais da metade: 54%.
É uma crise humanitária que não será resolvida tão cedo, e
que o governo e seus arrobas de aluguel farão questão de esquecer ou tentar
soterrar com falácias ou mentiras. Eles mentem, a gente desmente.
Leandro Demori é
jornalista e editor executivo de The Intercept Brasil.
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