No – Socialista Morena
Em tempos de incitação ao ódio e
à violência, quatro gibis poéticos dão um respiro ao retratar o amor em
situações distintas.
Tá puxado, como se ouve nas ruas.
Inflação, desgoverno, guerra, pandemia, incitação ao ódio e à violência… Mas a
editora Nemo dá um descanso merecido com quatro lançamentos de histórias em
quadrinhos que falam de amor em situações distintas: Gioconda, Suzette – ou o
grande amor, A Adoção e Um Oceano de Amor são gibis para quem quer adoçar o
cotidiano com histórias belas e singelas.
Gioconda conta a história de
Francisco, imigrante brasileiro que trabalha na equipe de limpeza do Louvre e é
apaixonado por ninguém menos que… a Mona Lisa! Quando encontra uma jovem no
metrô extremamente parecida com a pintura, sua vida sofre uma reviravolta que
envolve coincidências e desapego a uma leitura cartesiana da vida, e ele vai viver
o amor de verdade. Além do romance que se inicia, a história da própria Mona
Lisa é abordada, sendo que a musa do sorriso enigmático tece belos comentários
na trama.
O roteiro de Felipe Pan surgiu de
uma visita de seus alunos à Exposição Leonardo da Vinci e foi concebido
originalmente para o cinema. Depois de publicar sua primeira HQ, ele se uniu a
Olavo Costa, que entre outros trabalhos ilustrou O Astronauta, único quadrinho
que Lourenço Mutarelli apenas escreveu. Contemplados no PROAC do Governo de São
Paulo, produziram o álbum, que tem cores de Mariane Gusmão.
O trabalho dela é muito sensível,
alternando tons ocres e vibrantes, realçando a arte de Olavo, que abusa de
retículas e traz personagens que flertam com a caricatura, num traço leve e
agradável, repleto de citações a obras de arte e pinceladas de aquarela. A
falta de requadro até nos recordatórios (os textos apresentados fora do balão,
que conduzem a narrativa) incorporam a leveza também na diagramação.
Depois de A Odisseia de Hakim,
Fabien Toulmé está de volta com Suzette. Depois da morte do avô, Noémie
descobre que a vida conjugal de sua avó Suzette não foi exatamente como ela
imaginava. A descoberta de um romance anterior ao casamento, numa pequena vila
italiana, levam as duas protagonistas, que estão em diferentes momentos da
vida, a dividir suas visões sobre relacionamentos, sexualidade, fidelidade e o
papel social da mulher. Uma road trip rumo à Itália trará consequências não só
para Suzette, mas também para Noémie, que está experimentando pela primeira vez
a vida a dois.
O traço de Toulmé continua sutil
e bem-humorado, e a paleta de cores está mais vibrante. A diagramação clássica
traz quadros definidos, e explode em quadros de página inteira para dividir
quase em capítulos a trama. Através de diálogos interessantes, vamos aprendendo
sobre a forma como cada personagem enxerga o mundo, e os preconceitos,
sobretudo sobre amor e sexualidade, são desnudados.
A Adoção, de Zidrou e Monin,
explora a relação entre Gabriel, um burguês aposentado de 75 anos, e
recém-chegada Qinaya, uma órfã peruana de 4 anos, vítima de um terremoto e
adotada por seu filho Alain. O velho turrão inicialmente não se deixa seduzir,
mas aconvivência com a garotinha acaba por transformá-lo em um avô mais
presente do que foi quando pai. Uma surpresa o levará ao Peru e a um novo olhar
sobre sua vida.
A arte de Arno Monin honra a
escola franco-belga, com personagens que misturam realismo e caricatura com
aguadas de aquarela. Os cenários são repletos de detalhes e trazem cores
fortes. O clássico roteiro do belga Zidrou traz questionamentos importantes,
como quando um personagem se pergunta: “Todo o amor que não demos… ele vira o
quê? Ninguém nunca pensou em fazer contâineres de reciclagem?”.
A proposta mais ousada vem com Um
Oceano de Amor, que abre mão dos diálogos para contar a odisseia de Monsieur,
um pescador da Bretanha que é pego por um gigantesco navio-fábrica e arrastado
para uma acidentada viagem mar afora. Paralelamente, sua esposa decide tentar
encontrá-lo e também partirá para uma jornada atribulada.
O roteiro de Lupano traz muito
humor e também momentos de tensão, além de incorporar a participação especial
de Fidel Castro. A arte de Panaccione é deslumbrante, com personagens
caricatos, uma paleta de cores que se alterna conforme as emoções descritas nas
passagens e uma diagramação que inclui cortes de imagem e tempo sensacionais,
usando com maestria pranchas de página dupla que enchem os olhos.
Todos os gibis trazem outras
reflexões ao falar de amor. Suzette aborda com sensibilidade um tema importante
como o etarismo –preconceito de idade que atinge idosos em todo o mundo;
Gioconda mostra que o amor pela arte se estende à vida; A Adoção exibe
preconceitos pequeno-burgueses da classe média francesa e Um Oceano de Amor
traça comentários sobre o lixo nos oceanos. Eles reforçam que o amor é um
sentimento revolucionário e, quando o praticamos, nos abrimos para um mundo
melhor.
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