Rubem Alves
“Contei meus anos e descobri que
terei menos tempo para viver daqui
para frente do que já vivi até
agora. Sinto-me como aquela menina que
ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ela chupou displicente,
mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com
mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde
desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me
com invejosos tentando destruir quem
eles admiram, cobiçando seus lugares,
talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos
megalomaníacos.
Não participarei de conferências
que estabelecem prazos fixos para
reverter a miséria do mundo. Não
quero que me convidem para eventos de
um fim de semana com a proposta
de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões
intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos
e regimentos internos.
Já não tenho tempo para
administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são
imaturos.
Não quero ver os ponteiros do
relógio avançando em reuniões de
"confrontação", onde
"tiramos fatos a limpo".
Detesto fazer acareação de
desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de
Andrade que afirmou: "as pessoas não
debatem conteúdos, apenas os
rótulos".
Meu tempo tornou-se escasso para
debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de
seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita
antes da hora, não foge de sua
mortalidade, defende a dignidade
dos marginalizados, e deseja tão
somente andar ao lado de Deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas
de verdade, desfrutar desse amor
absolutamente sem fraudes, nunca
será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a
pena.”
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